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A indústria naval e offshore e o polo de Rio Grande: balanço e perspectivas

A indústria naval e offshore é uma indústria complexa que engloba um conjunto de atividades encadeadas em um período prolongado de tempo para o planejamento (engenharia e contratação) e para a montagem de um produto final de elevado valor agregado. Historicamente, por objetivos militares ou civis, a indústria naval possui uma internacionalização relativamente baixa, onde coexistem, hierarquicamente, grande diversidade de estruturas nacionais, distintas formas de organização da concorrência e variados portes de empresas.

Apesar de poder ser considerada madura em termos tecnológicos, a indústria naval e offshore tem sido objeto de contínua evolução em processos de produção nas últimas décadas. Grande parte dessas transformações está associada à busca de ganhos de produtividade relacionados à evolução das estruturas para corte e para pré-tratamento de chapas, à montagem de blocos, ao transporte de carga, à crescente automatização de diversas dessas etapas e à ampliação da infraestrutura dos estaleiros, cada vez maior e mais racionalizada (galpões, diques, logística para a movimentação e para o controle interno ao estaleiro, automação, etc.). O cumprimento dos prazos de entrega e a qualidade do produto final configuram vantagens competitivas importantes para os estaleiros-líderes e reforçam a importância das inovações no processo produtivo[1].

O investimento competitivo no setor naval e offshore — construção de estaleiros, desenvolvimento de empresas de engenharia e construção e de fornecedores locais — exige capital elevado, com longo prazo de maturação, bem como uma demanda relativamente estável por um prazo longo. Além da amortização do investimento e da acumulação de capital, necessárias para uma indústria tipicamente cíclica e associada ao comércio e à produção mundial, essa continuidade é importante para a cumulatividade do aprendizado tecnológico, tanto em termos de processos internos aos estaleiros quanto em relação à gestão da cadeia produtiva.

Entre os principais produtores mundiais, a superação de barreiras à entrada no setor foi realizada com ampla e diversificada política de estímulos, de planejamento e de atuação produtiva estatal, e também pelo aproveitamento, em um período inicial, de diferenciais de custo de matéria-prima, como o aço e a mão de obra (barata e qualificada). Essas políticas públicas possibilitaram a entrada desses países no setor e o desenvolvimento de players nacionais, estimulando a geração de elevado valor agregado em um setor com amplo encadeamento produtivo e tecnológico. Além dos benefícios macroeconômicos e do desenvolvimento tecnológico nos diversos estágios da cadeia de produção, deve-se destacar também a capacidade de o setor naval introduzir competitividade nos setores infraestruturais, como o de transporte e o de energia. Esses setores, ao mesmo tempo em que criam incentivos horizontais, beneficiando vários segmentos através da possibilidade de maior organização na estrutura de transporte, também possibilitam vantagens competitivas específicas que potencializam outras estratégias de acumulação, como a da indústria offshore de países produtores de petróleo.

O contexto histórico da indústria naval pode ser apresentado através das alternâncias de liderança ao longo das décadas, com os Estados Unidos e a Europa sendo ultrapassados pelo Japão no século XX, a Coreia do Sul superando o Japão entre 1980 e 1990, e a China aproximando-se da liderança da Coreia nos anos 2000. De forma geral, a utilização de mão de obra barata combina-se, historicamente, com as políticas de direcionamento de encomendas nacionais (petrolíferas, armadores e marinha), financiamento público e promoção de empresas locais em todos os países-líderes. Essas mesmas características podem ser encontradas em outros casos, como o da indústria naval de Cingapura, o da Noruega — líderes em segmento offshore — e o dos emergentes Vietnã e Índia.

Na primeira década dos anos 2000, que foi extremamente vigorosa para a indústria naval no mundo todo, os dois principais vetores que podem ser destacados como centrais para a expansão do investimento desse período foram o cenário positivo para a demanda de embarcações e o fortalecimento de políticas nacionais de desenvolvimento da indústria naval em um conjunto maior de países, facilitada especialmente pelo próprio aquecimento do mercado e pelo redirecionamento geográfico da demanda. Nesse contexto, o crescimento do comércio, do valor dos fretes, dos preços do petróleo e da participação dos países em desenvolvimento na atividade, com destaque para a China, impulsionaram a demanda por embarcações em todo o mundo[2].

No Brasil, esse movimento de evolução da indústria petrolífera permitiu importantes avanços no volume de investimentos e na modernização da indústria nacional de equipamentos de produção offshore. As transformações recentes da indústria naval, bem como as suas limitações, estão associadas diretamente ao volume e ao perfil dos investimentos da Petrobras e à sua evolução ao longo dos últimos anos, especialmente quando comparados com os de décadas precedentes. As transformações institucionais e a política industrial do setor de petróleo e gás brasileiro também cumpriram papel decisivo nessa evolução. Dessa forma, os anos 2000, no Brasil, caracterizaram-se pelo vigoroso processo de ascensão dos investimentos em exploração e produção (E&P), pelo maior direcionamento da demanda para o parque fornecedor nacional e pela progressiva estruturação de políticas e de instituições voltadas para o crescimento e para a competitividade da produção nacional offshore. Desde o início desse período, a sinalização de um maior direcionamento de encomendas ao País foi acompanhada pela realização de contratos com os estaleiros nacionais. Esse processo, no caso da indústria offshore, apresentou também a ampliação do conteúdo local nas rodadas de licitação da Agência Nacional do Petróleo (ANP) como importante elemento transformador da estrutura produtiva nacional.

Tal cenário foi responsável por um movimento de recuperação da capacidade produtiva da indústria naval offshore brasileira, que se deu em paralelo à retomada das encomendas de petroleiros (e, em menor medida, de navios de carga e porta-contêineres), estimulada pelo Programa de Modernização e Expansão da Frota (Promef) da Petrobras. Essa expansão da demanda esteve no centro da transformação da estrutura produtiva, que passou por uma recuperação de estruturas ociosas e, posteriormente, iniciou uma etapa de ampliação e de consolidação, com a emergência de novos players e estaleiros. Ao longo dessa segunda etapa, com início no final da primeira década dos anos 2000, não apenas se apresentam aprimoramentos importantes em termos de modernização e de capacitação dos players locais, como também surgiram novos desafios. Dentre eles, o próprio crescimento acelerado do setor e a necessidade de execução de grandes empreendimentos a prazos estreitos.

Além do processo de recuperação da indústria naval, uma importante inovação que emergiu dessa retomada foi o surgimento dos novos estaleiros, planejados e construídos a partir de encomendas da Petrobras. O estaleiro de Rio Grande é um exemplo importante da indústria offshore. Seu sucesso motivou posterior adensamento industrial em seu entorno, ainda em estágio inicial, além da consolidada desconcentração industrial naval e offshore brasileira. O polo naval e offshore de Rio Grande e seu entorno são compostos pelos estaleiros Rio Grande — ERG 1 e ERG 2, Honório Bicalho e Estaleiros do Brasil — e sua cadeia de fornecedores constitui um dos principais atores na retomada da indústria naval no País.

Além da ampliação da capacidade produtiva, a resposta sobre o nível de emprego foi expressiva. Considerando-se apenas as atividades de construção de embarcações e de estruturas flutuantes em Rio Grande, o volume de emprego direto na fabricação de plataformas passou de uma média de 111 empregos entre 2006 e 2009 para 7.479 em 2014 (Gráfico 1).

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Como resultado dessa expansão, a participação das atividades de fabricação de outros equipamentos de transporte no total do Valor Bruto da Produção (VBP) da indústria de transformação do Estado passou de 0,8% em 2007 para aproximadamente 2% em 2014. Dentro desse setor, a construção de embarcações detém a maior participação, passando de 0,7% do total do VBP da indústria de transformação gaúcha em 2007 para aproximadamente 1,7% em 2014 (Gráfico 2).

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A participação de Rio Grande no total do VBP da atividade de fabricação de outros equipamentos de transporte do RS, obtido a partir do valor das saídas fiscais dos municípios, passou de 21,3% em 2010 para 95,1% em 2013. Com isso, essa atividade passou de 7,4% do total do faturamento da indústria de transformação do município em 2010 para 62,2% em 2013, evidenciando a importância do polo naval para o município e para a indústria gaúcha (Gráfico 3).

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Desde 2014, no entanto, o segmento como um todo e o polo naval e offshore de Rio Grande especificamente entraram em crise. A queda do preço do petróleo a partir da metade desse ano fez com que a demanda mundial por embarcações e estruturas flutuantes fosse reduzida. No País, o avanço das investigações envolvendo a Petrobras produziu retardos nos pagamentos e nas decisões de investimento e expansão da produção, que inviabilizaram e dificultaram as operações de empresas do setor. As consequências dessa crise foram o redimensionamento das encomendas e de seus preços e a redução do emprego no setor. Até o final de 2015, ante o pico de pessoal empregado observado em 2013-14, a queda no emprego direto do setor de construção de embarcações no Brasil foi de 9.850 empregos, sendo 1.730 em Rio Grande (Gráfico 4). Contudo, se considerados os impactos ao longo da cadeia produtiva, a retração do volume de emprego é muito maior.

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Além da queda do emprego industrial, os impactos da crise do setor repercutem em toda a economia, pois o País possui um sistema de inovação para a produção petrolífera que é altamente competitivo em algumas áreas. A continuidade desse domínio tecnológico em atividades altamente intensivas em conhecimento por um grupo de empresas brasileiras possibilitaria encurtar a distância com os países que hoje estão na fronteira da tecnologia. Esse fato mostra o impacto da Petrobras na economia brasileira. Nesse sentido, é importante retomar o aprofundamento do desenvolvimento tecnológico e o domínio de conhecimentos relacionados ao setor naval e à cadeia de petróleo e gás, cujo alcance não se restringe apenas à indústria do petróleo, mas repercute em outras áreas da economia. Com o estabelecimento do novo governo em maio de 2016, as perspectivas do setor, no País, e do polo naval de Rio Grande dependerão das condições dos preços internacionais do petróleo, dos rumos da política industrial e do papel que será exercido pela Petrobras nesse processo.


[1] RODRIGUES, F. H.; RUAS, J. A. G. Sistema produtivo 07: perspectivas do investimento em mecânica. Campinas: UNICAMP, 2009. Projeto perspectivas do investimento no Brasil. Bloco: produção. Sistema produtivo: mecânica. Documento setorial: naval. Disponível em: . Acesso em: 08 jul. 2016.

[2] Para maiores detalhes, ver a AGÊNCIA BRASILEIRA DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL (ABDI). Relatório de acompanhamento setorial: equipamentos de produção de petróleo offshore (Epo): estrutura do setor e perspectivas para o Brasil. Campinas, 2012. Disponível em: < http://www.abdi.com.br/Estudo/000%20-%20neit_EPO_01.pdf >. Acesso em: 08 jul. 2016.

A Petrobras ainda importa para a economia brasileira

Maior empresa brasileira e uma das gigantes do petróleo mundial, a Petrobras transitou, nos últimos anos, de uma posição de fiadora do futuro do País para a de representante destacada do conjunto de expectativas frustradas que acompanhou o fim do ciclo de crescimento econômico alcançado no período 2004-10. A descoberta das imensas reservas do Pré-Sal, em uma conjuntura de valorização dos preços do petróleo em nível internacional, trouxe consigo a perspectiva de um futuro próspero, em que prevaleceriam a autonomia energética, os superávits no balanço de pagamentos, o desenvolvimento industrial e tecnológico e a redução das desigualdades regionais. Como empresa de capital majoritariamente estatal, a Petrobras assumiria, assim, um papel de liderança no desenvolvimento nacional. Hoje, o “pêndulo” mudou de lado, e as expectativas são mais modestas, pessimistas às vezes. A conjuntura de euforia da primeira década dos anos 2000 propiciou a consecução de projetos que, à luz do cenário atual, se revelaram irrealistas quanto aos prazos, custos e premissas de longo prazo. Tal fenômeno, em conjunto com a queda do preço do petróleo, com a adoção de uma política de preços controvertida e com os escândalos de corrupção, conduziu a Petrobras a uma situação de fragilidade financeira que, entre muitas consequências, contribui para que se forme uma percepção minorada sobre a sua importância para o País. Apesar da crise, a Petrobras ainda importa, tanto em termos econômicos quanto estratégicos, para o desenvolvimento brasileiro.

O investimento conduzido pela Petrobras representa uma parcela importante do investimento nacional. Corresponde, atualmente, a mais de 50,0% da parcela da formação bruta de capital fixo (FBCF) do Governo Central e das empresas estatais, que se ampliou a partir de 2008, não pela redução dos demais investimentos do Governo, mas pelo crescimento de ambos como proporção do produto nacional (Gráfico 1). Entre 2008 e 2014, o investimento da Petrobras passou a representar, em média, 7,2% da FBCF total brasileira, contra 4,5% entre 2002 e 2007 (Gráfico 2). Quando se exclui a construção civil residencial, que responde por aproximadamente 20,0% da FBCF no País, o investimento conduzido pela petroleira passa a representar cerca de 9,0% do total do investimento nacional em construção de edifícios e estruturas não residenciais, máquinas e equipamentos e produtos de propriedade intelectual.

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O crescimento dos investimentos na exploração de petróleo e gás tem-se revelado no dinamismo de alguns indicadores, entre os quais, a produção da indústria extrativa. Conforme o Gráfico 3, cujos índices foram construídos com base em dezembro de 2002, percebe-se que, desse período até junho de 2016, a produção física da indústria extrativa acumulou um crescimento de cerca de 50,0%, enquanto a indústria de transformação expandiu-se em menos de 10,0%. É verdade que parte desse crescimento pode ser atribuído ao incremento da extração de minério de ferro, atividade também favorecida pela elevação dos preços verificada até meados de 2012. Tal reconhecimento não diminui, contudo, a importância da atividade de extração de petróleo e gás para o desempenho do setor, que responde pela maior parcela da indústria extrativa (65,0% contra 30,0% do minério de ferro).

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A partir de meados dos anos 90, a produção nacional de petróleo e gás ingressou em uma trajetória de crescimento acelerado (Gráfico 4). Atualmente, a produção de petróleo encontra-se em 2.500 mil barris/dia, o que representa um crescimento de 98,0% desde o início dos anos 2000, enquanto a de gás natural está em 600 mil barris/dia, um incremento de 165,0% no mesmo período. Ao mesmo tempo, a parcela do petróleo que é processada nas refinarias nacionais evoluiu de 80,0% em 2010 para 88,0% em 2016. Desde o início dos anos 2000, o volume de petróleo processado nas refinarias nacionais aumentou em cerca de 20,0%, uma expansão importante, ainda que não proporcional ao aumento da produção. Finalmente, a ampliação da produção de petróleo e gás tem favorecido as contas externas brasileiras, mesmo que de forma não exclusiva, visto que tanto a recessão quanto a redução dos preços no mercado internacional também têm contribuído para a ampliação do superávit comercial. Refletindo a conjunção desses três fenômenos, o déficit na balança comercial de combustíveis reduziu-se de US$ 14,6 bilhões em 2014 para US$ 5,4 bilhões em 2015 e US$ 0,9 bilhão no acumulado do primeiro quadrimestre de 2016.

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Apesar de ainda repousar sobre uma base produtiva sólida, a Petrobras vem enfrentando evidentes dificuldades na conjuntura atual, sobretudo no que se refere à sua saúde financeira. As novas perspectivas, relativamente modestas, para a evolução da demanda mundial a conduziram a um reescalonamento do plano de crescimento da produção, bem como à adoção de premissas mais realistas para o comportamento futuro de variáveis como a taxa de câmbio e os preços. No Plano de Negócios de junho de 2015, lançado ainda na presidência de Ademir Bendine, estimou-se que a produção de petróleo deve alcançar 2.800 mil barris/dia até 2020, uma redução importante em relação à previsão do plano anterior, de 4.200 mil barris/dia. Não se trata, contudo, de um movimento exclusivo da Petrobras. Observa-se uma tendência ampla de moderação no ritmo de crescimento da produção. No novo plano, as previsões de crescimento da produção mundial são de 1 milhão de barris/dia por ano, até 2020, enquanto, no plano anterior, eram de 1,6 milhão de barris/dia para o mesmo período.

A conjunção de um cenário que envolve a assunção de perspectivas mais moderadas para a produção e para os preços com os excessos cometidos no passado recente e, sobretudo, com o elevado montante de investimentos necessários à exploração do Pré-Sal ampliou o grau de alavancagem da empresa e os seus custos de financiamento. Tal fragilidade induziu a elaboração de um plano de venda de ativos e a revisão dos investimentos, que visam tanto à redução do endividamento quanto à concentração de esforços e recursos na exploração do Pré-Sal. No que diz respeito aos desinvestimentos, na revisão de janeiro de 2016 do Plano de Negócios, a Petrobras esperava desfazer-se de ativos no montante de US$ 15,1 bilhões entre 2015 e 2016 (tendo alcançado apenas US$ 0,7 bilhão em 2015) e de US$ 42,6 bilhões entre 2017 e 2018. Tal medida contribuiria para a redução da dívida líquida da empresa, que supera os US$ 100,0 bilhões. Quanto aos investimentos, estimou-se que seriam da ordem de US$ 98,4 bilhões entre 2015 e 2019 (uma redução de US$ 32 bilhões em relação ao plano anterior), com foco nas atividades de produção e exploração. Convertendo-se à taxa de câmbio atual, de cerca R$ 3,3/US$, esse montante equivaleria a uma média anual de investimentos da ordem de R$ 80,0 bilhões, pouco superior à média de 2011-15 (R$ 72,0 bilhões).

Assim, a tendência é que a parcela da Petrobras no investimento nacional continue a se reduzir, enquanto, em termos de sua composição, amplia-se a participação das atividades de exploração e produção, em detrimento das demais, como, por exemplo, a capacidade de refino, que vinha crescendo nos últimos anos. Com a nova presidência da empresa, mais ajustes são esperados. A expectativa, porém, é de que as linhas gerais, de redução da alavancagem, de concentração dos investimentos no Pré-Sal e de moderação nas projeções, sejam mantidas. Apesar da redução, ao que parece estrutural, dos preços do petróleo no mercado internacional, há indicativos de que o patamar atual ainda seja suficiente para viabilizar a exploração do Pré-Sal. Na eventualidade de uma nova rodada de queda dos preços, essa estratégia também estaria em xeque.

O novo cenário para os preços do petróleo, para além da indução de uma revisão estratégica nos investimentos, pôs em questão também a política de preços que vem sendo tradicionalmente conduzida pela Petrobras. A política consiste em evitar a transferência imediata das oscilações no exterior para o mercado interno, o que se justifica pela intenção de reduzir a volatilidade e a indexação dos preços domésticos. Nessa estratégia, os repasses são conduzidos apenas quando as mudanças, no patamar internacional dos preços do petróleo, revelam-se duradouras. Tal definição compreende, de todo modo, algum grau de subjetividade. Em 2012-14, face à manutenção de um nível elevado de preços no mercado internacional, a contenção dos repasses parece ter sido estendida por tempo demasiado (Gráfico 5). Por outro lado, em 2015-16, a política que mantém os preços dos combustíveis elevados no mercado interno, mesmo diante da redução dos preços no mercado internacional, parece complementar a estratégia de desafogo financeiro — ainda que de forma não explícita —, atuando tanto no sentido de compensar as perdas com a política de preços anterior, que já estão quase zeradas, quanto na ampliação dos recursos em caixa no curto prazo.

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O duplo caráter da Petrobras, ao mesmo tempo companhia de capital aberto e estatal, impõe o desafio do equilíbrio e da conciliação de estratégias de mercado e de Estado. A revisão do modelo de exploração do Pré-Sal, que libera a empresa da obrigatoriedade de operar todos os campos dessas reservas e, ao mesmo tempo, preserva a sua preferência para aqueles considerados estratégicos, pode atender a esses requisitos, desde que, e isso é importante, a prerrogativa seja de fato exercida. Insuflado pela conjuntura favorável, o retorno de alguns projetos parece, de fato, ter sido superestimado. Nesse contexto, o exercício compulsório da liderança na exploração de todos os campos, além de onerar excessivamente a empresa, poderia reduzir o ritmo de crescimento dos investimentos. Fenômeno semelhante pode ser aferido na política de conteúdo nacional. Mesmo tratando-se de um instrumento amplamente utilizado pelos países produtores de petróleo para estimular a industrialização e o emparelhamento tecnológico, traz a possibilidade de perda de competitividade em um cenário de margens de lucro mais estreitas.

Entretanto, se a adesão a projetos ambiciosos embute, na atual conjuntura, riscos não negligenciáveis, a renúncia completa à utilização do petróleo como recurso estratégico também não desponta como solução. Como estatal, a Petrobras ainda cumpre o papel de estimular os projetos que, ajustados ao cenário de preços mais baixos, atendam aos interesses do País. Tal tarefa transcende a manutenção da liderança na exploração dos recursos mais robustos. Envolve, também, o direcionamento do conhecimento e do capital acumulados pela empresa ao atendimento de interesses mais amplos, entre os quais o estímulo à produção de energias renováveis, a geração de inovações e a redução das desigualdades regionais.