Texto sob autoria de: Ricardo Fagundes Leães

Ricardo Fagundes Leães

Internacionalista, Pesquisador da FEE. International Affairs Researcher at the FEE.

O discurso predominante sobre a guerra civil síria como fator agravante no problema dos refugiados

A crise humanitária na Síria é um dos temas de maior destaque na agenda internacional, dado o imenso contingente de sírios que abandonaram seus lares em virtude da guerra civil que assola o País desde 2011. De maneira geral, afirma-se que a crise humanitária foi desencadeada pela repressão de Bashar al-Assad, o qual nunca se mostrou realmente disposto a dialogar com a oposição. Essa perspectiva, embora empiricamente verdadeira, não dá conta da extensão do fenômeno, que se apresenta mais multifacetado do que aparenta ser. Neste texto, procuraremos demonstrar que a construção dessa narrativa reducionista e maniqueísta por parte dos Estados Unidos e seus aliados na Europa e no Oriente Médio não apenas provou ser equivocada, como também contribuiu para deteriorar a situação humanitária ao conferir poder, tácita e concretamente, a organizações fundamentalistas. Ademais, é nosso objetivo evidenciar que os principais países ativos nesse conflito, que colaboraram para elevar o fluxo de expatriados, mostram-se refratários a acolher os refugiados de guerra.

A guerra civil na Síria é um desdobramento local de um fenômeno mais amplo no contexto regional, a Primavera Árabe, na qual governos autoritários tiveram de responder a manifestações populares nutridas por demandas tão abrangentes quanto complexas. De acordo com a visão mais difundida e propalada tanto pelo Governo norte-americano como em grandes agências de notícias, o Governo sírio, àquela altura, via-se pressionado por sua população, que exigia a democratização do País. Nessa perspectiva, a Síria estaria dividida entre as forças governistas opressoras e a oposição pró-democracia empenhada em armas por uma causa justa.

Nessa visão, era comum distinguir dois grandes grupos rivais no conflito. De um lado, as forças de repressão do ditador Assad, que buscavam reprimir qualquer manifestação contrária ao regime e manter a supremacia de sua família, que está no poder no País desde 1971. De outro, os chamados “lutadores pela liberdade”, capitaneados pelo Exército Sírio Livre (ESL), determinados a derrubar um governo despótico, o que colocava a opinião pública a seu favor. Assim, à medida que Assad intensificava a repressão para conter as pressões internas, prosperavam grupos dispostos a pegar em armas para depô-lo, com a justificativa de instaurar a democracia no País. De fato, logo se apurou que a avaliação a respeito de Assad tinha fundamento, pois seu governo não se furtou a recorrer às mais violentas práticas para reprimir a oposição, o que encetou um amplo movimento de deslocamento interno e externo da população síria.

Ao contrário do que poderia parecer, porém, a situação da Síria nunca pôde ser reduzida à dicotomia entre um regime autoritário e seus adversários democratas. Na verdade, o Exército Sírio Livre foi superestimado pelos analistas internacionais, tanto em dimensão quanto em empenho para defender a democracia. Esse movimento logo se mostrou muito menor do que o anunciado e prontamente ficou evidente que controlava esparsas e diminutas regiões. Além disso, viu-se que as organizações fundamentalistas como a Frente al-Nusra e o Estado Islâmico (Daesh) eram, de fato, os principais opositores a Assad, o que fragilizava a tese de que, se o Presidente sírio fosse deposto, instituições democráticas floresceriam de pronto. A despeito dessas questões, os Estados Unidos e seus aliados na Europa e no Oriente Médio — como França, Reino Unido, Turquia e Arábia Saudita — permaneceram fiéis à ideia de que era preciso destituir Assad para encerrar a guerra civil e iniciar um governo de coalizão.

A irredutível postura dos Estados Unidos mostrou-se determinante para a continuação do conflito na Síria, pois, na prática, deu “luz verde” para a ação da al-Nusra e do Daesh, que avançaram a passos largos. Isso porque, sob a máscara da defesa dos rebeldes moderados, fez-se “vista grossa” para os fundamentalistas que combatiam Assad, na expectativa de que sua vitória fortalecesse o ESL. Entretanto o resultado foi o inverso: o sucesso dos fundamentalistas esvaziou ainda mais as fileiras do ESL. Como muitos desses combatentes que trocaram de lado haviam sido treinados pelos Estados Unidos, o que se observou não foi um avanço dos grupos democráticos, mas o fortalecimento dos fundamentalistas, que ainda passaram a contar com armamentos norte-americanos. Dessa forma, aumentou o pessimismo entre os cidadãos sírios, que deixaram de esperar por um desfecho rápido para a guerra civil e passaram a fugir não apenas do Governo, mas da al-Nusra e do Daesh.

Vemos, portanto, que os países que tratam a queda de Assad como o objetivo prioritário para a Síria não apenas falharam em promover a democracia, mas robusteceram os movimentos fundamentalistas e intensificaram a pressão para que sírios tivessem de deixar seu país. Provavelmente, a situação teria sido ainda pior se o Conselho de Segurança das Nações Unidas tivesse aprovado a intervenção militar na Síria, conforme desejava o Presidente Barack Obama em 2013. Essa iniciativa teria sido trágica para a população do País, na medida em que a maioria de seus habitantes vive em regiões sob o domínio do Governo Assad. O propósito de Obama, em última instância, era bombardear as áreas mais populosas da Síria, o que provavelmente aumentaria o número de refugiados e contribuiria para a ampliação do território controlado pelo Daesh e pela al-Nusra e para o fortalecimento do apoio popular a esses grupos.

De fato, uma das características centrais da crise síria é o elevado número de pessoas que abandonaram seus lares, ao redor de 11 milhões de pessoas até dezembro de 2015, de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR)[1], o que representa quase a metade da população nacional no início do conflito, em 2011. A grande maioria desse contingente ainda permanecia no território sírio (6,6 milhões), ao passo que o número de refugiados em outros países se situava por volta de 4,3 milhões. Dos refugiados em outros países, quase 90% deslocaram-se para territórios vizinhos da Síria, com destaque para a Turquia (cerca de 2,2 milhões, ou praticamente a metade do total de refugiados no exterior), o Líbano (cerca de 1,2 milhão, configurando um acréscimo de quase 30% à população desse país), Jordânia (630.000), Iraque (250.000) e Egito (130.000). Uma parcela de pouco mais de 10% dos refugiados sírios no exterior buscou proteção na Europa, com destaque para a Sérvia (275 mil) e a Alemanha (185 mil).

Em relação à Alemanha, vê-se que sua postura no tocante aos refugiados tem sido dúbia e irresoluta. Em agosto de 2015, o Governo alemão anunciou que não mais aplicaria o Acordo de Dublin, segundo o qual os aspirantes a asilo na União Europeia (UE) devem permanecer no país por onde entraram. O acordo, na prática, é um peso para os Estados mais pobres do continente — a principal porta de chegada de refugiados — e possibilita aos países ricos deportar os imigrantes que alcançarem seu território. Contraditoriamente, porém, a Alemanha propôs, no âmbito da UE, um pacote de € 3 bilhões à Turquia, a fim de que contenha o fluxo de refugiados que entram na Europa. Nas entrelinhas, ventilava-se que uma conduta “favorável” da Turquia poderia acelerar seu processo de ingresso na UE. Para piorar, em novembro, a Alemanha comunicou que voltaria a “lançar mão” do Acordo de Dublin, enterrando as esperanças de que o País liderasse uma política de portas abertas para os refugiados sírios.

Figura 1: Situação humanitária na Síria em dezembro de 2015texto-2-figura-1-pt-BR

FONTE: UNITED NATIONS OFFICE FOR COORDINATION OF HUMANITARIAN AFFAIRS. 2015.
Disponível: em: . Acesso em: 30 dez. 2015.
NOTA: tradução dos autores.

Chama a atenção o fato de que, com a importante exceção da Turquia, diversos países com atuação destacada no conflito não estão entre os principais receptores dos refugiados de guerra, com destaque para os Estados Unidos, que abrigaram somente 2.234 refugiados sírios até dezembro de 2015.[2] A França recebeu 8.894 refugiados[3], enquanto a Rússia contabilizou em seu território, oficialmente, cerca de 2.000 cidadãos sírios nessa condição.[4] O Irã tem-se limitado a prestar assistência material, sem registrar incursões significativas de refugiados sírios em seu território. As monarquias do Golfo Pérsico, algumas das quais são apoiadoras fulcrais de diversos grupos rebeldes contrários a Assad, têm-se colocado de forma ainda mais refratária à recepção de refugiados. Líderes da Arábia Saudita, do Catar, do Kuwait e dos Emirados Árabes Unidos limitaram-se a estender o período de residência para cidadãos sírios já estabelecidos nesses países.[5] Esse fenômeno é grave não apenas em decorrência da participação dessas monarquias no conflito, mas porque são os países da região que reúnem as melhores condições financeiras para acolher os refugiados.

Passados quatro anos de guerra civil, o diagnóstico para a Síria e seus refugiados permanece adverso, na medida em que a maior parte do território do País continua sob o controle de fundamentalistas, ainda que as regiões mais densamente povoadas permaneçam sob o comando firme de Assad. Além disso, a inexistência de uma alternativa democrática viável ao governo de Assad agudiza os obstáculos à estabilidade na Síria, pois os Estados Unidos e seus aliados — ainda que não apresentem uma solução — insistem na mudança de regime naquele país, sem arcar com os custos envolvidos na recepção e na assistência em relação aos refugiados de guerra. Nessas circunstâncias, deparamo-nos com um impasse, visto que o Governo e os fundamentalistas são as forças políticas mais expressivas na Síria, de modo que é difícil combatê-los simultaneamente. De fato, assim como sucedeu no Iraque e na Líbia, a Síria mostra que o confronto com os governos locais não tem fomentado uma solução democrática, mas, sim, gerado um vácuo de poder que é rapidamente preenchido por fundamentalistas. Esse cenário é pernicioso para a população síria, que se vê com poucas possibilidades a não ser engrossar os contingentes de refugiados.


[1]   UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR REFUGEES. 2015 UNHCR country operations profile – Syrian Arab Republic. 2015. Disponível em: . Acesso em: 30 dez. 2015.

[2]   UNITED STATES OF AMERICA. Department of State. Myths and Facts: Resettling Syrian Refugees. 2015. Disponível em: . Acesso em: 30 dez. 2015.

[3]   UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR REFUGEES. Europe: Syrian Asylum Applications. 2015. Disponível em: . Acesso em: 30 dez. 2015.

[4]   Россия приютила 2 тысячи беженцев из Сирии. Газета.Ру. 2015. Disponível em: . Acesso em: 30 dez. 2015.

Em português: A Rússia abrigou 2.000 refugiados da Síria. Gazeta.ru.

[5]   MARTINEZ, M. Syrian refugees: which countries welcome them, which ones don’t. Disponível em: <http://edition.cnn.com/2015/09/09/world/welcome-syrian-refugees-countries/>. Acesso em: 30 dez. 2015.

Mercosul: muito além da integração econômica

Em 2016, o Mercado Comum do Sul (Mercosul) celebra 25 anos de existência, em meio a incertezas e críticas no Brasil e, inclusive, especulações sobre sua extinção. Como razões para essa visão pessimista, têm sido apontadas, em primeiro lugar, a ineficácia do bloco em promover a aproximação econômica entre os países; em segundo, a persistência de prejuízos para o Brasil; e, por fim, as dificuldades impostas pela sua estrutura na condução de negociações com outros países ou blocos.

Ainda que as críticas ao Mercosul sejam pertinentes, vale ressaltar que a integração deve ser analisada de forma mais ampla, considerando não apenas as questões comerciais. Apesar de altamente relevante, o comércio não é o único objeto da integração regional, a qual envolve, também, segurança, cultura e educação. Ademais, o bloco tem avançado a velocidades diferentes em cada setor, de forma semelhante a outros mecanismos de integração regional, inclusive a União Europeia (UE).

Em relação à primeira crítica, afirma-se que o bloco não tem sido exitoso em promover a integração entre as economias dos países-membros e salienta-se a recente diminuição proporcional de comércio entre eles. A principal razão parece ser a postura protecionista do Governo argentino. De fato, tanto para o caso do Brasil como para o do Rio Grande do Sul, os países do Mercosul reduziram significativamente sua participação nos últimos anos, devido ao excepcional desempenho das exportações para a China.

No entanto, é bastante forçoso afirmar que o Mercosul foi ineficaz ou tem perdido sua relevância, especialmente quando se abre a série histórica dos dados. Embora compartilhem uma fronteira de mais de 1.200km, Brasil e Argentina, até a década de 90, careciam de cooperação econômica relevante e duradoura. Durante décadas, os principais parceiros comerciais do Brasil foram os Estados Unidos e a Alemanha Ocidental. Ademais, a dinâmica das relações bilaterais sempre foi marcada por iniciativas de cooperação efêmeras e pela persistência da lógica de rivalidade entre brasileiros e argentinos.

Com base nos dados do gráfico, observa-se que o comércio bilateral entre Brasil e Argentina atingiu níveis históricos após a criação do Mercosul, em 1991, demostrando os efeitos comerciais da integração regional. Além disso, pode-se notar um momento de alta comercial no início dos anos 60, que foi subsequentemente descontinuado. A criação da Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), iniciativa tripartite entre Brasil, Argentina e México, explica esse movimento. No entanto, com o desinteresse dos Governos na manutenção do projeto, o comércio regional retrocedeu a padrões anteriores, o que serve de alerta para quem visa à dissolução do Mercosul.

Participação da Argentina no comércio exterior brasileiro — 1953-2013

O Mercosul foi responsável pela consolidação dos esforços de aproximação multisetorial do Brasil com a Argentina, iniciados ainda no final da ditadura civil-militar brasileira. De fato, houve momentos de maior otimismo, como no início da década de 90, quando da formalização do bloco, e outras fases mais críticas, como na desvalorização do real, em 1999, que desapontou profundamente os demais membros e, pouco depois, quando a Argentina passou por uma grave crise econômica e social. A recente estagnação em termos de valor dos fluxos comerciais certamente causa apreensões, mas cabe ressaltar que a imposição de cotas de importações aos produtos brasileiros por parte do Governo argentino é uma medida de defesa comercial em acordo com as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), no caso de surto de importações que comprometam determinado setor da economia ou seu balanço de pagamentos, se comprovados os nexos causais.

Para além do comércio, foram estabelecidos, de forma gradual, canais institucionais para a implementação de projetos de cooperação nas áreas de política, educação, cultura, segurança, entre outras. Além disso, a instituição da cláusula democrática, prevista no Protocolo de Ushuaia (1998), e, mais recentemente, a criação do Parlamento do Mercosul denotam o comprometimento político dos Governos com os valores e as instituições democráticas, além de aproximar os cidadãos de forma mais efetiva. Apesar de o prazo para a eleição de parlamentares via voto direto ter sido prorrogado para 2020, o Paraguai já realizou duas eleições (2008 e 2012).

Em relação ao tema dos custos, os “mercopessimistas” asseveram que o Brasil é o mais prejudicado no bloco. Entretanto, cabe observar que, em outros casos de formação de coalizões regionais, os Estados mais poderosos (seja em termos econômicos, seja em termos políticos ou militares) são os proponentes de iniciativas de integração regional, como no caso do condomínio franco-alemão na União Europeia, da Rússia na União Eurasiana, dos Estados Unidos no Acordo Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA) e da China nas negociações da Parceria Econômica Abrangente do Leste Asiático. Em todos esses casos, os Estados maiores concedem algumas vantagens mais tangíveis ou imediatas aos parceiros menores, de forma a ampliar a atratividade da participação no bloco em questão. Por exemplo, na Comunidade Europeia e no Mercosul, a sede dos mecanismos de integração é fora do território do Estado-motor: Bruxelas (Bélgica) e Montevidéu (Uruguai), respectivamente, cumprem essa função.

A concessão de vantagens ou concessões pontuais aos países menores em um processo de integração econômica é geralmente explicada pelo fato de as economias desses países, em muitos casos, carecerem do grau de competitividade das empresas dos países maiores, as quais normalmente operam em uma escala bem maior e conseguem explorar oportunidades mais rapidamente do que suas congêneres. Outro argumento bastante explorado por políticos e negociadores uruguaios e paraguaios é que seus países são mais suscetíveis a sofrer desvio de comércio com a imposição de tarifa externa comum. Segundo essa visão, os países menores tendem a ser mais prejudicados, por terem economias mais dependentes do comércio exterior.

Justamente por entrarem como sócios menores, os Estados mais frágeis sob o ponto de vista econômico, populacional ou territorial precisam contar com benefícios tangíveis e imediatos para fazer valer sua participação no projeto de integração regional. No caso do Mercosul, observa-se que os principais ganhos políticos só poderiam ser obtidos pelo Brasil, o único que pode se alçar à condição de player global. Se exitoso o processo de integração, as empresas brasileiras seriam as mais favorecidas, o Brasil seria uma potência global e seria seu o assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Logo, é de se esperar que o principal interessado no Mercosul tenha disposição para arcar com os seus custos, com vistas a suavizar as assimetrias regionais e promover o crescimento econômico intrabloco. Não é razoável imaginar que uruguaios, paraguaios, venezuelanos e argentinos queiram pertencer a um grupo vertebrado pelo Brasil sem obter vantagens materiais em contrapartida.

Um terceiro conjunto de críticas sustenta que o Mercosul tem dificultado a negociação de acordos comerciais com outros países ou blocos, em virtude da suposta baixa disposição de alguns membros em adensar as relações com outros países. Nessa perspectiva, o Brasil deveria abandonar seus compromissos regionais e conduzir sozinho as negociações com a União Europeia e com os Estados Unidos. Contudo, nesse caso, apresenta-se um dilema complexo, ainda que comum, nas relações internacionais. De fato, é possível concordar que um eventual acordo entre o Brasil e a União Europeia seja mais abrangente em termos de conteúdo, mas é também provável que seus termos sejam mais desiguais do que os de um acordo entre blocos. O poder de barganha tende a ser maior quando os seus atores preferem agir em conjunto a negociar separadamente, mas é também provável que o acordo final apresente um escopo temático mais limitado.

Dessa forma, os 25 anos do Mercosul devem ser avaliados concomitantemente sob a ótica política e econômica, observando suas sinergias. Analisar isoladamente suas dimensões é encará-lo como uma estratégia individualizada de cada membro em um jogo de soma zero. Ainda que a dimensão econômica do Mercosul acabe consolidando-se como termômetro do sucesso do bloco devido à facilidade de se mensurarem volumes e valores de seus fluxos comerciais, é imperativo ressaltar que todo acordo econômico é precedido de algum tipo de entendimento político, para mitigar as divergências inerentes ao processo de integração. Por esse motivo, a dimensão política da integração no Mercosul assume um papel relevante. À medida que suas instituições se consolidam como fóruns de integração e solução de conflitos nas mais variadas áreas de seus respectivos governos, criam-se oportunidades tanto para reduzir os custos como para aumentar os ganhos da integração entre seus países-membros.

Os desafios do RS na era dos emergentes

Luciano D’Andrea

Gerente de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs). Bacharel em Administração de Empresas pela Virginia Commonwealth University (VA), nos EUA, e Mestre em Estudos Estratégicos Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Em entrevista para o Panorama, Luciano D’Andrea analisa a dinâmica do cenário internacional, a inserção brasileira nesse mercado e as ações dos países dos BRICS, grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. O entrevistado desta edição também opina sobre a pauta exportadora gaúcha para mercados emergentes e sobre a atuação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Panorama: As últimas duas décadas têm sido marcadas por um intenso dinamismo geopolítico e econômico em âmbito global. Nesse sentido, vários são os centros de pesquisa, públicos e privados, que se dedicam a uma análise sistêmica do cenário internacional. Na esfera local, qual a importância dessas análises para o processo decisório de empresas e instituições governamentais?

As pesquisas e análises de dados político-econômicos sobre o cenário internacional são de fundamental importância para qualquer ator que deseja desenvolver uma estratégia global e/ou alguma forma de relacionamento com diferentes blocos econômicos ou países. Da mesma forma, estudos e a organização sistêmica de informações são considerados essenciais para um determinado país que queira, internamente, qualificar e preparar seus setores industrial e comercial para um cenário cada vez mais competitivo e globalizado. Uma das bases do processo decisório, tanto de entidades como de empresas, é o conhecimento, porém nem sempre a estrutura organizacional dos atores públicos ou privados permite que os mesmos realizem a coleta e a análise de dados estratégicos. Portanto, a diversificação de órgãos produtores de conhecimento e, principalmente, o compartilhamento dessa inteligência, de forma acessível e transparente, são indispensáveis para o desenvolvimento nacional ou regional, seja de forma coletiva ou individual. A partir do entendimento da conjuntura internacional, é possível definir objetivos, metas e áreas de atuação, bem como fundamentar o planejamento estratégico e a execução destes de forma mais segura e assertiva.

Panorama: Além do protagonismo internacional de atores tradicionais como Estados Unidos, Europa e Japão, países como Brasil, China, Rússia e Índia vêm alcançando projeção internacional em vários temas da agenda internacional. Como você avalia a recente inserção internacional do Brasil? Em que medida essa inserção pode se traduzir em oportunidades para o Rio Grande do Sul?

Desde meados dos anos 90, o Brasil vem expandindo suas relações bilaterais e multilaterais, acompanhando um processo global de abertura internacional e adensamento das relações externas impulsionado também pelo fim da Guerra Fria. Nos últimos 15 anos, houve uma mudança clara nos paradigmas da política externa brasileira, e o País vem promovendo esforços políticos no sentido de consolidar parcerias no âmbito da América Latina, Ásia e junto ao continente africano. Essa nova abordagem brasileira em relação ao sistema internacional aposta na estratégia do multilateralismo e na diversificação de mercados não tradicionais e promissores. De modo geral, a atual política externa trouxe consigo alguns benefícios, os quais se materializaram em exportações e importações de bens e serviços com esses mercados, além de novos projetos de investimentos. Sem dúvida, a China foi o país com o maior destaque, tornando-se o principal parceiro comercial do Brasil e do RS devido ao extraordinário crescimento desse mercado apresentado nas últimas décadas e pela fenomenal demanda desse país oriental por produtos de natureza comoditizada, como minério de ferro, soja, carnes, entre outros, produtos estes de grande oferta do nosso país. Por outro lado, as importações da China trouxeram grande preocupação à indústria nacional através da enxurrada de produtos chineses no mercado brasileiro, facilitados pela excessiva sobrevalorização do real na última década. O resumo desse novo cenário conclui que a China contribuiu fortemente para os saldos positivos da balança comercial do Brasil nos últimos anos, porém, por outro lado, ajudou a causar um déficit de mais de 100 bilhões na balança de produtos manufaturados no mesmo período, através das suas exportações de máquinas e equipamentos e bens de consumo intermediário e final. Nesse contexto paradoxal de ameaças e oportunidades, o Rio Grande do Sul foi um dos estados mais favorecidos pelo lado das vendas externas àquele país, pois se posicionou com a oferta de produtos cuja demanda chinesa é alta, especialmente exportações de soja, carnes e tabaco. Essas exportações também foram beneficiadas pelo alto preço dessas commodities no mercado internacional. Já o continente africano se tornou a primeira origem das importações gaúchas, devido às compras da Petrobrás (Refap) de combustível e derivados, especialmente oriundas da Nigéria, da Argélia, e de Angola. Em 2014, as importações da África representaram 23% do total comprado pelo Estado, somando US$ 3,52 bilhões. Portanto, a aproximação junto aos BRICS foi positiva, devido ao aproveitamento do maior crescimento relativo dessas economias, especialmente no período entre 2000 e 2008. Entretanto, ao passo que houve avanços junto às economias dos BRICS, percebe-se um relativo retrocesso e distanciamento do Brasil das economias desenvolvidas, como EUA e União Europeia, cujos mercados constituem a espinha dorsal da economia mundial, representando quase metade do PIB global. Neste exato momento, nota-se um esforço de recuperação dessas relações com esses mercados através de acordos bilaterais e de livre comércio e outras iniciativas apontadas no recente Plano Nacional de Exportações lançado pelo Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) no último dia 24 de junho.

Panorama: Em que pesem as contradições nas relações entre os membros do BRICS, o grupo vem se consolidando como um contraponto ao atual sistema internacional estabelecido no Pós Segunda Guerra Mundial (Organização das Nações Unidas, Organização Mundial do Comércio, Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional). De que forma você avalia o dinamismo desse processo que ainda está em curso?

Uma ação mais coesa dos BRICS depende de questões centrais em termos políticos, econômicos e de segurança. A posição dos países participantes do grupo em relação a esses assuntos é bastante divergente, graças aos interesses nacionais que seguem caminhos opostos, dificultando a consolidação política do grupo. No entanto, o aumento das trocas comerciais entre esses países tem ganhado cada vez mais representatividade no cenário internacional, podendo ser um vetor facilitador da cooperação. Ademais, a criação do Banco de Desenvolvimento dos BRICS, de certa forma, vai ao encontro da estratégia desses países de diminuir a dependência de fundos e bancos internacionais coordenados pelos países desenvolvidos. Por mais que não haja uma agenda estabelecida dos BRICS como um bloco — ainda que as agendas bilaterais venham se fortalecendo — o fato de países com tamanha representatividade na economia mundial estarem reunidos e dispostos a debater pautas conjuntas é um importante passo em direção à consolidação e ao fortalecimento dos mesmos através de ações efetivas de incremento econômico.

Panorama: Em 2014, os demais países dos BRICS representaram algo em torno de 27% do total das exportações gaúchas. Em sua opinião, como os exportadores gaúchos e o Governo do Estado podem defender seus interesses no âmbito das negociações dos BRICS?

Voltando à questão da importância de análises do cenário internacional, é necessário que o Governo e os empresários busquem entender as potencialidades que o mercado dos BRICS tem a oferecer ao Estado. Estudos de inteligência comercial e estratégica podem embasar a abordagem das empresas em relação aos BRICS. E o Governo, tendo entendimento da realidade regional e do bloco, pode montar uma abordagem para a defesa de interesses em consonância com as potencialidades do setor privado, ou seja, a agricultura, indústria e serviços.

Panorama: A soja é o principal produto da pauta exportadora do Rio Grande do Sul, sendo China, Coreia do Sul, Vietnã, Índia e Tailândia os principais compradores da commodity gaúcha. Além da soja, tabaco, carnes (aves), arroz, couro e máquinas agrícolas têm como destino países emergentes da África, Ásia e América Latina. Como você compreende a dinâmica econômica dessas regiões do planeta sobre o setor exportador do RS? O que o setor privado e o governo local podem fazer para aumentar o volume das exportações gaúchas para esses destinos?

De fato, o Rio Grande do Sul atende de forma majoritária esses mercados emergentes no âmbito Sul-Sul com sua pauta tradicional de produtos pertencentes ao complexo soja, carnes e tabaco. Entretanto não há dúvida que existem inúmeras oportunidades de exportações para outros produtos e segmentos gaúchos a esses países. Para um maior dinamismo na pauta exportadora, é preciso diversificar a oferta através da ampliação do conhecimento frente às rápidas transformações que vêm ocorrendo nos hábitos de consumo e das necessidades de importação desses mercados. A China, por exemplo, após anos demandando produtos básicos como alimentos, minério de ferro e petróleo, passa agora não só a requerer quantidades maiores de bens de consumo como também necessita abastecer, com produtos de alto valor agregado, consumidores cada vez mais exigentes e com um poder aquisitivo maior. Nesse sentido, para aproveitar esse movimento de crescimento do mercado consumidor não só da China como também de países em franca ascensão naquela região, como Vietnã, Malásia e Tailândia, é imprescindível que o setor exportador gaúcho seja competitivo e conheça o mercado e as tendências dos seus respectivos segmentos. A criação de zonas francas comerciais na China, por exemplo, demonstra a implementação de reformas econômicas e financeiras recentes com o objetivo de incentivar o consumo interno de produtos importados. Esse caso chinês abre novas possibilidades para produtos de maior valor agregado brasileiro, como alimentos premium, por exemplo. No caso da América Latina, mercado estratégico para as exportações de produtos manufaturados brasileiros e gaúchos, a região precisa se revitalizar e aprimorar os mecanismos de pagamentos e criar meios efetivos de integração das cadeias produtivas de valor, focando a especialização produtiva. Não obstante, essa região requer investimentos em infraestrutura e logística para reduzir os custos operacionais do comércio exterior a fim de se equiparar ao grau de competitividade com terceiros mercados concorrentes, especialmente o asiático. As instabilidades econômicas e políticas e as recorrentes crises também são gargalos a serem enfrentados por empresas e governos.

Panorama: No século XXI, a África tem-se destacado por sua elevada taxa de crescimento econômico, que contrasta com o baixo dinamismo do continente nas décadas anteriores. Como muitos desses países vêm se desenvolvendo à base da produção agrícola, quais são os meios para o RS aproveitar o ensejo e expandir o comércio de máquinas agrícolas na África?

A exportação de máquinas agrícolas para a África representa um nicho interessante para as empresas gaúchas. Segundo dados do MDIC de 2015, 42% do total exportado pelo Brasil para o continente africano é de produtos manufaturados, e o nível de intensidade tecnológica aplicada a esses produtos apresenta crescimento nos últimos três anos. O Rio Grande do Sul pode-se beneficiar das peculiaridades do desenvolvimento agrícola africano, trabalhando na adaptação e no desenvolvimento de equipamentos que possam atender com maior otimização às necessidades do mercado. Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de 2014, a agricultura africana pode e deve ser impulsionada através de soluções integradas que envolvam a indústria, o meio rural e o setor de serviços. Outra frente muito importante com vistas à expansão das exportações desse setor envolve linhas de crédito de exportação oferecidas pelo Governo por meio do Banco do Brasil, voltadas principalmente para países africanos com o financiamento de máquinas e equipamentos agrícolas produzidos no Brasil. Logo, a larga experiência do governo e do empresariado gaúcho no setor agrícola, aliada à concessão de linhas de crédito, pode servir como diferencial competitivo na atuação frente o mercado africano.

Panorama: Em todos os países que foram exitosos ao fomentar suas exportações, como Estados Unidos, Japão, Alemanha e China, observou-se a presença de um banco especializado para internacionalizar as empresas nacionais, de forma a dinamizar seus investimentos e suas vendas. Em que medida o BNDES contribui para a integração das empresas brasileiras no mercado mundial?

A presença de um banco de fomento ao comércio exterior é um mecanismo fundamental para alavancar as exportações e o investimento brasileiro em outros países. A atuação do BNDES no comércio internacional engloba tanto a concessão de crédito para a produção de bens e serviços destinados à exportação como também a comercialização dos produtos e serviços nacionais no exterior, oferecendo prazos, juros e condições de pagamento de acordo com o tamanho da empresa. O BNDES também atua no apoio a projetos no exterior, financiando não só a aquisição de bens de capital como também o capital de giro das empresas. Essas medidas facilitam a abertura de mercados, a inserção de empresas brasileiras nas cadeias globais de valor e a ampliação do fluxo de comércio brasileiro. Cabe ressaltar que é sempre importante estar atualizado com as demais políticas financeiras ofertadas pelos bancos de promoção das exportações de outros países, como EUA e Alemanha, por exemplo, no sentido de ajustar a gestão de recursos de fomento nacional à altura da concorrência, aliada às necessidades reais das empresas e aos seus respectivos perfis exportadores.

Os países em desenvolvimento no radar comercial do RS: o caso das máquinas agrícolas

Ao se projetar a inserção econômica do Rio Grande do Sul, tende-se a destacar os principais destinos de exportação — Argentina, China e Estados Unidos, não necessariamente nessa ordem — e os principais itens exportados: complexo da soja, carnes (sobretudo suínos e frangos), químicos e tabaco. Ainda que seja desejável ampliar ou manter os fluxos econômicos do Estado para esses países e nesses setores, convém explorar as oportunidades oferecidas pelos mercados com considerável potencial de crescimento econômico para as próximas décadas. Trata-se dos países em desenvolvimento ou emergentes, sobretudo os localizados no sul da Ásia e na África Subsaariana.

Na atualidade, os países emergentes já compõem a maioria dos destinos, em termos de valor, das exportações gaúchas, seguindo a tendência do próprio Brasil, conforme se observa no Gráfico 1. Em 2014, segundo dados divulgados pela Fundação de Economia e Estatística (FEE), somando-se os quatro parceiros do Brasil nos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) com os países latino-americanos, obtém-se mais da metade de todas as exportações do Estado (as proporções são, respectivamente, 27,2% e 23,8%). Ao se acrescentarem outros países emergentes da África, da Ásia e do Oriente Médio, essa proporção certamente se amplia. Os países do núcleo desenvolvido — América do Norte (9,2%), Europa (16,8%) e Japão (1,22%) — permanecem relevantes, mas sua proporção reduziu-se nas últimas duas décadas.

Participação de países e grupos de países nas exportações gaúchas — 2003-14

É complicado caracterizar o comércio com os países emergentes de forma geral, uma vez que há diferenças em cada região geográfica analisada. Enquanto o comércio com os países do leste da Ásia (China, Coreia do Sul, Índia e Vietnã) tem apresentado uma pauta amplamente dominada pela soja e por seus derivados, no que tange à África e aos países vizinhos do Brasil, as exportações são mais diversificadas. No comércio com a Argentina, por exemplo, apesar das flutuações e das restrições recentes, destacam-se itens de médio e alto valor agregado, como máquinas agrícolas, automóveis, insumos industriais e produtos químicos. Com os países africanos e do Oriente Médio, destacam-se, além da soja, produtos de outros setores, como o caso de carnes em geral para Angola (cerca de US$ 108 milhões em 2014, ou quase 54% do total exportado para esse país), tabaco para Indonésia (47% da pauta para o País), e arroz para Cuba (45% da pauta), de acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC).

A análise do período recente, no entanto, não deve obscurecer o enorme potencial de intensificação da corrente comercial para parte considerável dos países emergentes. As expectativas de ampliação das fronteiras agrícolas na América Latina e na África, por exemplo, colocam, simultaneamente, oportunidades e desafios para a inserção do Rio Grande do Sul na economia global. Ao mesmo tempo em que os países latino-americanos e africanos competem diretamente na produção e na exportação, como na de soja e milho, a ampliação das atividades agrícolas nessas regiões pode ir ao encontro dos interesses do setor de máquinas e equipamentos do Estado, logrando, oportunamente, a assinatura de negócios significativos com alguns países daquela região. Essa questão é particularmente importante em um contexto de reprimarização da pauta exportadora observada no período recente.

Atualmente, os países africanos e latino-americanos compram 92% das exportações gaúchas de máquinas agrícolas, conforme pode ser observado no Gráfico 2. Esse dado torna-se ainda mais significativo quando se tem em mente que esse índice atingia 72% em 2005. Esse processo acompanha um movimento geral da política comercial brasileira na última década, que enfatizou a inserção econômica em mercados emergentes. No tocante às máquinas agrícolas, essa estratégia permite que o Rio Grande do Sul tenha demanda para os setores industriais que têm enfrentado muitos obstáculos para competir no mercado externo. Isso porque, por excelência, as economias da América Latina e da África, salvo poucas exceções, são marcadas pelo predomínio do setor agrícola, viabilizando a retomada da indústria na pauta de exportações gaúchas.

Composição do valor total das exportações de máquinas agrícolas do Rio Grande do Sul — 2003-14

Na África, Etiópia, Chade, Moçambique e Ruanda estão entre os 10 países que mais cresceram economicamente no século XXI. Esses, diferentemente de Angola e Nigéria, não são ricos em recursos minerais e avançaram em função de seu desenvolvimento agrícola. Dado seu estágio inicial de desenvolvimento, esses países carecem de máquinas para a expansão de sua produção agrícola, o que abre espaço para a economia gaúcha. De fato, em 2013, o Governo brasileiro assinou um acordo para financiar exportações de equipamentos agrícolas para a África através do Programa de Financiamento às Exportações (Proex). Essa medida insere-se no Programa Mais Alimentos Internacional, cujo intuito é fomentar o desenvolvimento da agricultura africana. Por fim, a linha de crédito que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) oferece para as exportações de produtos não agrícolas também pode ser aproveitada pela indústria gaúcha interessada em exportar para a África.

Ademais, entre os latino-americanos, realçamos Bolívia e Paraguai, cujo Produto Interno Bruto (PIB) vem expandindo-se a passos largos, com base, respectivamente, na ampliação da agricultura familiar e no progresso da cultura da soja. Esse fenômeno já é sentido pela indústria gaúcha, que tem vendido cada vez mais para produtores bolivianos e paraguaios. Neste último caso, frisa-se que a grande presença de brasileiros (muitos dos quais nascidos no Rio Grande do Sul) radicados no Paraguai possibilita o fortalecimento de laços entre a produção rural do País e o setor gaúcho de máquinas agrícolas. Além disso, também é digno de nota o aumento das exportações para a Venezuela, a despeito da aguda crise econômica que assola o País, movimento que muito provavelmente está relacionado ao ingresso de Caracas no Mercado Comum do Sul (Mercosul), uma demanda antiga de grupos industriais brasileiros. Uma exceção a essa regra é representada pela Argentina, cuja política comercial protecionista, intensificada a partir de 2009, provocou redução de pouco mais da metade das vendas entre 2007 e 2013.

A promoção econômica e comercial no plano externo, diferentemente do caso das relações políticas e diplomáticas, não é atribuição exclusiva da esfera federal. Estados e municípios podem – e devem – promover, no estrangeiro, os setores econômicos locais. De fato, na prática internacional, tem sido observada uma intensificação das atividades externas de autoridades subnacionais na economia global, funcionando, na maior parte das vezes, como um complemento aos esforços dos respectivos corpos diplomáticos oficiais, ou como elos entre os últimos e a comunidade empresarial. A construção de laços econômicos do Rio Grande do Sul com países e regiões que historicamente tiveram participação bastante limitada no radar comercial serve aos interesses da sociedade gaúcha e reforça a política externa brasileira voltada à diversificação de parcerias.