O petróleo tem sido a fonte energética mais explorada no mundo desde meados do século XX, ao impulsionar a chamada “segunda revolução industrial” e tornar-se a mola propulsora para a expansão de indústrias e a produção de máquinas e de veículos e para as inovações tecnológicas no período. Na atualidade, o petróleo permanece central em quase todas as regiões do planeta e deverá manter essa posição durante as próximas décadas, ainda que muitas fontes alternativas, renováveis ou não, venham aumentado sua participação na matriz energética global.
Esta edição da Panorama Internacional contempla esse tema tão onipresente e relevante na cena global, com impactos bastante diversificados para cada localidade. Dada sua complexidade e abrangência, não pretendemos, em hipótese alguma, exaurir discussões ou mesmo dar respostas definitivas. Pelo contrário, essa complexidade habilita o desenvolvimento de pesquisas com viés multidisciplinar e com diferentes níveis de análise a lidar com esse tema, tão caro a gestores públicos, empresários do setor privado, pesquisadores, estudantes e demais interessados.
Ainda que o petróleo desperte interesse de forma ininterrupta há décadas, cabe explicitar algumas das motivações de colocá-lo em evidência neste momento. Em primeiro lugar, no âmbito nacional, a discussão a respeito do regime de exploração do petróleo em território brasileiro, muitas vezes, acaba assumindo recortes demasiado simplistas sobre qual a melhor forma de explorá-lo, seja pela via do controle do Estado, seja pela abertura do setor à iniciativa privada. Esse debate, que tem acompanhado a própria existência da estatal Petrobras desde a década de 50, é retomado nos momentos em que a referida empresa se encontra em situações adversas, sobretudo do ponto de vista financeiro, como na atualidade. Em segundo lugar, a queda no preço global do insumo, tendência observada desde meados de 2014, tem gerado impactos bastante contraditórios em diversas regiões do planeta. Por um lado, os efeitos dessa conjuntura não são homogêneos entre as regiões do mundo, tanto para as exportadoras como para as importadoras. No caso das primeiras, algumas delas conseguiram aumentar sua participação no mercado global, como a Arábia Saudita. Por outro lado, alguns importadores, no afã de reduzir custos e auferir um certo alívio em suas contas externas, podem ver-se menos propensos a investir em fontes alternativas e/ou autóctones e a aumentar sua vulnerabilidade externa em médio e longo prazos.
Os leitores perceberão um entendimento comum a todos os textos de que o tema em questão não pode ser reduzido a uma relação contábil do tipo custo-benefício em dado período. Nesse caso, a discussão deve partir do pressuposto de que o petróleo, enquanto se mantiver como importante insumo energético global, deve ser encarado como recurso estratégico, seja para prover a segurança energética de dado país, seja para ser um instrumento de poder na geopolítica global, seja para a obtenção de recursos que possam ser aplicados no desenvolvimento econômico, na redução das desigualdades sociais e regionais, no aprimoramento tecnológico, entre outras aplicações.
O leitor se deparará com uma disposição dos textos que apresenta uma lógica: do âmbito mais global para o local. Em nosso percurso, o ponto de partida será a análise de Ricardo F. Leães acerca dos recentes fluxos globais de petróleo e da estratégia de alguns dos atores mais sublinhados. O autor pondera que, para além de movimentos do lado da demanda do insumo, como o papel da diminuição do “apetite chinês”, tão enfatizado na visão convencional, temos de levar em conta a estrutura no lado da oferta. Dois movimentos podem ajudar a compreender as mudanças em curso nessa conjuntura: (a) a redução da vulnerabilidade energética dos Estados Unidos, que passaram a produzir mais petróleo em seu território e a adquiri-lo de fontes mais seguras, sobretudo do Canadá, e (b) a atuação da Arábia Saudita, que tem demonstrado interesse em manter os preços abaixo de US$ 50 o barril, possivelmente para prejudicar reais e potenciais concorrentes, principalmente a Rússia e o Irã. A permanência dessa conjuntura poderá ampliar a margem de manobra da Arábia Saudita e de outras monarquias do Golfo Pérsico, mas prejudicar boa parte dos exportadores globais e, inclusive, induzir importadores a aumentar sua dependência e a diminuir seu interesse em fontes alternativas.
No plano latino-americano, Tomás Fiori procede a um exame comparativo dos regimes de propriedade do petróleo entre quatro países, dos quais três apresentam economias mais industrializadas (Argentina, Brasil e México), e o quarto (Venezuela) é um importante produtor global de petróleo. O autor procura demonstrar que o setor, pelo menos nos casos selecionados, não responde apenas a uma lógica de ampliar as receitas e reduzir os custos. É necessário, também, entender alguns aspectos de política e segurança internacional, como sensibilidade (que diz respeito à suscetibilidade de dado sistema a choques externos) e vulnerabilidade (que se refere à capacidade de resposta ou de adaptação a choques externos). Assim, os países, além de buscarem minimizar seus custos, procuram, também, reduzir sua vulnerabilidade externa, o que explica as diferentes possibilidades de equacionar a relação entre Estado e mercado, no que se refere ao controle da propriedade petrolífera.
No plano nacional, Cecília R. Hoff procura entender a relevância da Petrobras para a economia brasileira, apesar da crise econômica no País. A autora aponta alguns dados que atestam a relevância da empresa para o conjunto da economia nacional, não obstante as turbulências observadas no período recente. Além da questão do respeito ao tamanho, a empresa aumentou significativamente sua contribuição para a variável formação bruta de capital fixo após a crise de 2008. A autora resgata, também, um dado pertinente: a produção física da companhia tem aumentado, apesar das dificuldades financeiras e da crise econômica brasileira. Além disso, a estatal tem buscado amortecer a volatilidade dos preços no mercado internacional, o que certamente propicia que os preços domésticos não oscilem na mesma frequência, reduzindo o impacto na inflação. A crise nacional tem tido um papel, até o momento, de redimensionar, ou mesmo suspender, diversos projetos outrora relevantes, ao mesmo tempo em que se vê obrigada a concentrar esforços em algumas atividades consideradas essenciais, como a exploração do Pré-Sal.
Por fim, Cesar S. Conceição e Roberto P. da Rocha buscam apreender a política de investimento da Petrobras e o impacto no setor de estaleiros, na região de Rio Grande, no sul do Estado. Os autores trabalham com a hipótese de que determinadas políticas de governo, na primeira década do século XXI, mais especificamente, a reativação dos investimentos no setor petrolífero, desencadearam o desenvolvimento, no sul gaúcho, do setor de construção de embarcações e de equipamentos e componentes para navios, bem como de plataformas offshore para exploração e produção de petróleo em águas oceânicas. Os autores identificam alguns dos resultados dessa atividade no mercado de trabalho do setor de embarcações, na região, no início da década de 2010, mas também apontam uma reversão dessa tendência a partir de 2015. Nesse trabalho, que apresenta uma intertextualidade com o de Hoff, concluem que as crescentes dificuldades do fluxo de caixa da empresa, a partir de 2014, provocaram um retraimento em suas atividades e em seus investimentos, colocando em risco a continuidade do notável desenvolvimento do segmento naval rio-grandense nos últimos anos.
O entrevistado desta edição é Lucas K. de Oliveira, Professor Adjunto do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila) e pesquisador do Centro de Estudos Sobre o Governo (Cegov), que tem desenvolvido pesquisas no tema de segurança energética e de conflitos em regiões petrolíferas.
Boa leitura!