As eleições presidenciais dos EUA e seus múltiplos significados

As eleições presidenciais norte-americanas, ocorridas em novembro de 2016, constituíram o evento político mais aguardado do ano, seja por acadêmicos, seja por profissionais da imprensa ou público em geral. Isso não apenas porque o embate entre Hillary R. Clinton e Donald J. Trump suscitou diversas polêmicas ao longo da campanha, mas porque a sucessão presidencial nos Estados Unidos coloca em disputa propostas e projetos cujo alcance é global, em decorrência de sua força militar ímpar, sua pujança econômica e sua vasta extensão territorial e populacional.

Esta edição do Panorama Internacional, então, discorre sobre alguns dos principais aspectos que dizem respeito aos Estados Unidos e às suas eleições presidenciais, interpretadas à luz de fenômenos estruturais e conjunturais. Temas como a distribuição funcional da renda, a política monetária, a estrutura político-eleitoral e a reorientação estratégica norte-americana foram esmiuçados para que o eleitor possa se familiarizar com questões que pautam e são pautadas cotidianamente e que sinalizam os rumos que o País deve tomar nos próximos anos. Naturalmente, não se pretende, dessa forma, esgotar as discussões sobre os tópicos abordados, nem mesmo negligenciar as matérias que não foram tratadas pela edição, mas sim fornecer subsídio para a compreensão das tendências de política, economia e relações internacionais.

Após a leitura desta edição, espera-se que o leitor possa estar ciente dos principais dilemas pelos quais passam os Estados Unidos atualmente no que diz respeito aos seus objetivos estratégicos, à economia ou ao sistema político. Entende-se, aqui, que o País vem atravessando transformações estruturais nas últimas décadas, o que o coloca em uma situação de intensa polarização política e de aguçamento de conflitos sociais. Essa situação traduziu-se, em 2016, em uma campanha eleitoral distinta em relação às anteriores, na medida em que candidatos como Donald J. Trump e Bernie Sanders — não identificados com o establishment político — tiveram resultados imprevistos nas prévias partidárias.

É de nosso entendimento que as surpresas observadas durante as prévias refletem uma modificação que vem tomando corpo há décadas: a distribuição funcional da renda. No texto de Alessandro Miebach e Augusto P. de Bem, podemos observar que, a partir dos anos 80, a desigualdade social não somente cessou sua trajetória de queda, mas iniciou um processo de crescimento sistemático, o que é retratado pelo aumento do coeficiente de Gini.

À primeira vista, a concatenação entre o aumento das desigualdades sociais e o avanço de candidaturas não tradicionais pode soar nebulosa, e são recorrentes as análises sobre a questão que desconsideram esse aspecto, mas acreditamos que esses acontecimentos são inextricáveis. Isso porque há um sentimento crescente em vários estratos da sociedade norte-americana de que o sistema político do País está falido e que apenas serve para beneficiar a camada mais rica da população. Nesse contexto, essa frustração se desdobra em duas perspectivas diametralmente opostas: de um lado, defendem-se reformas profundas, taxação dos mais afortunados, incremento e fortalecimento de serviços públicos e proibição de doações empresarias de campanha; de outro, advogam-se leis mais rígidas para combater a criminalidade, restrições impassíveis à imigração e a revogação de medidas destinadas à promoção de minorias sociais, étnicas ou de gênero.

Na sequência, temos um ensaio de André Scherer sobre o recente e o possível futuro comportamento do Federal Reserve (Fed), responsável pela determinação da taxa de juros norte-americana. Conforme já indicado por Miebach e de Bem, a financeirização do sistema capitalista engendrou mudanças estruturais em economias de mercado, fazendo com que as decisões do Fed tenham desdobramentos universais. Nesse sentido, Scherer atenta que, embora o expansionismo monetário pós-crise já não seja a diretriz, tampouco se confirmam as expectativas de quem esperava um aumento súbito das taxas de juros. Ainda que, de fato, tenha ocorrido uma elevação de 0,25 ponto percentual no final de 2015, esperavam-se três outros aumentos para o ano subsequente, o que se provou equivocado, e já há quem fale em uma manutenção até o final deste ano. Segundo Scherer, essa frustração se deve, sobretudo, à constatação de que a recuperação da economia norte-americana tem sido lenta e que a geração de empregos nos últimos meses não parece estar ligada a uma retomada do investimento industrial.

Após a análise de temas econômicos, segue o estudo de Augusto N. de Oliveira sobre o sistema eleitoral norte-americano, que esclarece o modo de seleção dos presidentes nos EUA, bem como suas atribuições e seus deveres. Em seu texto, Oliveira evidencia as transformações político-eleitorais ocorridas nos Estados Unidos desde a primeira eleição presidencial, em 1788. De maneira geral, observa-se a ocorrência de dois fenômenos paralelos: à medida que o Presidente do País passa a assumir responsabilidades não previstas pela Constituição, transforma-se também o processo eleitoral, com a formação dos partidos políticos e as adaptações do Colégio Eleitoral. Atualmente, porém, o sistema tem sido alvo de críticas, na medida em que os legislativos estaduais têm a prerrogativa de definir os distritos legislativos e sempre o fazem de modo a beneficiar um partido específico. Da mesma forma, em vários estados são crescentes as medidas que visam à restrição ao voto por parte de minorias.

Finalmente, a temática de política externa é objeto de pesquisa de Bruno M. Jubran, que avalia a reorientação geopolítica dos Estados Unidos promovida pelo Governo Obama. Em meados de 2011, enquanto oficializava a retirada das tropas norte-americanas do Iraque, Obama anunciou a política do “pivô asiático”: diferentemente das últimas décadas, nas quais o Oriente Médio fora a prioridade estratégica dos EUA, a região da Ásia-Pacífico seria o foco da atuação internacional norte-americana. Esse projeto, divulgado em um artigo assinado por Hillary R. Clinton, sinalizava que os Estados Unidos expandiriam suas ações nessa região por meios militares, políticos e econômicos, tratando de integrar ainda mais os países dessa região à sua esfera de influência. Explicitamente, o Governo do País reconhecia, então, que sua política externa seria calcada na contenção da ascensão chinesa, de modo a assegurar a primazia norte-americana no século XXI.

A entrevistada desta edição é Cristina S. Pecequilo, doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), Professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas. Atua também como Pesquisadora Associada do Núcleo Brasileiro de Estratégia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Nerint-UFRGS) e do Grupo de Estudo Inserção Internacional Brasileira: Projeção Global e Regional da Universidade Federal do ABC (UFABC) e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), desenvolvendo pesquisas focadas na análise da política externa norte-americana.

Boa leitura!