Texto sob autoria de: Iracema Castelo Branco

Um primeiro olhar sobre a reforma trabalhista e seus impactos econômicos

A reforma trabalhista aprovada em 2017 ainda suscita dúvidas em relação a seus impactos sobre a sociedade brasileira. Os efeitos dessa mudança no marco institucional das relações trabalhistas do Brasil ainda são incipientes, e persiste certa insegurança jurídica quanto à aplicação efetiva da nova legislação. Algum tempo deverá passar para que diversos pontos sejam pacificados no marco jurídico do País. Por conseguinte, os impactos da reforma sobre o mercado de trabalho ainda não são claros. O presente texto objetiva indicar alguns dos possíveis efeitos dessa reforma sobre a economia e o comportamento do mercado de trabalho. Para tanto, são indicadas algumas tendências, as quais estão sujeitas a reavaliações, à medida que o mercado de trabalho brasileiro vá internalizando esse novo arranjo normativo.

A Lei 13.467/17 foi aprovada em julho de 2017 sem um amplo debate e sem esclarecimento à população. A legislação trabalhista brasileira já passou por várias mudanças desde a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 01.05.43, mas esta em análise é a maior transformação desse marco institucional desde então. O conjunto com mais de 100 alterações na legislação em vigor pode ser categorizado nos seguintes grupos: (a) novas formas de contratação mais flexíveis (ou mais precárias, quando comparadas com as condições anteriores à reforma), como, por exemplo, o trabalho intermitente, que contempla um contrato de trabalho com jornada descontínua; (b) flexibilização da jornada de trabalho, com ampliação dos bancos de horas e extensão da jornada de 12 por 36 horas para todos os setores de atividade; (c) rebaixamento de remuneração, com a introdução da possibilidade de pagamento por produtividade ou por hora de trabalho (implicando a possibilidade de a remuneração mensal auferida pelo trabalhador ser inferior ao salário mínimo); (d) alterações de normas de saúde e segurança no trabalho; (e) alterações na representatividade sindical; e (f) limitação de acesso à Justiça do Trabalho.

Em linhas gerais, os grupos (a), (b) e (c) têm por objetivo atender às necessidades empresariais de alocação da força de trabalho de acordo com as oscilações da demanda no curto prazo, ou seja, atuam no sentido de reduzir o custo da mão de obra, o que implica redução de direitos e da remuneração do trabalhador. Tais reduções poderão ocorrer sob a forma de regimes de contratação flexíveis, nos quais o número de horas trabalhadas se reduz (com possível intensificação do ritmo de trabalho), por meio de jornadas de trabalho mais longas ou via remunerações baseadas em produtividade.

O grupo (d) permite redução dos custos indiretos e modificações no ritmo e na intensidade do trabalho. Os grupos (e) e (f) atuam de forma a reduzir qualquer resistência à reforma trabalhista, ao fragilizar a organização sindical e restringir a abrangência de ação da Justiça do Trabalho. A fragilização da representação sindical tem o potencial de reduzir o poder de barganha dos trabalhadores quando das negociações coletivas.

Os principais argumentos utilizados para defender a reforma trabalhista brasileira situam-se na percepção de que a legislação apresentava uma rigidez incompatível com a dinâmica da economia e do próprio mercado de trabalho no início do século XXI, ou seja, a legislação trabalhista é compreendida como um empecilho ao crescimento do emprego e ao próprio crescimento econômico, ao mesmo tempo em que induz à existência de desigualdades na estrutura da força de trabalho, especialmente as associadas à distinção entre o trabalho formal e o informal. Já os argumentos contrários às mudanças na CLT situam-se na percepção de que a flexibilização, nos termos propostos pela legislação aprovada, impõem redução de direitos aos trabalhadores, refletindo-se em piores condições de trabalho, maior grau de subordinação aos empregadores e pressão no sentido da redução dos salários. Nessa perspectiva, a desigualdade entre o mercado de trabalho formal e o informal resulta do não cumprimento da lei por parte dos empregadores.

Do ponto de vista econômico, cabe destacar a existência de distintas compreensões teóricas sobre o papel dos salários na economia. Por um lado, a defesa da maior flexibilidade da legislação trabalhista situa-se na ênfase do papel dos salários como custo para a atividade produtiva. Dessa forma, sua redução, implícita na reforma, seria benéfica ao processo econômico, na medida em que permitiria um maior nível de atividade econômica. A redução de custos com os salários permitiria, sob essa perspectiva, melhores condições de competitividade, possibilitando maior market share para as empresas, ou seja, a simples redução do custo do trabalho estimularia a contratação de mais trabalhadores, independentemente das demais condições econômicas, e isso se converteria em maior nível de atividade econômica e emprego. Sob esse prisma, supõe-se que não existam restrições à demanda que possam impactar o nível de atividade econômica.

Por outro lado, os argumentos contrários à reforma, para além das condições de bem-estar dos trabalhadores e dos custos sociais, reconhecem a assimetria das relações entre capital e trabalho e enfatizam o papel dos salários na demanda por bens e serviços. Nesse sentido, reduzir salários implicaria menor consumo por parte dos trabalhadores, reduzindo a demanda agregada, o que teria implicações negativas sobre o investimento e, por extensão, sobre o crescimento econômico e o nível de emprego.

De fato, essa é uma faceta do debate que divide a Ciência Econômica desde a sua origem, com períodos de avanços e retrocessos entre os consensos teóricos criados ao longo do tempo. A própria criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919, com sua representação tripartite, buscou pacificar os conflitos entre capital e trabalho, por meio de acordos internacionais e incentivos à regulamentação do mercado de trabalho. As evidências recentes de mercados laborais desregulados, como os casos da Espanha, da Irlanda e do México, não indicam que a maior flexibilidade do trabalho implica sustentação de elevados níveis de emprego.1 Por outro lado, estudos realizados pela OIT utilizando dados de mais de 100 países indicam que não há significância estatística na relação entre a rigidez da legislação trabalhista e o nível de emprego.2 O fato é que os processos econômicos são complexos, e o crescimento econômico deriva das interações entre diversas variáveis, tais como o tipo de inserção internacional de cada país, as condições dos mercados internacionais, as transformações tecnológicas, a natureza e o funcionamento das instituições, os distintos papéis desempenhados pelos salários, entre outras. Dessa forma, o crescimento econômico se configura muito mais como um indutor do emprego (dado um determinado sistema de relações laborais) do que como o resultado das condições institucionais que regulam as relações de trabalho. Isso é exemplificado pela condição de quase pleno emprego da economia brasileira entre 2010 e 2014, associada a significativas taxas de crescimento econômico, sob a vigência de leis que, dois anos depois, passaram a ser apontadas como responsáveis pelo elevado nível de desemprego.

Tendo essa leitura teórica em mente, no âmbito econômico, a reforma trabalhista tornará o comportamento do emprego e dos salários mais pró-cíclicos. Tanto o emprego quanto os salários ficarão mais suscetíveis a sofrerem os impactos das flutuações econômicas e estarão sujeitos a esses impactos mais rapidamente. Os empregadores poderão ajustar mais facilmente o volume de gastos com os empregados, segundo as flutuações da demanda. Nesse sentido, parece improvável que as mudanças institucionais realizadas no mercado de trabalho resultem em elevação do emprego, da mesma forma que a flexibilização da legislação trabalhista implementada na década de 90 não resultou em menores taxas de desemprego naquele período.


1 Em alguns estudos, são encontradas relações positivas entre a flexibilidade laboral e o desemprego (ver Guzman, E.; Guerra, E.; Salas, E. La Ley de Okun y la flexibilidad laboral en México: una análisis de cointegración. Contaduria y Administración 60, 2015 p.631-650.

2 Os estudos foram publicados no relatório da OIT, de 2015, World Employment and Social Outlook 2015: The Changing Nature of Jobs. Disponível em: <http://www.ilo.org/global/research/global-reports/weso/2015-changing-nature-of-jobs/WCMS_368626/lang–en/index.htm>.

Os novos trabalhadores imigrantes: o “sonho brasileiro”

O processo de reestruturação do mercado de trabalho brasileiro, a partir de 2004, com a geração de empregos formais, passou a atrair estrangeiros. O Brasil, que já exportou muitos trabalhadores em busca do “sonho americano”, mais recentemente passou a representar o “sonho brasileiro” para muitos imigrantes, principalmente haitianos. A análise das autorizações de estrangeiros para trabalhar no Brasil revelou esse novo fluxo migratório, que é visivelmente crescente nos últimos anos.

Com base nos dados sobre migração no Brasil, pode-se dividir o fenômeno migratório em dois grupos: o primeiro pode ser chamado de fluxo regular e depende do nível de atividade econômica, que, de certa forma, corresponde à demanda interna por profissionais estrangeiros. De acordo com a Coordenação Geral de Imigração (CGIg), órgão que integra o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o Brasil concedeu 244.096 autorizações de trabalho a estrangeiros entre 2011 e 2014, sendo 95% temporárias e 5% permanentes. Eles são, na maioria, homens (89,7%), entre 20 e 49 anos (82,8%) e com elevado nível de escolaridade (55% com nível superior e 37% com ensino médio completo). Segundo o país de origem, os Estados Unidos ocupam o primeiro lugar nas autorizações (13,9%), seguidos pelas Filipinas (9,2%) e pelo Reino Unido (1,6%). A maioria dos norte-americanos veio para participar de eventos, e os filipinos e ingleses vieram para trabalhar a bordo de embarcações. São Paulo (43,9%) e Rio de Janeiro (36,9%) foram os principais destinos. O Rio Grande do Sul teve 2% das autorizações nesse período.

O segundo fluxo migratório representa o “sonho brasileiro”. São pessoas que chegam em busca de uma oportunidade de trabalho no Brasil, sonham em melhorar de vida, assim como os milhares de brasileiros que saíram da condição de pobreza nos últimos anos. Segundo o Conselho Nacional de Imigração (CNIg), foram concedidas 14.981 autorizações para estrangeiros no período de 2011 a 2014. Entre essas, estão autorizações de trabalho, permanência por união familiar e situações especiais. Destaca-se que todas as autorizações da CGIg foram de trabalho e 87% das autorizações do CNIg foram de situações especiais, ou seja, o primeiro grupo viaja ao Brasil devido ao trabalho que exerce, diferentemente do segundo grupo, que chega à procura de trabalho. Em relação ao país de origem, o Haiti deteve 63,4% (9.492) das autorizações do CNIg, sendo que todas foram situações especiais. De acordo com o CNIg[1], ainda restam cerca de 40.000 processos de haitianos para análise.

O fluxo de haitianos para o Brasil iniciou-se após o terremoto de 2010 e intensificou-se depois da Resolução Normativa n.o 97, de 12 de janeiro de 2012, que dispõe sobre a concessão de visto permanente por razões humanitárias para nacionais do Haiti. Os imigrantes haitianos são os únicos que possuem esse tipo de resolução no CNIg, amparada no art. 16 da Lei n.o 6.815/1980. Cabe destacar que o Brasil é o líder da missão de paz das Nações Unidas no País, a Haiti United Nations Stabilization Mission in Haiti (MINUSTAH).

No período de 2010 a 2014, foram registrados 34.887 pedidos de refúgio por haitianos, sendo que 83% foram nos últimos dois anos, o que indica que esse fluxo é recente e ainda pode crescer. A República do Haiti possui 10,3 milhões de habitantes, sendo que 80% vivem na pobreza.[2] Por outro lado, a reconstituição desse país torna-se ainda mais difícil à medida que são os homens jovens e de maior escolaridade que emigram, deixando pra trás mulheres, crianças e idosos e os cerca de 40% de analfabetos. A principal rota usada por eles para chegar ao Brasil compreende voo de Porto Príncipe a Quito, no Equador, depois segue, via terrestre, passando pelo Peru, até chegar ao Brasil, no Estado do Acre, dirigindo-se, então, para outras regiões em busca de trabalho.

De acordo com a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), o Haiti possui, desde 2013, o maior contingente de trabalhadores formais no Brasil, tendo ultrapassado Portugal, que, entre 2010 e 2012, esteve na liderança. Os imigrantes com carteira assinada tiveram crescimento de 107,5% entre 2010 e 2014, sendo um total de 119.312 em 2014, composto 73,2% por homens e 26,8% por mulheres. Em relação ao país de origem, os três primeiros colocados eram Haiti, com 20,1% (23.993), Portugal, com 9,0% (10.770), e Argentina, com 6,6% (7.832). A taxa de crescimento dos haitianos foi de 484,4% em 2012, 274,5% em 2013 e 111,2% em 2014. Destaca-se que os imigrantes haitianos são mais jovens e menos escolarizados do que os demais imigrantes com vínculo formal de trabalho.

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Quanto ao tipo de ocupação, de acordo com a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO)[3], o grupo profissionais das ciências e das artes, que empregava 31,2% dos trabalhadores imigrantes em 2010, passou para 18,9% em 2014, e o grupo trabalhadores da produção de bens e serviços industriais aumentou a participação de 12,2% para 31,9% no mesmo período. Isso indica que a entrada massiva de haitianos no mercado de trabalho brasileiro redirecionou o tipo de ocupação dos estrangeiros de áreas que exigem alta capacitação e melhores salários para outras áreas, que não demandam elevado grau de instrução e pagam salários menores. Esse movimento migratório coincide com um momento favorável do mercado de trabalho brasileiro, que, no período de 2004 a 2014, apresentou queda contínua da taxa de desemprego, aumento da formalização e crescimento do rendimento médio real, principalmente naquelas ocupações que não exigem elevado nível educacional.

Quanto às unidades da Federação, São Paulo está na liderança na quantidade de trabalhadores imigrantes com vínculo formal de emprego, mas a tendência é de um deslocamento desses imigrantes para outras regiões. Destaca-se que a Região Sul foi a que mais cresceu entre 2010 e 2014 (289,4%). O Rio Grande do Sul, que empregava 6,2% dos imigrantes em 2010, aumentou a participação para 9,0% em 2014, apresentando crescimento de 201,9% no contingente de imigrantes, menos do que em Santa Catarina (411,1%) e Paraná (287,5%) no mesmo período.

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O Rio Grande do Sul, segundo a RAIS, teve aumento contínuo na mão de obra imigrante com carteira assinada, saindo de 3.571 em 2010 para 10.781 em 2014. As principais nacionalidades, em 2014, eram haitianos, com 29,3% (3.164), uruguaios, com 19,0% (2.049), e argentinos, com 7,9% (851). Esses imigrantes eram homens (73,5%), jovens com até 39 anos de idade (70,1%) e com baixo nível de escolaridade (81,3% até ensino médio completo). Quanto ao grupo ocupacional, está seguindo a tendência do País. O grupo profissionais das ciências e das artes reduziu a participação de 22,0% em 2010 para 8,4% em 2014, e o grupo trabalhadores da produção de bens e serviços industriais aumentou de 17,3% para 50,5% no mesmo período. Entre os haitianos, a concentração neste último grupo era de 78,4% em 2014.

Os dados do Relatório Anual do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra, 2015)[4], para o primeiro semestre de 2015, indicam saldo positivo para as contratações gaúchas de imigrantes: foram 1.878 contratados e 424 desligados, tendo sido registradas, em Porto Alegre, 362 admissões e 116 demissões. Isso indica que, apesar da recessão econômica e do aumento da taxa de desemprego[5], o mercado de trabalho ainda se mostrou favorável para essa população.

É importante destacar que esses dados se referem apenas ao mercado de trabalho formal. Infelizmente, ainda não existem dados para o informal. Contudo tem sido visível o aumento de imigrantes nos centros comerciais da Região, sobretudo como vendedores ambulantes, clássico exemplo de trabalho informal e sem proteção.

Após 10 anos com indicadores favoráveis, o mercado de trabalho no Brasil vem-se deteriorando rapidamente de 2015 até o momento, diante da recessão econômica. Isso torna ainda mais difícil a vida de quem deixou o seu país em busca do “sonho brasileiro” e, ainda, prejudica a integração desses imigrantes ao convívio social. Entretanto é necessário compreender que o Brasil está diante da transição demográfica, e o Rio Grande Sul é um dos estados em estágio mais avançado. Isso significa que, em poucos anos, haverá mais idosos do que jovens na população em idade ativa para o trabalho, e a chegada desses imigrantes, na maioria jovem, pode amenizar esse fenômeno demográfico. Para isso, faz-se necessária uma política de integração desses estrangeiros à sociedade brasileira, aproveitando seus conhecimentos e suas capacitações para o desenvolvimento do Brasil, além de o País voltar a crescer e a gerar empregos.

[1]   Ata da ordem do dia 10 de junho de 2015, conforme CAVALCANTI, L. (Org.) et al. Relatório Anual 2015: a inserção dos imigrantes no mercado de trabalho brasileiro. Brasília, DF: OBMigra, 2015.

[2]   NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL. EXCLUSIVO: cinco anos depois do terremoto que destruiu o Haiti, ONU continua apoiando reconstrução do país. 2015. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/exclusivo-cinco-anos-depois-do-terremoto-que-destruiu-o-haiti-onu-continua-apoiando-reconstrucao-do-pais/>. Acesso em: 15 dez. 2015.

[3]   BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Classificação Brasileira de Ocupações. 2015. Disponível em: <www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/home.jsf>. Acesso em: 14 dez. 2015.

[4]   Cavalcanti, L. (Org.) et al. Relatório Anual 2015: a inserção dos imigrantes no mercado de trabalho brasileiro. Brasília, DF: OBMigra, 2015.

[5]   De acordo com a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), a taxa de desemprego total na Região Metropolitana de Porto Alegre aumentou de 5,9% em 2014 para 10,2% em novembro de 2015. Ver DESEMPENHO do mercado de trabalho da Região Metropolitana de Porto Alegre em 2014. Informe PED-RMPA, Porto Alegre, ano 23, número especial, 2015. Disponível em: <http://www.fee.rs.gov.br/wp-content/uploads/2015/01/20150127informe-ped-rmpa-numero-especial-jan.15.pdf>. Acesso em: 14 dez. 2015.