Jorge Arbache é Professor de Economia da Universidade de Brasília. Atuou como o economista-chefe do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, assessor econômico sênior do Presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e economista sênior do Banco Mundial em Washington, D.C. Arbache tem Ph.D. em Economia e é bacharel em Economia e Direito. Seus principais interesses de pesquisa atuais são competitividade setorial, investimento, produtividade, tecnologia e comércio.
Em entrevista ao Panorama, Jorge Arbache avalia os desafios para o comércio exterior e entende que os custos já não são mais o que determina a competitividade das nações e das empresas. Ele opina sobre os obstáculos enfrentados pelos países emergentes para a integração no comércio internacional e pondera que o foco do Brasil na produção e nas exportações de commodities engessa o estado de atraso do País. Arbache explica o esvaziamento dos acordos multilaterais, posiciona-se sobre os desafios que os mega-acordos representam para o Brasil e avalia a produtividade do setor de serviços brasileiro.
Panorama: Nas últimas décadas, diversos processos alteraram de maneira decisiva a configuração da ordem econômica internacional, com destaque para a fragmentação da produção em cadeias globais de valor, o papel desempenhado por empresas multinacionais e a importância crescente da China. Esses movimentos trazem novos desafios para o comércio exterior no século XXI?
Sim, muitos novos grandes desafios, especialmente para países em desenvolvimento e emergentes que ainda estão em busca de um “lugar ao sol” no século XXI. Custos estão perdendo relevância para determinar a competitividade das nações e das empresas. Robôs, “Internet das coisas”, inteligência artificial, impressoras 3D, manufatura 4.0, novas energias, nanotecnologia, etc. reduzem a parcela de custos de produção convencionais no valor final do produto. Sim, ainda são e serão muito importantes por um bom tempo, mas o que cada vez mais determina a competitividade é a capacidade de fazer aquilo que agrega valor. Bens e serviços “comoditizados” cada vez menos serão capazes de fomentar desenvolvimento econômico amplo e inclusivo.
Panorama: Com o enfraquecimento da agenda multilateral da Organização Mundial do Comércio (OMC), acordos preferenciais de comércio passaram a ser celebrados. Os recentes mega-acordos que começam a tomar forma podem ser considerados como uma nova etapa da globalização?
O enfraquecimento dos acordos multilaterais se deve à mudança de orientação dos Estados Unidos e de outros países em favor da agenda plurilateral, deixando a agenda multilateral morrer de inanição. Acordos plurilaterais como o TPP[1] e o TISA[2] já estão substituindo os acordos multilaterais de forma tácita e, mais à frente, substituirão de forma expressa. O problema é que os acordos plurilaterais não se preocupam com a agenda de desenvolvimento nem tampouco consideram a gigantesca desigualdade entre os países em termos de status quo tecnológico, inovação, de estoque de capital per capita, de capacidade de acesso a crédito, de propriedade intelectual, de sediar corporações globais. Praticamente toda a economia digital está nas mãos de algumas poucas megaempresas, sendo que praticamente todas elas são dos EUA e algumas poucas da Europa. Trata-se de uma agenda que visa basicamente ampliar as vantagens daqueles que já estão em vantagem. Talvez seja a globalização em sua etapa mais questionável do ponto de vista do acesso a oportunidades de convergência de produtividade e de crescimento e prosperidade para todos.
Panorama: Quais são os maiores obstáculos que os países emergentes enfrentam para se integrarem de maneira mais assertiva ao comércio internacional? E, no caso brasileiro, como se posiciona o País nas negociações comerciais?
Os maiores obstáculos estão associados à incapacidade, no futuro previsível, de reduzir os fossos de conhecimento e de tecnologia, que só se ampliam. Sim, em parte o fosso aumenta em razão da postura ultramercantilista dos países avançados. Mas em boa parte se deve a nós mesmos, que insistimos em confrontar a relevância das agendas de conhecimento nas suas várias dimensões: educação básica, ciência e tecnologia, inovação, educação profissional, gestão da produção, cooperação entre universidades e empresas. Quanto ao posicionamento do Brasil nas negociações, temos nos focado em agendas que privilegiam a produção e exportação de commodities, o que pode ser bom no curtíssimo prazo, mas que engessa ainda mais o nosso estado de atraso e amplia o nosso descolamento dos países que desenvolvem e produzem bens e serviços de alto valor adicionado.
Panorama: Ultimamente, vem aumentando a atenção dada ao papel desempenhado pelos serviços produzidos e comercializados em escala global. Qual sua avaliação sobre a real importância do setor para o comércio internacional e as perspectivas de crescimento na atual ordem econômica mundial?
Uma das características da globalização é a consolidação dos mercados, isto é, a redução do número de players nos segmentos que mais importam. Isso já acontece a olhos vistos no mercado de alimentos, automóveis, processadores, vidros, aeronaves, supermercados, seguros, e por aí vai. Em alguns mercados, já está mais difícil para uma empresa em nível nacional concorrer com empresas que atuam em nível global. Empresas em níveis estadual e municipal, nem se fala.
Panorama: A parcela dos serviços no Valor Adicionado das exportações globais vem crescendo. No entanto, ainda são baixos o peso do setor nas exportações brasileiras e sua produtividade na economia como um todo. Quão longo é o alcance que os serviços podem vir a representar nos fluxos de comércio, de investimento e de tecnologia do País?
Os serviços já são responsáveis por 54% do comércio global, quando contabilizados em Valor Adicionado. Estima-se que serão 75% até 2025. Logo, serviços finais exportados, como uma apólice de seguro e, muito mais importante, serviços “embutidos” na produção de bens industriais, agrícolas e minerais são simplesmente determinantes para a competitividade das empresas e para a prosperidade das nações. No caso do Brasil, os serviços são o principal componente do Valor Bruto da Produção industrial. Nos produtos exportados, sua participação é elevada. Mas aquela parcela será tão maior quanto mais elaborado for o produto, o que não é nosso caso, que exportamos muitas commodities e bens industriais “comoditizados”, como celulose e açúcar. Por fim, como a produtividade do nosso setor de serviços é muito baixa e está estagnada, os serviços “intoxicam” os demais setores, comprometendo a sua competitividade. Isso ajuda a explicar a inflação em geral e a nossa baixa competitividade internacional.
[1] Do inglês, Trans-Pacific Partnership.
[2] Do inglês, Trade in Services Agreement.