Texto sob autoria de: Ricardo Fagundes Leães

Ricardo Fagundes Leães

Internacionalista, Pesquisador da FEE. International Affairs Researcher at the FEE.

Reforma trabalhista espanhola: perdas garantidas, benefícios incertos

Em fevereiro de 2012, na Espanha, foi convertida em lei a proposta de reforma trabalhista encabeçada pelo governo de Mariano Rajoy, do Partido Popular (PP). Esse projeto se situa em um quadro maior de movimentos de flexibilização do mercado de trabalho, como no México, no Chile, na Argentina e, destacadamente, no Brasil, de modo que não pode ser considerado sui generis. Já passados mais de cinco anos desde sua ratificação, faz-se mister uma avaliação sobre seus resultados, a fim de que se possam traçar paralelos com o processo em vigor em nosso País.

Em síntese, a reforma visava à facilitação das demissões e das contratações em caráter parcial ou temporário. Dessa forma, foram reduzidas as obrigações legais das empresas que desligassem seus funcionários e foram simplificados os processos de admissão de novos empregados. A justificativa oficial era que, em um contexto de crise, essas mudanças permitiriam que a flexibilidade externa das empresas (i.e., demissões) se tornasse flexibilidade interna (i.e., reduções salariais), o que suavizaria seus efeitos negativos e possibilitaria uma recuperação mais célere.

À primeira vista, os dados parecem indicar um quadro ambíguo: aumento concomitante da criação de empregos e da precarização das relações de trabalho. De fato, ao final de 2016, em comparação com o último trimestre de 2011, o número de ocupados cresceu 350.000 e o de assalariados foi ampliado em 250.000. Assim, a taxa de desemprego caiu de um patamar de 24,8% para 18,5%, o que tem sido saudado pelos entusiastas das atualizações na legislação. Por outro lado, avançou a contratação de funcionários temporários e de trabalhadores de meio período, fazendo com que o salário médio anual seja, atualmente, 800 euros menor do que o de 2011.

Cabe aos analistas, então, averiguar se é possível atribuir uma relação direta de causalidade entre a reforma e a geração de empregos. Assim, vemos que, a despeito das informações positivas em relação à criação de vagas, é preciso ressalvar que a análise do período em que a reforma esteve em vigor mostra um cenário dúbio: embora a taxa de desemprego tenha, com efeito, caído desde 2011, observa-se que seu nível subiu até a metade de 2014 — trajetória que só se inverteu com a retomada do crescimento econômico nesse ano, ou seja, os trimestres imediatamente posteriores à reforma sinalizam um quadro contrário às expectativas de seus defensores. Como a correlação entre o crescimento econômico e a criação de empregos é consagrada na literatura especializada, permanece incerto, ainda que plausível, afirmar que a diminuição da taxa de desemprego tenha sido causada pela reforma trabalhista.

Dessa forma, uma leitura atenta dos dados que temos à disposição sinaliza que a propalada relação direta entre a flexibilização das leis trabalhistas e a geração de empregos não é conspícua. No caso espanhol, ao menos, o vínculo entre os dois processos só se deu após a ocorrência de um fenômeno oposto ao previsto, indicando que o efeito de geração de empregos pode ser decorrente de um terceiro fator, independente da reforma — o que fundamenta a dúvida sobre se não teria ocorrido um crescimento igual ou similar mesmo sem essas mudanças. Essa constatação é especialmente relevante para o Brasil, na medida em que os efeitos da reforma trabalhista recentemente sancionada por Michel Temer serão observados nos próximos meses.

Por outro lado, as externalidades negativas proporcionadas pela mudança na legislação parecem estar inextricavelmente conectadas à reforma em si: a precarização do trabalho, o aumento dos contratos parciais e intermitentes e a redução salarial imediata eram os objetivos declarados de quem propunha a lei. De fato, os empregos de meio período cresceram 1,8 p.p. ao ano entre 2011 e 2016, situando-se em 15,3%, ao passo que a taxa de contratos temporários involuntários elevou-se 5,2 p.p., firmando-se em 60,5%. Finalmente, a reforma também proporcionou um aumento do número de “falsos autônomos”, empregados que são obrigados por suas empresas a trabalhar por conta própria (pejotização). Em relação ao total de autônomos, esse grupo representava 62,9% em 2011 e passou a corresponder a 67,1% em 2016, confirmando a tendência de piora das condições de proteção ao emprego.

Além de alertarem para a necessidade de redução de encargos salariais para transformar a flexibilidade externa em flexibilidade interna, os defensores da reforma também alegavam que esse processo favoreceria as empresas espanholas em termos de competitividade internacional, uma vez que a diminuição desses custos elevaria seus lucros. No tocante a esse ponto, impera salientar que esses benefícios só ocorrerão se houver uma recuperação da economia mundial, de modo que os importadores aumentem sua demanda por produtos espanhóis.
Nessas circunstâncias, vemos que, para os trabalhadores espanhóis, os benefícios da reforma trabalhista parecem, na melhor das hipóteses, ambíguos, na medida em que a geração de empregos não necessariamente está vinculada à alteração na legislação. Em contraposição, os prejuízos são cristalinos, pois essas mudanças encetaram precarizações nas relações de trabalho e nas contrações salariais.

O acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia: obstáculos intransponíveis?

Há muitos anos, a perspectiva da assinatura de um tratado comercial entre o Mercado Comum do Sul (Mercosul) e a União Europeia (UE) vem ocupando largo espaço na agenda de políticos, empresários, pesquisadores e interessados em geral. De fato, a tentativa para a formalização de um tratado de livre-comércio (TLC) entre o Mercosul e a UE data de 1995, quando da assinatura do Acordo-Quadro de Cooperação Inter-Regional (AQCI). Desde então, apesar de sucessivas manifestações de interesse mútuo para a conclusão do acordo, as partes continuam sem chegar a um entendimento pleno sobre a questão, de modo que ainda permanecem dúvidas sobre as possibilidades concretas para a sua efetivação. Recentemente, com a eleição do liberal Mauricio Macri na Argentina, a posse de Michel Temer no Brasil e a suspensão da Venezuela no Mercosul, especulou-se que o acordo poderia estar mais próximo de ser concluído. Em nossa perspectiva, porém, perduram vários obstáculos para um desfecho positivo para aqueles favoráveis ao tratado.

Em linhas gerais, pode-se afirmar que as principais adversidades para a viabilização do projeto de livre-comércio entre o Mercosul e a UE partem de três vertentes: (a) há um significativo receio, por parte de produtores agrícolas europeus, de que o acordo signifique um prejuízo insuperável, na medida em que enxergam, na concorrência com os sul-americanos, um risco à sua própria existência no mercado; (b) em decorrência desse fato, alguns sul-americanos, ainda que defendam o acordo, duvidam de um desenlace positivo, por acreditarem que os europeus não abrirão mão de seu protecionismo agrícola; (c) por fim, na América do Sul, há grupos políticos que manifestam uma postura de oposição genérica à assinatura de um TLC com a União Europeia, por considerarem que esse processo representa uma capitulação dos interesses nacionais em relação aos dos europeus, inviabilizando uma estratégia autônoma de desenvolvimento regional.

Ao contrário do que frequentemente é sugerido por analistas e comentadores midiáticos, o maior obstáculo para a conclusão do acordo entre o Mercosul e a UE sempre foi a resistência dos produtores agrícolas europeus, temerosos da concorrência sul-americana. Desde os primeiros anos, os setores ligados à agricultura na Europa manifestaram sua preocupação de que esse tratado os impedisse de competir no mercado de alimentos. De fato, trata-se de produtores que já necessitam de proteção e subsídios no âmbito da União Europeia, por meio da Política Agrícola Comum (PAC), uma das principais da UE.

A PAC foi criada em 1962, tendo como objetivos principais assegurar o abastecimento regular de gêneros alimentícios, manter um equilíbrio entre a cidade e o campo, valorizar os recursos naturais, preservar o meio-ambiente e garantir aos agricultores um rendimento em conformidade com os seus desempenhos. Com seu advento, buscou-se consolidar um único grande mercado comum, dentro do qual os produtos agrícolas pudessem circular livremente, mas com a preferência pelos produtos produzidos na União Europeia. Embora, em tese, a PAC tenha os propósitos de aumentar a produtividade agrícola, salvaguardar fornecimentos regulares aos consumidores e assegurar a estabilização de preços razoáveis, seu objetivo central é proteger os agricultores europeus da concorrência internacional, até para garantir sua presença nas zonas rurais.

A importância do setor agropecuário para a União Europeia fica evidente quando se analisam alguns dados fornecidos pelo Gabinete de Estatísticas da União Europeia (Eurostat). Em 2016, por exemplo, havia 8,73 milhões de indivíduos empregados em atividades agropecuárias na zona rural, cifra que representava 3,99% do total dos empregados.1 Em termos absolutos, os países que concentravam a maior parte desse contingente eram a Romênia (19,37%), a Polônia (18,94%), a Itália (9,45%), a Espanha (8,71%) e a França (8,32%). Já em termos relativos ao total do emprego, os países que apresentavam o maior percentual de mão de obra empregada nessas atividades eram a Romênia (20,73%), a Grécia (11,74%), a Polônia (10,41%), a Lituânia (7,68%) e a Letônia (7,60%).

Ao se tratar da mão de obra empregada na agricultura, deve-se destacar o grande contingente que atua sob a forma de agricultura familiar. Dos 29 países do bloco, 15 empregavam mais de 80% da mão de obra nessa modalidade, sendo que, em apenas quatro, o setor da agricultura familiar correspondia a um montante inferior a 60% do total. Dessa forma, observa-se a importância desse segmento, que, sem as proteções hoje existentes na UE, poderia se tornar bastante vulnerável. É por essa razão, portanto, que os formuladores de políticas públicas da União Europeia dão centralidade à PAC, a fim de evitar eventuais impactos econômicos e sociais negativos que, naturalmente, implicariam o enfraquecimento do setor agrícola europeu.

Na medida em que, ao sul da América Latina, o setor primário se apresenta de modo muito mais competitivo em comparação com o da Europa, é do interesse dos países-membros do Mercosul a liberalização do mercado agrícola da União Europeia, dadas as inúmeras possibilidades de ganhos em termos de exportações para essa região. Por consequência, é justamente esse o ponto que representa o maior empecilho para a adoção de um acordo de livre-comércio entre os dois blocos, uma vez que os produtores agrícolas europeus fazem intensa pressão para que se mantenham as atuais barreiras. Essas, por sua vez, são justificadas porque são vistas como imprescindíveis para a sobrevivência da PAC, construída a tanto custo. Ademais, a União Europeia ainda padece dos significativos efeitos da crise econômico-financeira de 2008, que acarretou taxas de desemprego de dois dígitos em vários estados. Nessas circunstâncias, há um elevado temor de que a desestruturação do setor agrícola tenha um empacto negativo, em termos de perda de postos de trabalho e de renda, caso haja abertura dos mercados agrícolas.

Em face da postura europeia, cresceu o ceticismo entre os integrantes do Mercosul sobre a viabilidade do acordo. Nesse sentido, observa-se que o Paraguai e o Uruguai — em virtude da representatividade de seus setores agrícolas — sempre se mostraram mais favoráveis à implementação do tratado, ao passo que o Brasil e a Argentina, ainda que jamais tenham renunciado ao projeto, passaram a hesitar em relação aos eventuais benefícios advindos desse processo. Em geral, sobretudo em circuitos midiáticos, associa-se a resistência sul-americana à ascensão de governos progressistas na região, com destaque para os de Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff no Brasil e os de Néstor e Cristina Kirchner na Argentina.2 Essa caracterização ideológica, no entanto, não representa fielmente a realidade das negociações, ainda que, de fato, guarde aspectos de realidade.

No tocante ao Brasil, por exemplo, já podem ser encontrados sinais de descrédito ainda no mandato de Fernando Henrique Cardoso (FHC), quando, em 2001, em um discurso na Assembleia Nacional Francesa, o então presidente afirmou desejar uma associação comercial entre o Mercosul e a União Europeia, mas ponderou os riscos de que as aspirações protecionistas suplantassem o espírito do livre-comércio. Com efeito, a exposição de FHC teve um forte componente simbólico, uma vez que a França já havia explicitado sua oposição ao acordo. Na perspectiva francesa, o TLC seria extremamente danoso para os seus agricultores e colocaria em risco o próprio sentido da PAC, o que não foi bem recebido pelo Governo brasileiro. Apesar de diferenças pontuais, a linha dada por FHC foi seguida durante a administração de Lula, que também enfatizou os benefícios do livre-comércio e apontou o protecionismo europeu como principal entrave para o avanço das negociações.

Em seguida, o Governo Dilma apresentou interesse em retomar as negociações do acordo, que haviam sido interrompidas entre 2004 e 2010. No entanto, apesar da realização de conferências para discutir a viabilidade do processo, as resistências em relação à abertura ao setor agrícola europeu permaneceram, o que obstaculizou um entendimento amplo sobre o tema. Apesar disso, sempre houve relutância entre alguns grupos do Partido dos Trabalhadores (PT) ao tratado, que era interpretado como um gesto de subserviência em relação aos grandes grupos capitalistas europeus, que impossibilitariam um projeto de desenvolvimento autônomo. Salienta-se, não obstante, que esses setores nunca foram majoritários no seio do Governo brasileiro, que jamais abandonou a retórica de defesa do livre-comércio e do benefício de um TLC com a União Europeia, desde que os europeus aceitassem liberalizar o seu mercado agrícola.

Já com relação à Argentina durante os Governos Kirchner, nota-se uma situação distinta. Ao invés de saudar os supostos benefícios do livre-comércio, os argentinos mostraram-se refratários ao acordo, por considerarem que atravancaria suas tentativas de reindustrialização e ainda colocaria em risco a sobrevivência de seus grupos industriais, como os setores de autopeças, de produtos químicos, de equipamentos elétricos e de bens de capital. Assim, além de demandar um prazo maior para a implementação do tratado, os argentinos exigiram a inclusão de uma ampla lista de setores industriais que ficariam à margem do acordo, o que foi considerado inaceitável pelos representantes europeus. Em virtude desse posicionamento, tornou-se majoritária a posição de que a Argentina de Cristina Kirchner era o verdadeiro obstáculo para que as partes chegassem a um entendimento, de modo que a conclusão de seu mandato e a posse de Macri seria o gatilho para a assinatura do acordo.

De fato, a transferência de governo de Cristina Kirchner para Mauricio Macri constitui um elemento favorável ao progresso das negociações entre o Mercosul e a União Europeia, na medida em que a lista de restrições do Governo argentino já não configura um obstáculo para a assinatura do tratado. Contudo, como já afirmado anteriormente, o maior óbice para que as conversas avancem é o protecionismo agrícola europeu, o qual dificilmente deixará de ser uma adversidade. Embora alguns analistas prefiram responsabilizar os governos dos Kirchner pela estagnação do processo, por meio de uma leitura atenta pode-se constatar que as negociações já se encontravam paralisadas desde o final da década de 90, anos antes da emergência de uma onda de governos progressistas na América do Sul.

1As séries de dados utilizadas foram a Total Employment — All Categories, que inclui o total de empregos segundo as categorias da Nomenclatura Geral das Atividades Econômicas das Comunidades Europeias (NACE) e a Total Agriculture Forest and Fishing Employment, que se refere ao total de empregados em atividades de agricultura, silvicultura e pesca. Ambas as séries incluem indivíduos entre 15 e 64 anos de idade.

2A Venezuela de Hugo Chávez e Nicolás Maduro não será estudada neste artigo porque só ingressou no Mercosul em 2012 e foi suspensa em 2016, de modo que não representa um embaraço para as negociações com a União Europeia.

Editorial

A ascensão econômica da China tem dominado a agenda de analistas e pesquisadores há muitas décadas. De fato, ao longo desse período, o País apresentou taxas de crescimento espetaculares, impulsionando extraordinariamente seu comércio exterior e seus investimentos diretos. Mais recentemente, ainda que suas taxas tenham apresentado uma redução em relação ao ciclo anterior, a China permanece como a potência que mais expande sua influência econômica, à exceção da Índia, suscitando novas análises sobre seus desafios e estratégias.

Desde que promoveu uma abertura diplomático-econômica, ainda nos anos 70, Pequim vem apresentando inúmeras transformações em termos de comércio e investimentos. Inicialmente, enquanto recebia investimentos dos EUA, do Japão e da Europa Ocidental, para diversificar seu parque industrial, sua pauta exportadora era predominantemente primária — sobretudo de petróleo. Com o passar dos anos, porém, os chineses tornaram-se os principais exportadores mundiais, vendendo manufaturados, cujo valor agregado não para de crescer. Concomitantemente, sua necessidade de produtos primários os converteu nos maiores importadores de commodities, como minério de ferro, grão de soja e petróleo. Essa realidade está consubstanciada nas relações comerciais com o Brasil e, mais especificamente, com o Rio Grande do Sul, cuja parceria com a China se pauta pela venda de commodities e pela compra de manufaturados.

Neste número da revista Panorama Internacional, portanto, abordaremos algumas questões que permeiam os dilemas da emergência chinesa e suas relações com o Brasil e o Rio Grande do Sul. Para tanto, são elencados artigos que versam sobre as recentes mudanças políticas na China, alguns aspectos de sua política externa, sua política de inovação tecnológica e a agricultura chinesa. Não pretendemos, porém, exaurir o debate sobre os temas escolhidos para essa edição e reconhecemos a relevância de outros tópicos que, por ventura, ficaram à margem da discussão. Ainda assim, acreditamos que a edição poderá contribuir para o debate sobre a ascensão chinesa, elucidando questões que, em linhas gerais, deslindam o comportamento estratégico de Pequim.

No texto de Tarson Núñes, observamos que, dada a hegemonia do Partido Comunista Chinês na política do País, é preciso olhar para o Estado para entendermos a dinâmica da economia chinesa. Dessa forma, nota-se uma tentativa de adaptação ao novo cenário internacional, após a crise de 2008, com o intuito de harmonizar as questões socioeconômicas à conjuntura. Assim, em suas resoluções oficiais, o governo chinês já afirmou seu compromisso em promover a transição de um modelo de crescimento baseado em exportações para um com ênfase no mercado interno, de modo a proporcionar bem-estar à nova classe média. Com esse fito, assevera-se a necessidade de melhorias nas relações de trabalho e na temática ambiental — abandonando a estratégia de fomentar o crescimento a qualquer custo — e se formaliza a ambição de qualificar tecnologicamente o País e aumentar a produtividade da economia.

Em seguida, na análise de Sérgio Leusin Jr., constatamos que a agricultura é outra área em que a China passa por importantes mudanças. Com efeito, embora o País tenha-se tornado um grande importador de alimentos, sua produção agrícola, principalmente de arroz, fumo, trigo, milho e soja, ainda é extensa. Todavia, como o êxodo rural ainda é um fenômeno social recorrente, o Governo tem procurado maneiras de elevar a produtividade agrícola de maneira ecologicamente sustentável, para frear o fluxo demográfico em direção aos centros urbanos. Ademais, Leusin Jr. destaca que os subsídios governamentais são um elemento crucial da agricultura chinesa, já que o Governo se compromete a comprar uma parcela da produção e estabelece preços mínimos, causando distorções no comércio mundial de alimentos — fato já notificado à Organização Mundial do Comércio (OMC) pelos Estados Unidos.

Posteriormente, no texto de Iván Tartaruga, são estudados os incentivos para o desenvolvimento tecnológico na China, que tem chamado a atenção dos estudiosos nos últimos anos. De fato, sobretudo desde 2008, os investimentos em pesquisa e desenvolvimento foram multiplicados, deixando a China só atrás dos EUA nesse aspecto. Tartaruga pondera que, apesar disso, o montante investido não garante, por si só, uma geração maior de inovações, embora os chineses tenham buscado conectar essas políticas com as suas necessidades socioeconômicas de três formas: (a) fomentando a inovação inclusiva, focada nos extratos de baixa renda; (b) organizando polos de inovação em algumas províncias; (c) priorizando tecnologias “limpas” ou “verdes”. Tartaruga ressalva que, ainda assim, a falta de um ambiente de negócios competitivo favorável às inovações pode atravancar o avanço chinês nessa área.

A análise de Robson Valdez, finalmente, trata das relações político-econômicas entre a China e o Brasil e entre aquela e o Rio Grande do Sul. Em sua visão, nosso país e nosso estado encontram-se em uma encruzilhada, na medida em que o relacionamento com a China não parece estar pautado por benefícios mútuos que colaborariam para o seu desenvolvimento. À já referida assimetria comercial, fruto da primarização da pauta exportadora brasileira, soma-se a voracidade chinesa pela aquisição de setores-chave das economias nacional e estadual. Em vez de promover o avanço do País, os investimentos chineses parecem estar atendendo exclusivamente os interesses de Pequim, em um contexto em que os governos brasileiro e gaúcho alçaram a estabilidade fiscal à condição de tema prioritário. Assim, para saldar obstáculos de curto prazo, abrem mão de mecanismos e instrumentos que fomentam o crescimento econômico e efetivam políticas públicas de longo prazo, comprometendo a soberania nacional.

O entrevistado desta edição é Carlos Aguiar de Medeiros, Doutor em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professor associado do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Medeiros atua, sobretudo, nos temas de desenvolvimento, desemprego, tecnologia, crescimento, industrialização, Estado, mercados, padrões monetários, balança de pagamentos e inserção internacional.

Boa leitura!

As eleições presidenciais dos EUA e seus múltiplos significados

As eleições presidenciais norte-americanas, ocorridas em novembro de 2016, constituíram o evento político mais aguardado do ano, seja por acadêmicos, seja por profissionais da imprensa ou público em geral. Isso não apenas porque o embate entre Hillary R. Clinton e Donald J. Trump suscitou diversas polêmicas ao longo da campanha, mas porque a sucessão presidencial nos Estados Unidos coloca em disputa propostas e projetos cujo alcance é global, em decorrência de sua força militar ímpar, sua pujança econômica e sua vasta extensão territorial e populacional.

Esta edição do Panorama Internacional, então, discorre sobre alguns dos principais aspectos que dizem respeito aos Estados Unidos e às suas eleições presidenciais, interpretadas à luz de fenômenos estruturais e conjunturais. Temas como a distribuição funcional da renda, a política monetária, a estrutura político-eleitoral e a reorientação estratégica norte-americana foram esmiuçados para que o eleitor possa se familiarizar com questões que pautam e são pautadas cotidianamente e que sinalizam os rumos que o País deve tomar nos próximos anos. Naturalmente, não se pretende, dessa forma, esgotar as discussões sobre os tópicos abordados, nem mesmo negligenciar as matérias que não foram tratadas pela edição, mas sim fornecer subsídio para a compreensão das tendências de política, economia e relações internacionais.

Após a leitura desta edição, espera-se que o leitor possa estar ciente dos principais dilemas pelos quais passam os Estados Unidos atualmente no que diz respeito aos seus objetivos estratégicos, à economia ou ao sistema político. Entende-se, aqui, que o País vem atravessando transformações estruturais nas últimas décadas, o que o coloca em uma situação de intensa polarização política e de aguçamento de conflitos sociais. Essa situação traduziu-se, em 2016, em uma campanha eleitoral distinta em relação às anteriores, na medida em que candidatos como Donald J. Trump e Bernie Sanders — não identificados com o establishment político — tiveram resultados imprevistos nas prévias partidárias.

É de nosso entendimento que as surpresas observadas durante as prévias refletem uma modificação que vem tomando corpo há décadas: a distribuição funcional da renda. No texto de Alessandro Miebach e Augusto P. de Bem, podemos observar que, a partir dos anos 80, a desigualdade social não somente cessou sua trajetória de queda, mas iniciou um processo de crescimento sistemático, o que é retratado pelo aumento do coeficiente de Gini.

À primeira vista, a concatenação entre o aumento das desigualdades sociais e o avanço de candidaturas não tradicionais pode soar nebulosa, e são recorrentes as análises sobre a questão que desconsideram esse aspecto, mas acreditamos que esses acontecimentos são inextricáveis. Isso porque há um sentimento crescente em vários estratos da sociedade norte-americana de que o sistema político do País está falido e que apenas serve para beneficiar a camada mais rica da população. Nesse contexto, essa frustração se desdobra em duas perspectivas diametralmente opostas: de um lado, defendem-se reformas profundas, taxação dos mais afortunados, incremento e fortalecimento de serviços públicos e proibição de doações empresarias de campanha; de outro, advogam-se leis mais rígidas para combater a criminalidade, restrições impassíveis à imigração e a revogação de medidas destinadas à promoção de minorias sociais, étnicas ou de gênero.

Na sequência, temos um ensaio de André Scherer sobre o recente e o possível futuro comportamento do Federal Reserve (Fed), responsável pela determinação da taxa de juros norte-americana. Conforme já indicado por Miebach e de Bem, a financeirização do sistema capitalista engendrou mudanças estruturais em economias de mercado, fazendo com que as decisões do Fed tenham desdobramentos universais. Nesse sentido, Scherer atenta que, embora o expansionismo monetário pós-crise já não seja a diretriz, tampouco se confirmam as expectativas de quem esperava um aumento súbito das taxas de juros. Ainda que, de fato, tenha ocorrido uma elevação de 0,25 ponto percentual no final de 2015, esperavam-se três outros aumentos para o ano subsequente, o que se provou equivocado, e já há quem fale em uma manutenção até o final deste ano. Segundo Scherer, essa frustração se deve, sobretudo, à constatação de que a recuperação da economia norte-americana tem sido lenta e que a geração de empregos nos últimos meses não parece estar ligada a uma retomada do investimento industrial.

Após a análise de temas econômicos, segue o estudo de Augusto N. de Oliveira sobre o sistema eleitoral norte-americano, que esclarece o modo de seleção dos presidentes nos EUA, bem como suas atribuições e seus deveres. Em seu texto, Oliveira evidencia as transformações político-eleitorais ocorridas nos Estados Unidos desde a primeira eleição presidencial, em 1788. De maneira geral, observa-se a ocorrência de dois fenômenos paralelos: à medida que o Presidente do País passa a assumir responsabilidades não previstas pela Constituição, transforma-se também o processo eleitoral, com a formação dos partidos políticos e as adaptações do Colégio Eleitoral. Atualmente, porém, o sistema tem sido alvo de críticas, na medida em que os legislativos estaduais têm a prerrogativa de definir os distritos legislativos e sempre o fazem de modo a beneficiar um partido específico. Da mesma forma, em vários estados são crescentes as medidas que visam à restrição ao voto por parte de minorias.

Finalmente, a temática de política externa é objeto de pesquisa de Bruno M. Jubran, que avalia a reorientação geopolítica dos Estados Unidos promovida pelo Governo Obama. Em meados de 2011, enquanto oficializava a retirada das tropas norte-americanas do Iraque, Obama anunciou a política do “pivô asiático”: diferentemente das últimas décadas, nas quais o Oriente Médio fora a prioridade estratégica dos EUA, a região da Ásia-Pacífico seria o foco da atuação internacional norte-americana. Esse projeto, divulgado em um artigo assinado por Hillary R. Clinton, sinalizava que os Estados Unidos expandiriam suas ações nessa região por meios militares, políticos e econômicos, tratando de integrar ainda mais os países dessa região à sua esfera de influência. Explicitamente, o Governo do País reconhecia, então, que sua política externa seria calcada na contenção da ascensão chinesa, de modo a assegurar a primazia norte-americana no século XXI.

A entrevistada desta edição é Cristina S. Pecequilo, doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), Professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas. Atua também como Pesquisadora Associada do Núcleo Brasileiro de Estratégia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Nerint-UFRGS) e do Grupo de Estudo Inserção Internacional Brasileira: Projeção Global e Regional da Universidade Federal do ABC (UFABC) e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), desenvolvendo pesquisas focadas na análise da política externa norte-americana.

Boa leitura!

O caráter multifacetado da dinâmica do petróleo

Após permanecer em alta por um ciclo de 10 anos, o preço do petróleo caiu bruscamente a partir de julho de 2014, em um movimento que reverteu os aumentos do ciclo anterior. Mesmo que, nos últimos meses, o valor da commodity tenha recuperado uma pequena parcela dessas perdas, ainda salta aos olhos a celeridade da queda, que não foi antecipada pelos principais analistas e agências especializadas. Imediatamente, então, aventou-se a hipótese de que o preço caiu em função da desaceleração da economia global (sobretudo a chinesa), que acarretou uma diminuição da demanda por petróleo em um contexto de crescimento de sua oferta (Gráfico 1). Essas informações, embora empiricamente verdadeiras, não dão conta da extensão do fenômeno, que se apresenta mais multifacetado, com origens que passam ao largo da lei da oferta e da procura.

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Quando se lê a respeito da dinâmica do preço do petróleo, é recorrente que se considerem somente a quantidade demandada pelos consumidores e o montante ofertado pelos produtores, bem como o nível dos estoques globais da commodity. Nesse sentido, toda vez que houvesse um desequilíbrio em um dos fatores em questão, haveria uma mudança na sinalização dos preços, de modo a reequilibrar o mercado. Ocorre, porém, que, historicamente, a trajetória do preço do petróleo não se coaduna plenamente com o comportamento de sua demanda, ao menos em termos de extensão. É preciso, portanto, ir além das explicações dos manuais para tentar compreender esse processo, uma vez que o petróleo é considerado um artigo de segurança nacional pela maior parte dos Estados, o que lhe confere um status destacado na economia global. Em nosso entendimento, portanto, a disputa geopolítica em torno da posse e da exploração das reservas petrolíferas é imprescindível para qualquer avaliação sobre o tema.[1]

O principal fator de transformação do mercado petrolífero nos últimos anos diz respeito ao crescimento da exploração dos recursos não convencionais, os quais ensejaram a recuperação da produção energética nos Estados Unidos (Gráfico 2) — que declinava há décadas — e o crescimento da exploração de petróleo no Canadá (Gráfico 3). Com o advento do folhelho[2] e das areias betuminosas, a parcela de petróleo importada pelos Estados Unidos diminuiu sobremaneira, sobretudo em relação aos países da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). Essa situação é extraordinária porque reverte um padrão de crescente dependência energética dos Estados Unidos, que vinha colocando a principal economia do mundo em uma posição de relativa sujeição à OPEP. À medida que avançava a demanda chinesa por recursos energéticos, recrudescia a sensação de que faltaria petróleo para os Estados Unidos em algum momento, o que naturalmente pressionava o preço e as especulações.

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A viabilidade dos recursos não convencionais somente se verificou após anos de alta do preço do petróleo, dado seu elevado break-even[3], assim como de um conjunto de inovações tecnológicas (fracking[4], avaliação geológica em 3-D e perfuração horizontal). Ao longo desse período, porém, eram crescentes os temores de que o mundo vinha se aproximando do “pico do petróleo” na medida em que o consumo dos emergentes não parava de se expandir, ao passo que várias reservas petrolíferas já se mostravam declinantes.  Em um contexto de financeirização das commodities, esses temores pressionavam o preço do petróleo, um recurso escasso que parecia próximo da extinção. Paradoxalmente, contudo, foi justamente esse cenário, em tese, pouco auspicioso, que possibilitou a exploração de petróleo e de gás natural em novas regiões na América do Norte, revertendo as expectativas dos analistas e formuladores de políticas.[5]

Como maiores desdobramentos da ascensão das fontes não convencionais, destaca-se, em primeiro lugar, o ressurgimento da indústria petrolífera norte-americana, que teve um crescimento de 74,42% em termos de volume total entre 2008 e 2014. Além disso, no mesmo período, vê-se uma redução de 36,71% nas importações globais de petróleo dos Estados Unidos. Terceiro, nota-se uma mudança qualitativa no perfil das importações de energia dos Estados Unidos: em 2008, os países da OPEP respondiam por 55,35% do montante total, ao passo que o Canadá era responsável por 19,99% desse valor. Em 2014, no entanto, os dois praticamente se equivaliam, uma vez que a fatia da OPEP representava 40,82% dessa soma, contra 39,32% do Canadá. Por fim, observa-se que o recrudescimento da produção petrolífera canadense nesse ínterim (algo em torno de 1 milhão de barris/dia) equivale ao aumento das compras de petróleo canadense pelos Estados Unidos (Gráfico 4).

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À luz do exposto, constata-se que a recente queda no preço do petróleo sucede a brusca redução da dependência energética dos Estados Unidos. Mais do que uma leve abundância de petróleo no mercado internacional e de uma retração no consumo, trata-se de uma transformação maior, uma vez que a maior potência global (principal consumidora e importadora de petróleo) parece em vias de amenizar um problema que tendia ao agravamento. Dada a relevância do petróleo, tanto em termos econômicos quanto militares, não é difícil entender por que a diminuição da necessidade de importação de energia da OPEP representa um alívio para o governo e para os consumidores norte-americanos. Naturalmente, em um contexto já favorável, o arrefecimento da demanda mundial também pode ter colaborado para a diminuição do preço, mas não explica, por si só, o fenômeno como um todo.

A segurança energética dos Estados Unidos, ademais, não diz respeito apenas à oferta de recursos energéticos à sua disposição, mas à garantia de que o fluxo de energia para seus aliados não seja interrompido. Nesse sentido, observa-se que o folhelho trouxe duas consequências que podem alterar o mercado energético europeu. Em primeiro lugar, a redução das importações norte-americanas de gás natural (sobretudo de países como a Argélia e a Nigéria) abre espaço para que a produção desses países seja consumida na Europa. Como essa região é altamente dependente da importação de energia russa, o surgimento de novos ofertantes diminuiria sua vulnerabilidade e enfraqueceria o poder da barganha da Rússia. Além disso, devido à recente abundância, o mercado de gás natural encontra-se saturado nos Estados Unidos, de modo que o governo norte-americano já autorizou sua exportação, o que também poderia diversificar as opções europeias.

No momento em que o preço do petróleo começou a desabar, surgiu a hipótese de que se tratava de uma manobra saudita para prejudicar o Irã e a Rússia, países política e energeticamente rivais, e para inviabilizar a produção dos recursos não convencionais, sobretudo nos Estados Unidos.[6] Essa perspectiva ganhou força, pois, à medida que o preço despencava, a Arábia Saudita não só não cortou sua produção, mas a elevou levemente, para estabilizá-la nos meses subsequentes. Dada a importância do swing producer[7], eram naturais as especulações sobre as reais intenções de Riade, ainda que nenhuma declaração oficial tenha sido feita nesse sentido. No entanto, por mais que essa explicação seja internamente coerente, é preciso traçar alguns pontos que sinalizam para uma questão complexa e multifacetada, na qual a Arábia Saudita não reuniria os meios de controlar o mercado petrolífero dessa forma.

Ao colocarmos em perspectiva a política energética saudita, observamos uma constante de cautela e de receio sobre alterações bruscas em relação ao petróleo. Nos anos 60 e 70, por exemplo, o País sempre agiu cuidadosamente quando seus vizinhos demandavam um embargo de petróleo aos apoiadores do Estado de Israel. Quando, na década de 80, em um contexto de baixa, os países da OPEP a pressionaram para cortar sua produção, a Arábia Saudita atendeu aos pedidos de seus colegas, mas teve suas expectativas frustradas, uma vez que seus cortes foram compensados por aumentos em regiões fora da OPEP, mantendo os preços em baixa e fazendo com que o País perdesse market share. Ademais, no início deste século, quando o petróleo em alta beneficiou o Irã e a Rússia, não se verificou um esforço por parte da Arábia Saudita para elevar sua produção e forçar uma nova baixa. Com efeito, a política saudita historicamente se mostra menos propositiva do que reativa, bem como menos ousada do que cautelosa.

De fato, a Arábia Saudita já explicitou seu interesse na manutenção do preço do petróleo em níveis módicos, no que contrasta com a maioria dos grandes produtores dessa commodity. Não obstante, por mais que Riade se aproveite de uma circunstância benéfica, seria uma extrapolação afirmarmos que há intencionalidade por trás desse processo. A Arábia Saudita é o único Estado que possui vastas reservas petrolíferas já confirmadas e ainda não exploradas, mas a queda do preço do petróleo não foi precedida por um anúncio de que Riade esteja disposta a ampliar significativamente a sua produção. Não foi a expansão da produção que antecipou a derrubada dos preços, mas o contrário: somente após o valor começar a cair, os sauditas aumentaram superficialmente a exploração de seu principal produto. Mais do que uma trama, trata-se de uma estratégia que visa a não repetição de erros passados e à transferência de custos para os seus rivais. Na visão dos sauditas, se há necessidade de cortes na produção para a estabilização dos preços, que ocorram em outros lugares.

Ainda é incerta a longevidade desse novo cenário, no qual os recursos não convencionais mitigam a vulnerabilidade energética dos Estados Unidos e da Europa e desgasta a margem política de grandes produtores como Arábia Saudita e Rússia. Em vista de seu elevado break-even, as fontes não convencionais já não se encontram em um contexto auspicioso, como atestam os cortes nos investimentos e a frustração na produção. Até agora, porém, não ocorreu um desaparecimento em massa de empresas que operam em campos de folhelho, o que sinaliza uma resiliência maior do que o imaginado. Ainda assim, a persistência de preços em baixa pode acarretar uma reversão da expansão dos últimos anos, acentuando, outra vez, a dependência energética dos Estados Unidos, reposicionando a geopolítica do petróleo em favor da Arábia Saudita.


[1]  Com a crescente financeirização dos recursos naturais, os movimentos geopolíticos e econômicos tendem a ser amplificados, o que pode afetar tanto a volatilidade quanto a tendência dos preços.

[2]  O termo folhelho vem do inglês shale oil/gas. Às vezes, confunde-se com xisto betuminoso, que, em inglês, traduz-se por oil shale. Apesar da proximidade dos termos na língua inglesa, trata-se de duas maneiras bastante distintas de exploração de recursos energéticos. Neste texto, optamos pela utilização do vocábulo folhelho por razões técnicas, apesar da usual preferência por xisto.

[3]  O break-even é o valor a partir do qual a produção de um campo de petróleo torna-se economicamente viável.

[4]  O fracking, ou fraturamento hidráulico em português, é uma técnica de bombeamento de fluidos (água, areia e químicos) em alta pressão para deixar reservas não convencionais em condições de produzir.

[5]  Serrano, porém, no texto A mudança na tendência do preço das commodities nos anos 2000: aspectos estruturais (2013), aponta para uma relação distinta: quando a demanda por petróleo começou a crescer, a OPEP não elevou sua produção na mesma proporção, e a nova produção que surgiu veio de regiões onde o custo de produção era mais alto, o que ensejou o aumento do patamar mínimo para essa atividade.

[6]  LEÃES, R. F. A queda do preço do petróleo: uma trama saudita? Carta de Conjuntura, Porto Alegre, v. 24, n. 4, 2015. Disponível em: . Acesso em: 22 jun. 2016.

[7]  O swing producer é o ofertante que, em um mercado oligopolizado, tem as melhores condições para controlar a oferta de um produto.