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Os desafios do RS na era dos emergentes

Luciano D’Andrea

Gerente de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs). Bacharel em Administração de Empresas pela Virginia Commonwealth University (VA), nos EUA, e Mestre em Estudos Estratégicos Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Em entrevista para o Panorama, Luciano D’Andrea analisa a dinâmica do cenário internacional, a inserção brasileira nesse mercado e as ações dos países dos BRICS, grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. O entrevistado desta edição também opina sobre a pauta exportadora gaúcha para mercados emergentes e sobre a atuação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Panorama: As últimas duas décadas têm sido marcadas por um intenso dinamismo geopolítico e econômico em âmbito global. Nesse sentido, vários são os centros de pesquisa, públicos e privados, que se dedicam a uma análise sistêmica do cenário internacional. Na esfera local, qual a importância dessas análises para o processo decisório de empresas e instituições governamentais?

As pesquisas e análises de dados político-econômicos sobre o cenário internacional são de fundamental importância para qualquer ator que deseja desenvolver uma estratégia global e/ou alguma forma de relacionamento com diferentes blocos econômicos ou países. Da mesma forma, estudos e a organização sistêmica de informações são considerados essenciais para um determinado país que queira, internamente, qualificar e preparar seus setores industrial e comercial para um cenário cada vez mais competitivo e globalizado. Uma das bases do processo decisório, tanto de entidades como de empresas, é o conhecimento, porém nem sempre a estrutura organizacional dos atores públicos ou privados permite que os mesmos realizem a coleta e a análise de dados estratégicos. Portanto, a diversificação de órgãos produtores de conhecimento e, principalmente, o compartilhamento dessa inteligência, de forma acessível e transparente, são indispensáveis para o desenvolvimento nacional ou regional, seja de forma coletiva ou individual. A partir do entendimento da conjuntura internacional, é possível definir objetivos, metas e áreas de atuação, bem como fundamentar o planejamento estratégico e a execução destes de forma mais segura e assertiva.

Panorama: Além do protagonismo internacional de atores tradicionais como Estados Unidos, Europa e Japão, países como Brasil, China, Rússia e Índia vêm alcançando projeção internacional em vários temas da agenda internacional. Como você avalia a recente inserção internacional do Brasil? Em que medida essa inserção pode se traduzir em oportunidades para o Rio Grande do Sul?

Desde meados dos anos 90, o Brasil vem expandindo suas relações bilaterais e multilaterais, acompanhando um processo global de abertura internacional e adensamento das relações externas impulsionado também pelo fim da Guerra Fria. Nos últimos 15 anos, houve uma mudança clara nos paradigmas da política externa brasileira, e o País vem promovendo esforços políticos no sentido de consolidar parcerias no âmbito da América Latina, Ásia e junto ao continente africano. Essa nova abordagem brasileira em relação ao sistema internacional aposta na estratégia do multilateralismo e na diversificação de mercados não tradicionais e promissores. De modo geral, a atual política externa trouxe consigo alguns benefícios, os quais se materializaram em exportações e importações de bens e serviços com esses mercados, além de novos projetos de investimentos. Sem dúvida, a China foi o país com o maior destaque, tornando-se o principal parceiro comercial do Brasil e do RS devido ao extraordinário crescimento desse mercado apresentado nas últimas décadas e pela fenomenal demanda desse país oriental por produtos de natureza comoditizada, como minério de ferro, soja, carnes, entre outros, produtos estes de grande oferta do nosso país. Por outro lado, as importações da China trouxeram grande preocupação à indústria nacional através da enxurrada de produtos chineses no mercado brasileiro, facilitados pela excessiva sobrevalorização do real na última década. O resumo desse novo cenário conclui que a China contribuiu fortemente para os saldos positivos da balança comercial do Brasil nos últimos anos, porém, por outro lado, ajudou a causar um déficit de mais de 100 bilhões na balança de produtos manufaturados no mesmo período, através das suas exportações de máquinas e equipamentos e bens de consumo intermediário e final. Nesse contexto paradoxal de ameaças e oportunidades, o Rio Grande do Sul foi um dos estados mais favorecidos pelo lado das vendas externas àquele país, pois se posicionou com a oferta de produtos cuja demanda chinesa é alta, especialmente exportações de soja, carnes e tabaco. Essas exportações também foram beneficiadas pelo alto preço dessas commodities no mercado internacional. Já o continente africano se tornou a primeira origem das importações gaúchas, devido às compras da Petrobrás (Refap) de combustível e derivados, especialmente oriundas da Nigéria, da Argélia, e de Angola. Em 2014, as importações da África representaram 23% do total comprado pelo Estado, somando US$ 3,52 bilhões. Portanto, a aproximação junto aos BRICS foi positiva, devido ao aproveitamento do maior crescimento relativo dessas economias, especialmente no período entre 2000 e 2008. Entretanto, ao passo que houve avanços junto às economias dos BRICS, percebe-se um relativo retrocesso e distanciamento do Brasil das economias desenvolvidas, como EUA e União Europeia, cujos mercados constituem a espinha dorsal da economia mundial, representando quase metade do PIB global. Neste exato momento, nota-se um esforço de recuperação dessas relações com esses mercados através de acordos bilaterais e de livre comércio e outras iniciativas apontadas no recente Plano Nacional de Exportações lançado pelo Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) no último dia 24 de junho.

Panorama: Em que pesem as contradições nas relações entre os membros do BRICS, o grupo vem se consolidando como um contraponto ao atual sistema internacional estabelecido no Pós Segunda Guerra Mundial (Organização das Nações Unidas, Organização Mundial do Comércio, Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional). De que forma você avalia o dinamismo desse processo que ainda está em curso?

Uma ação mais coesa dos BRICS depende de questões centrais em termos políticos, econômicos e de segurança. A posição dos países participantes do grupo em relação a esses assuntos é bastante divergente, graças aos interesses nacionais que seguem caminhos opostos, dificultando a consolidação política do grupo. No entanto, o aumento das trocas comerciais entre esses países tem ganhado cada vez mais representatividade no cenário internacional, podendo ser um vetor facilitador da cooperação. Ademais, a criação do Banco de Desenvolvimento dos BRICS, de certa forma, vai ao encontro da estratégia desses países de diminuir a dependência de fundos e bancos internacionais coordenados pelos países desenvolvidos. Por mais que não haja uma agenda estabelecida dos BRICS como um bloco — ainda que as agendas bilaterais venham se fortalecendo — o fato de países com tamanha representatividade na economia mundial estarem reunidos e dispostos a debater pautas conjuntas é um importante passo em direção à consolidação e ao fortalecimento dos mesmos através de ações efetivas de incremento econômico.

Panorama: Em 2014, os demais países dos BRICS representaram algo em torno de 27% do total das exportações gaúchas. Em sua opinião, como os exportadores gaúchos e o Governo do Estado podem defender seus interesses no âmbito das negociações dos BRICS?

Voltando à questão da importância de análises do cenário internacional, é necessário que o Governo e os empresários busquem entender as potencialidades que o mercado dos BRICS tem a oferecer ao Estado. Estudos de inteligência comercial e estratégica podem embasar a abordagem das empresas em relação aos BRICS. E o Governo, tendo entendimento da realidade regional e do bloco, pode montar uma abordagem para a defesa de interesses em consonância com as potencialidades do setor privado, ou seja, a agricultura, indústria e serviços.

Panorama: A soja é o principal produto da pauta exportadora do Rio Grande do Sul, sendo China, Coreia do Sul, Vietnã, Índia e Tailândia os principais compradores da commodity gaúcha. Além da soja, tabaco, carnes (aves), arroz, couro e máquinas agrícolas têm como destino países emergentes da África, Ásia e América Latina. Como você compreende a dinâmica econômica dessas regiões do planeta sobre o setor exportador do RS? O que o setor privado e o governo local podem fazer para aumentar o volume das exportações gaúchas para esses destinos?

De fato, o Rio Grande do Sul atende de forma majoritária esses mercados emergentes no âmbito Sul-Sul com sua pauta tradicional de produtos pertencentes ao complexo soja, carnes e tabaco. Entretanto não há dúvida que existem inúmeras oportunidades de exportações para outros produtos e segmentos gaúchos a esses países. Para um maior dinamismo na pauta exportadora, é preciso diversificar a oferta através da ampliação do conhecimento frente às rápidas transformações que vêm ocorrendo nos hábitos de consumo e das necessidades de importação desses mercados. A China, por exemplo, após anos demandando produtos básicos como alimentos, minério de ferro e petróleo, passa agora não só a requerer quantidades maiores de bens de consumo como também necessita abastecer, com produtos de alto valor agregado, consumidores cada vez mais exigentes e com um poder aquisitivo maior. Nesse sentido, para aproveitar esse movimento de crescimento do mercado consumidor não só da China como também de países em franca ascensão naquela região, como Vietnã, Malásia e Tailândia, é imprescindível que o setor exportador gaúcho seja competitivo e conheça o mercado e as tendências dos seus respectivos segmentos. A criação de zonas francas comerciais na China, por exemplo, demonstra a implementação de reformas econômicas e financeiras recentes com o objetivo de incentivar o consumo interno de produtos importados. Esse caso chinês abre novas possibilidades para produtos de maior valor agregado brasileiro, como alimentos premium, por exemplo. No caso da América Latina, mercado estratégico para as exportações de produtos manufaturados brasileiros e gaúchos, a região precisa se revitalizar e aprimorar os mecanismos de pagamentos e criar meios efetivos de integração das cadeias produtivas de valor, focando a especialização produtiva. Não obstante, essa região requer investimentos em infraestrutura e logística para reduzir os custos operacionais do comércio exterior a fim de se equiparar ao grau de competitividade com terceiros mercados concorrentes, especialmente o asiático. As instabilidades econômicas e políticas e as recorrentes crises também são gargalos a serem enfrentados por empresas e governos.

Panorama: No século XXI, a África tem-se destacado por sua elevada taxa de crescimento econômico, que contrasta com o baixo dinamismo do continente nas décadas anteriores. Como muitos desses países vêm se desenvolvendo à base da produção agrícola, quais são os meios para o RS aproveitar o ensejo e expandir o comércio de máquinas agrícolas na África?

A exportação de máquinas agrícolas para a África representa um nicho interessante para as empresas gaúchas. Segundo dados do MDIC de 2015, 42% do total exportado pelo Brasil para o continente africano é de produtos manufaturados, e o nível de intensidade tecnológica aplicada a esses produtos apresenta crescimento nos últimos três anos. O Rio Grande do Sul pode-se beneficiar das peculiaridades do desenvolvimento agrícola africano, trabalhando na adaptação e no desenvolvimento de equipamentos que possam atender com maior otimização às necessidades do mercado. Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de 2014, a agricultura africana pode e deve ser impulsionada através de soluções integradas que envolvam a indústria, o meio rural e o setor de serviços. Outra frente muito importante com vistas à expansão das exportações desse setor envolve linhas de crédito de exportação oferecidas pelo Governo por meio do Banco do Brasil, voltadas principalmente para países africanos com o financiamento de máquinas e equipamentos agrícolas produzidos no Brasil. Logo, a larga experiência do governo e do empresariado gaúcho no setor agrícola, aliada à concessão de linhas de crédito, pode servir como diferencial competitivo na atuação frente o mercado africano.

Panorama: Em todos os países que foram exitosos ao fomentar suas exportações, como Estados Unidos, Japão, Alemanha e China, observou-se a presença de um banco especializado para internacionalizar as empresas nacionais, de forma a dinamizar seus investimentos e suas vendas. Em que medida o BNDES contribui para a integração das empresas brasileiras no mercado mundial?

A presença de um banco de fomento ao comércio exterior é um mecanismo fundamental para alavancar as exportações e o investimento brasileiro em outros países. A atuação do BNDES no comércio internacional engloba tanto a concessão de crédito para a produção de bens e serviços destinados à exportação como também a comercialização dos produtos e serviços nacionais no exterior, oferecendo prazos, juros e condições de pagamento de acordo com o tamanho da empresa. O BNDES também atua no apoio a projetos no exterior, financiando não só a aquisição de bens de capital como também o capital de giro das empresas. Essas medidas facilitam a abertura de mercados, a inserção de empresas brasileiras nas cadeias globais de valor e a ampliação do fluxo de comércio brasileiro. Cabe ressaltar que é sempre importante estar atualizado com as demais políticas financeiras ofertadas pelos bancos de promoção das exportações de outros países, como EUA e Alemanha, por exemplo, no sentido de ajustar a gestão de recursos de fomento nacional à altura da concorrência, aliada às necessidades reais das empresas e aos seus respectivos perfis exportadores.

Os países em desenvolvimento no radar comercial do RS: o caso das máquinas agrícolas

Ao se projetar a inserção econômica do Rio Grande do Sul, tende-se a destacar os principais destinos de exportação — Argentina, China e Estados Unidos, não necessariamente nessa ordem — e os principais itens exportados: complexo da soja, carnes (sobretudo suínos e frangos), químicos e tabaco. Ainda que seja desejável ampliar ou manter os fluxos econômicos do Estado para esses países e nesses setores, convém explorar as oportunidades oferecidas pelos mercados com considerável potencial de crescimento econômico para as próximas décadas. Trata-se dos países em desenvolvimento ou emergentes, sobretudo os localizados no sul da Ásia e na África Subsaariana.

Na atualidade, os países emergentes já compõem a maioria dos destinos, em termos de valor, das exportações gaúchas, seguindo a tendência do próprio Brasil, conforme se observa no Gráfico 1. Em 2014, segundo dados divulgados pela Fundação de Economia e Estatística (FEE), somando-se os quatro parceiros do Brasil nos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) com os países latino-americanos, obtém-se mais da metade de todas as exportações do Estado (as proporções são, respectivamente, 27,2% e 23,8%). Ao se acrescentarem outros países emergentes da África, da Ásia e do Oriente Médio, essa proporção certamente se amplia. Os países do núcleo desenvolvido — América do Norte (9,2%), Europa (16,8%) e Japão (1,22%) — permanecem relevantes, mas sua proporção reduziu-se nas últimas duas décadas.

Participação de países e grupos de países nas exportações gaúchas — 2003-14

É complicado caracterizar o comércio com os países emergentes de forma geral, uma vez que há diferenças em cada região geográfica analisada. Enquanto o comércio com os países do leste da Ásia (China, Coreia do Sul, Índia e Vietnã) tem apresentado uma pauta amplamente dominada pela soja e por seus derivados, no que tange à África e aos países vizinhos do Brasil, as exportações são mais diversificadas. No comércio com a Argentina, por exemplo, apesar das flutuações e das restrições recentes, destacam-se itens de médio e alto valor agregado, como máquinas agrícolas, automóveis, insumos industriais e produtos químicos. Com os países africanos e do Oriente Médio, destacam-se, além da soja, produtos de outros setores, como o caso de carnes em geral para Angola (cerca de US$ 108 milhões em 2014, ou quase 54% do total exportado para esse país), tabaco para Indonésia (47% da pauta para o País), e arroz para Cuba (45% da pauta), de acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC).

A análise do período recente, no entanto, não deve obscurecer o enorme potencial de intensificação da corrente comercial para parte considerável dos países emergentes. As expectativas de ampliação das fronteiras agrícolas na América Latina e na África, por exemplo, colocam, simultaneamente, oportunidades e desafios para a inserção do Rio Grande do Sul na economia global. Ao mesmo tempo em que os países latino-americanos e africanos competem diretamente na produção e na exportação, como na de soja e milho, a ampliação das atividades agrícolas nessas regiões pode ir ao encontro dos interesses do setor de máquinas e equipamentos do Estado, logrando, oportunamente, a assinatura de negócios significativos com alguns países daquela região. Essa questão é particularmente importante em um contexto de reprimarização da pauta exportadora observada no período recente.

Atualmente, os países africanos e latino-americanos compram 92% das exportações gaúchas de máquinas agrícolas, conforme pode ser observado no Gráfico 2. Esse dado torna-se ainda mais significativo quando se tem em mente que esse índice atingia 72% em 2005. Esse processo acompanha um movimento geral da política comercial brasileira na última década, que enfatizou a inserção econômica em mercados emergentes. No tocante às máquinas agrícolas, essa estratégia permite que o Rio Grande do Sul tenha demanda para os setores industriais que têm enfrentado muitos obstáculos para competir no mercado externo. Isso porque, por excelência, as economias da América Latina e da África, salvo poucas exceções, são marcadas pelo predomínio do setor agrícola, viabilizando a retomada da indústria na pauta de exportações gaúchas.

Composição do valor total das exportações de máquinas agrícolas do Rio Grande do Sul — 2003-14

Na África, Etiópia, Chade, Moçambique e Ruanda estão entre os 10 países que mais cresceram economicamente no século XXI. Esses, diferentemente de Angola e Nigéria, não são ricos em recursos minerais e avançaram em função de seu desenvolvimento agrícola. Dado seu estágio inicial de desenvolvimento, esses países carecem de máquinas para a expansão de sua produção agrícola, o que abre espaço para a economia gaúcha. De fato, em 2013, o Governo brasileiro assinou um acordo para financiar exportações de equipamentos agrícolas para a África através do Programa de Financiamento às Exportações (Proex). Essa medida insere-se no Programa Mais Alimentos Internacional, cujo intuito é fomentar o desenvolvimento da agricultura africana. Por fim, a linha de crédito que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) oferece para as exportações de produtos não agrícolas também pode ser aproveitada pela indústria gaúcha interessada em exportar para a África.

Ademais, entre os latino-americanos, realçamos Bolívia e Paraguai, cujo Produto Interno Bruto (PIB) vem expandindo-se a passos largos, com base, respectivamente, na ampliação da agricultura familiar e no progresso da cultura da soja. Esse fenômeno já é sentido pela indústria gaúcha, que tem vendido cada vez mais para produtores bolivianos e paraguaios. Neste último caso, frisa-se que a grande presença de brasileiros (muitos dos quais nascidos no Rio Grande do Sul) radicados no Paraguai possibilita o fortalecimento de laços entre a produção rural do País e o setor gaúcho de máquinas agrícolas. Além disso, também é digno de nota o aumento das exportações para a Venezuela, a despeito da aguda crise econômica que assola o País, movimento que muito provavelmente está relacionado ao ingresso de Caracas no Mercado Comum do Sul (Mercosul), uma demanda antiga de grupos industriais brasileiros. Uma exceção a essa regra é representada pela Argentina, cuja política comercial protecionista, intensificada a partir de 2009, provocou redução de pouco mais da metade das vendas entre 2007 e 2013.

A promoção econômica e comercial no plano externo, diferentemente do caso das relações políticas e diplomáticas, não é atribuição exclusiva da esfera federal. Estados e municípios podem – e devem – promover, no estrangeiro, os setores econômicos locais. De fato, na prática internacional, tem sido observada uma intensificação das atividades externas de autoridades subnacionais na economia global, funcionando, na maior parte das vezes, como um complemento aos esforços dos respectivos corpos diplomáticos oficiais, ou como elos entre os últimos e a comunidade empresarial. A construção de laços econômicos do Rio Grande do Sul com países e regiões que historicamente tiveram participação bastante limitada no radar comercial serve aos interesses da sociedade gaúcha e reforça a política externa brasileira voltada à diversificação de parcerias.

A relevância dos BRICS para o Rio Grande do Sul

Entender e acompanhar sistematicamente a dinâmica das relações entre Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (BRICS), assim como a inserção internacional desses países, é importante não somente para a Presidência da República e para o Ministério das Relações Exteriores (MRE) do Brasil. Dadas as relações entre esses mercados e a pauta exportadora do Rio Grande do Sul, compreender os BRICS deve ser, também, tarefa do Governo do Estado do Rio Grande do Sul.

O acrônimo BRIC foi originalmente cunhado, em 2001, pelo economista inglês Jim O’Neill do Banco Goldman Sachs no estudo Building Better Global Economics, em que apontava a influência das economias emergentes de Brasil, Rússia, Índia e China sobre o futuro do conjunto da economia global. Na medida em que se confirmavam as projeções sobre os BRICS, outro estudo da mesma instituição financeira, BRIC’s and Beyond, passou a fazer prognósticos econômicos para um grupo de 11 países, que ficou conhecido como o Next Eleven (Bangladesh, Coreia do Sul, Egito, Filipinas, Indonésia, Irã, México, Nigéria, Paquistão, Turquia e Vietnã).

Ainda que esse enfoque econômico sobre os BRICS siga repercutindo entre os analistas do mercado financeiro internacional, há de se destacar que essa é uma abordagem do mercado em relação a esse grupo de países.

Assim, acredita-se que para melhor compreender o papel e a influência da ação conjunta desses países na cena internacional, de forma mais abrangente, é aconselhável analisar esse grupo de geometria variável a partir do ponto de vista de seus próprios membros.

No campo político e diplomático, em que pesem suas divergências e contradições, os BRICS capitalizaram a expectativa internacional em torno de suas economias para dar início a projetos de articulação política e econômica, assim como a programas de cooperação em áreas sensíveis a esses países: educação, desenvolvimento econômico, energia, segurança alimentar, meio-ambiente, defesa, etc.

A partir da perspectiva da Economia Política Internacional, encontram-se, então, razões que explicam, por exemplo, a participação da África do Sul no bloco de economias emergentes. Embora não tenha o peso econômico dos demais parceiros, a liderança e influência da África do Sul no continente africano e seu peso regional nos diversos fóruns mundiais dariam ao então BRIC legitimidade às demandas e propostas do bloco nos mais variados temas da agenda internacional.

Nesse sentido, tornam-se mais evidentes as razões que levaram os demais parceiros a incluir o país africano ao grupo durante a terceira reunião de cúpula do bloco em 2011. A adição do “S” ao acrônimo BRIC mostra, então, que há uma clara distinção entre a conotação dada por Jim O’Neil no início dos anos 2000 e o sentido que os membros dos BRICS dão ao bloco.

Desde sua primeira reunião de ministros das Relações Exteriores, na Rússia, em 2008, seis Cúpulas Anuais de Chefes de Estado já ocorreram. Em 2014, os BRICS reuniram-se em Fortaleza, no Brasil. Neste ano, o sétimo encontro deu-se no dia 9 de julho em Ufá, na Rússia.

O fato concreto sobre os BRICS diz respeito ao alcance de sua inserção econômica e política nos mais variados temas da agenda internacional. O peso geopolítico de cada um desses países em suas respectivas áreas de influência ao redor do globo, assim como suas ações conjuntas, coloca os BRICS como contraponto ao atual sistema de articulação internacional estabelecido no pós Segunda Guerra Mundial — Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI) e Organização das Nações Unidas (ONU).

No ano passado, os seis países anunciaram a criação do Banco de Fomento do BRICS com capital inicial de US$ 50 bilhões, que poderá chegar a US$ 100 bilhões. O Banco do BRICS prevê a criação de linhas de crédito para financiamento de projetos de infraestrutura, bem como um fundo para socorrer os países-membros em caso de turbulências financeiras internacionais. Assim, na medida que os BRICS se consolidam como uma realidade na qual o Brasil é um dos protagonistas, cabe à sociedade como um todo, especialmente a gaúcha, compreender toda essa dinâmica.

A característica marcante dos BRICS para o Rio Grande do Sul é o fato de possuírem relevantes mercados internos para os produtos da pauta exportadora gaúcha. Nesse sentido, o Estado do Rio Grande do Sul precisa antecipar-se aos fatos e planejar a melhor forma de incremento da relação das empresas gaúchas com esses mercados. Ainda que parte considerável da pauta exportadora seja de produtos primários, os esforços de cooperação entre os BRICS podem gerar oportunidades aos exportadores de produtos com maior valor agregado que já constam na pauta de exportação do Estado, como calçados, máquinas agrícolas e ferramentas.

As exportações gaúchas responderam por 18,2% (aprox. US$ 18,7 bilhões) do Produto Interno Bruto (PIB) do Rio Grande do Sul em 2014. Desse total, os parceiros dos BRICS representaram 27,23% do mercado para as empresas do Estado (aprox. US$ 5,1 bilhões). A taxa de crescimento médio das exportações para esses países, nos últimos 14 anos, foi de 20,2%, conforme a tabela.

Os BRICS como mercado para as exportações do Rio Grande do Sul (RS) — 2001-14

PAÍSES DOS BRICS MÉDIA ANUAL DA TAXA DE CRESCIMENTO DAS EXPORTAÇÕES2001-14 (%) 2001 2014
Valor(US$ milhões) Composição das Exportações para os BRICS (%) Participação no Total das Exportações do RS Valor(US$ milhões) Composição das Exportações para os BRICS (%) Participação no Total das Exportações do RS
Rússia 26,7 86.9 14,9 1,4 353.3 6,9 1,9
Índia 16,9 58.2 10,0 0,9 154.8 3,0 0,8
China 25,4 370.9 63,8 5,8 4.455.0 87,5 23,8
África do Sul 8,1 65.6 11,3 1,0 127.1 2,5 0,7
Total 20,2 581.6 100,0 9,2 5.090.1 100,0 27,2

FONTE DOS DADOS BRUTOS: BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Sistema de Análise das Informações de Comércio Exterior ― ALICE-Web. 2015. Disponível em: <http://aliceweb.mdic.gov.br/>. Acesso em: 22 jul. 2015.

Ao se analisar a participação de cada um dos países como mercado para as exportações do Estado, tem-se: China (87,52%), Rússia (6,94%), Índia (3,04%) e África do Sul (2,5%). De acordo com os dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), em 2014, aproximadamente 300 empresas do Estado exportaram para China, 200 para a África do Sul, 130 para a Índia e 100 empresas exportaram para Rússia, conforme o quadro.

Destino e valor das exportações das principais empresas exportadoras do Rio Grande do Sul para os BRICS — 2014
DESTINO DAS EXPORTAÇÕES VALOR DAS EXPORTAÇÕES EMPRESAS ATIVIDADADE PRINCIPAL
Rússia Acima de US$ 50 milhões Philip Morris Brasil Tabaco
Rússia Entre US$ 10 e 50 milhões Universal Leaf Tabacos Ltda. Tabaco
Alibem Comercial de Alimentos Ltda. Suínos
Índia Acima de US$ 50 milhões Petrobras Petróleo
Bunge alimentos S/A Alimentos
Índia Entre US$ 10 e 50 milhões Bianchini S/A Soja
China Acima de US$ 50 milhões Bunge Alimentos S/A Alimentos
Noble Brasil Grãos e oleagenosas
Vale S/A Minérios
China Entre US$ 10 e 50 milhões Souza Cruz S/A Tabaco
BRF S/A Alimentos
Epcos do Brasil Ltda. Material elétrico e eletrônico
África do Sul Acima de US$ 50 milhões Scania Latin America Ltda. Caminhões
África do Sul Entre US$ 10 e 50 milhões Souza Cruz S/A Tabaco
Dana Indústrias Ltda. Suspensão e eixos automotivos
FONTE DOS DADOS BRUTOS: BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Secretaria de Comércio Exterior (Secex). Empresas exportadoras por países e unidades da federação: Rio Grande do Sul 2014. 2015. Disponível em: <http://www.mdic.gov.br//sitio/interna/interna.php?area=5&menu=1444&refr=603>. Acesso em: 15 jul. 2015.

Por tudo isso, reforça-se a necessidade de o Governo Estadual defender, de forma institucional, os interesses dos empresários gaúchos (da indústria ao agronegócio) no processo de formulação da política de inserção comercial do Brasil no mundo. No caso dos BRICS, a defesa dos interesses do Estado demanda uma visão estratégica e sistêmica das relações políticas e econômicas no interior dos BRICS e das parcerias que esses países estabelecem com o resto do mundo.

O papel das exportações na determinação da renda no RS

Os economistas usualmente tomam a propensão a importar como um parâmetro universal, independente da categoria de demanda final. Não obstante, essa hipótese simplificadora não se sustenta empiricamente. No caso da economia gaúcha, assim como no da brasileira, a propensão a importar, do investimento em capital fixo, é mais elevada do que a propensão a importar, das exportações, na exata medida em que o investimento tende a se associar à inovação e, muitas vezes, a firma inversora não encontra, no mercado local, um fornecedor de equipamento efetivamente equivalente ao modelo que almejamos incorporar à planta. Nesse caso, a importação é impositiva. De outro lado, são raros os casos de importação apenas para reexportar, sem que haja qualquer agregação de valor ao longo do processo produtivo interno.

Como os bens exportados estão baseados em vantagens relativas e/ou absolutas, que apresentam alguma estabilidade no plano da divisão internacional do trabalho, estruturam-se cadeias produtivas em torno deles, que se desdobram em sistemas de grande integração interna e baixo vazamento para o exterior. Nos termos de nossa discussão, isso significa dizer que, dada a estrutura produtiva da economia gaúcha, para exportar, importa-se pouco, seja em termos imediatos (o próprio bem exportado), seja em termos mediatos (os insumos necessários à produção do bem que será exportado).

Esses fatos são evidenciados mesmo em uma análise relativamente superficial da Matriz de Insumo-Produto do Rio Grande do Sul (MIP-RS) de 2008, que apresenta as origens dos recursos e os destinos da produção estadual.[1] De acordo com a Fundação de Economia e Estatística (FEE), o valor das exportações (X) para outros países e o da Formação Bruta de Capital Fixo (FBKF) foram muito próximos no ano de 2008: pouco mais de R$ 36 e 34 bilhões respectivamente. Não obstante, as importações diretamente associadas à FBKF quase totalizaram R$ 12 bilhões (mais de um terço do total), enquanto as importações para exportação não passaram de R$ 17 milhões.

Imaginemos uma elevação de demanda final da ordem de R$ 1 bilhão na economia gaúcha, ainda que essa elevação se dê ou na FBKF ou em exportações para o exterior, e que ela se distribua proporcionalmente à estrutura dessas duas categorias de demanda em 2008. Tal como podemos observar na tabela, os multiplicadores da MIP-RS para o Valor Bruto da Produção (VBP), Valor Adicionado Bruto (VAB), salário e emprego dessas duas categorias de demanda são muito distintos, sendo sempre superiores para as exportações do que para a FBKF.

Comparação do impacto da variação autônoma de R$ 1 bilhão na demanda

DEMANDA

EXPORTAÇÕES

FBKF

Valor Bruto da Produção (R$) 1.644,83    928,83
Valor Adicionado Bruto (R$)    559,10   438,25
Rendimento do trabalho (R$)    202,99    154,04
Rendimento misto (R$)   104,19     97,59
Excedente (R$)    242,38   181,63
Emprego (unidades)     26.968   18.755
Importação Direta (R$)      17,07   343,72
Importação Consumo Intermediário (R$)    399,03   209,99

FONTE DOS DADOS BRUTOS: SÁ, R. de (Org.). Matriz de Insumo-Produto do Rio Grande do Sul: 2008. Porto Alegre: FEE, 2014. Disponível em:      < http://www.fee.rs.gov.br/indicadores/matriz-insumo-produto-rs-miprs/mip-rs-2008/>.  Acesso em: maio 2015.

Os vazamentos na FBKF, ou seja, a parte do impulso inicial de demanda que acaba sendo direcionada para importações, são tão elevados que sequer podemos falar com rigor em multiplicação do valor investido: mesmo levando em consideração os impactos indiretos da demanda de investimento, o VBP crescerá abaixo da variação de demanda inicial. Diferentemente, a demanda por exportações é multiplicada por 1,644, ou seja, ao impulso inicial da demanda segue-se o aumento da produção dos vários segmentos do agronegócio, da indústria e dos serviços integrados à produção para a exportação.

Como as cadeias exportadoras são mais empregadoras e relativamente mais democráticas no plano distributivo, fazendo-se presentes em praticamente todas as regiões do Estado, elas geram uma ampliação de renda e de emprego significativamente maior, e isso que nem computamos o chamado “efeito-renda”. Esse efeito é aquele que advém do aumento da demanda de bens de consumo derivada da expansão da renda — salários, rendimentos mistos (tais como dos agricultores familiares, microempresários, etc.) e lucros empresariais — apropriada pelos agentes econômicos em função da expansão da demanda autônoma inicial. Tal como observamos na tabela, o impacto de X é maior que o impacto de FBKF também nesses componentes, o que nos leva mais uma vez a mesma conclusão: no Rio Grande do Sul, as exportações são o componente de demanda autônoma com maior potencial para a dinamização da renda e do emprego. No curto e no médio prazo, parece claro que a estratégia de maior eficácia para a mobilização da economia do Estado é o apoio ao crescimento e à modernização de suas exportações.

[1] FONTE DOS DADOS BRUTOS: SÁ, R. de (Org.). Matriz de Insumo-Produto do Rio Grande do Sul: 2008. Porto Alegre: FEE, 2014. Disponível em: <http://www.fee.rs.gov.br/indicadores/matriz-insumo-produto-rs-miprs/mip-rs-2008/>. Acesso em: maio 2015.