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As matrizes energéticas de Brasil, Estados Unidos e China, seus vetores e impactos ambientais

Algo sobre a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC) da 21.ª Conferência das Partes (COP 21) em Paris, em dezembro de 2016

Para começar, não há consenso sobre o que causa o aquecimento global, embora a maioria dos cientistas entenda a importância antropogênica dessa questão. Em função disso, farei um breve comentário.

O ponto

Os cientistas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), órgão ligado às Nações Unidas, que defendem a ideia do aquecimento global com forte influência antropogênica, disseram claramente que alguns dos impactos das mudanças climáticas são inevitáveis, mas ainda existe tempo para proteger a humanidade de algumas das consequências mais desastrosas. Essa reação deve vir como parte de uma rápida mudança nas estratégias globais, visando evitar emissões significativas de dióxido de carbono (CO2).

O contraponto

Os críticos, por outro lado, dizem que há falhas nos modelos matemáticos e que fatores externos não levados em consideração poderiam alterar as posições acima. Os críticos afirmam que simulações climáticas são incapazes de modelar os efeitos resfriadores das partículas, de ajustar a retroalimentação do vapor d’água e de levar em conta o papel das nuvens. Os críticos também argumentam, contrariamente ao que é aceito pela maioria da comunidade científica, que o Sol pode ter uma maior cota de responsabilidade no aquecimento global atualmente observado. Alguns efeitos solares indiretos podem ser muito importantes e não são levados em conta pelos modelos. Assim, a parte do aquecimento global causada pela ação humana poderia ser menor do que se pensa atualmente.

Um ponto de tangência

Entretanto, ambos os lados da comunidade científica concordam que a temperatura global subiu um grau desde o final do século XIX, que os níveis de CO2 da atmosfera subiram aproximadamente 30% no mesmo período, e que essa tendência pode contribuir para um futuro aumento do aquecimento global.

Os resultados obtidos pela COP 21

 De modo geral, os resultados da COP 21 confirmam suas pretensões. Dentre os 195 países participantes, destacam-se como maiores emissores de CO2: a China, os Estados Unidos da América[1], a União Europeia, a Índia e o Brasil (principalmente pelo desmatamento da Floresta Amazônica), que se comprometeram a trabalhar para que o aquecimento fique abaixo de 2ºC, buscando limitá-lo a 1,5ºC até o final do século XXI. Para isso, os países ricos devem garantir financiamento inicial de US$ 100 bilhões por ano de 2020 até 2025, e, nesse caso, a saída dos Estados Unidos seria um problema. Não há menção, na COP 21, à porcentagem de corte de emissão de gases de efeito estufa necessária para atingir as metas, nem se determina quando as emissões precisam parar de subir. Por outro lado, a partir de 2018, o Acordo deve ser revisto a cada cinco anos, quando os trabalhos da COP 21 deverão ser ajustados e sugeridos os cortes de emissões.

As matrizes energéticas da China, dos Estados Unidos, do Brasil e da Organização para a Coooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)

Sob o ponto de vista do balanço energético clássico, que engloba a trajetória que se inicia na disponibilidade primária e vai até a demanda final, passando pelos centros de transformação, pode-se contar com o trabalho da International Energy Agency (IEA), no qual aparecem, dentro do mesmo padrão metodológico, os balanços do mundo, de cada país e por blocos de países de 1971 a 2014, editados em sua forma gráfica e tradicional. Ao se adicionar a energia útil ao balanço clássico, abrem-se caminhos para medir a eficiência da energia por setor de atividade e por  energético, bem como da própria matriz, sob as formas da energia mecânica, do calor de processo, do aquecimento direto, da química, da refrigeração ou da iluminação. Por essa razão, apresenta-se a China, quer por sua magnitude e pujança econômica, quer pela contribuição dos textos encontrados na literatura, em particular o trabalho de Paul Edward Brockway et al. (2015) Understanding China’s past and future energy demand: an exergy efficiency and decomposition analysis. Nesse estudo, os autores trabalham com o conceito de exergia[2], chegando também ao de energia útil, que pode ser sintetizado em uma tabela especificamente trabalhada pelos autores, na qual foram consideradas, em detalhes, as energias úteis sob as formas térmica, mecânica, elétrica e muscular. Em 1971, a eficiência exergética no agregado era de 5,3%, relacionando-se a energia útil à exergia primária; já em 2010, essa relação passa para 12,5%. Já no Diagrama de Sankey, os autores também colocam a energia primária na forma convencional, conforme critério adotado pela IEA, ao lado da exergia primária, o que vai permitir uma comparação com as eficiências dos países selecionados, incluindo a própria China, o Brasil (e o Rio Grande do Sul) e os Estados Unidos. Em 1971, na China, o rendimento agregado era de 9,6%, e, em 2010, de 15,7%. Em outras palavras, no país asiático, de tudo que entra como disponibilidade primária no sistema energético, apenas 15,7% é aproveitado. Em 2014, essa taxa era de 33,4% para o Rio Grande do Sul e de 45,6% para o Brasil. Em 2015, era de 39,4% para os Estado Unidos. Quanto ao indicador dos rendimentos do setor elétrico, tem-se 52,0% para o RS:, 62,0% para o Brasil e 33,7% para os Estados Unidos. As perdas crescentes estão relacionadas ao uso do carvão de eficiência muito mais baixa. Nota-se que a China tem uma matriz de baixo rendimento[3]. Considerando-se a dimensão da economia do País e de suas elevadas taxas de crescimento, podem-se imaginar os impactos ao meio ambiente e aos recursos naturais. Pelo lado exergético, suas perdas, em 2010, chegam a 87,7% da disponibilidade primária.

Abrindo mais um pouco a discussão — privilegiando as matrizes energéticas nacionais devido à grande participação hídrica para a geração de eletricidade —, ao se considerar o setor elétrico em si mesmo, os rendimentos são: 53,6% para o Rio Grande do Sul, 62,0% para o Brasil e 33,2% para os Estados Unidos, que se valem principalmente do carvão.

As Figuras 1 e 2, referentes a 2014, destacam a China, os Estados Unidos e o Brasil no que se refere ao consumo final total e à oferta primária total de energia (OPTE), incluindo seus principais vetores energéticos. Para efeito de comparação, são introduzidos países como a Rússia e a Índia e também os blocos da OECD e a Ásia, excluindo-se a China.

A título de ilustração, Estados Unidos e China são responsáveis, conjuntamente, por 30,1% da OPTE mundial, sendo 16,6% referente à China, 13,5% aos Estados Unidos, 37,7% à OCDE e 1,8% é referente ao Brasil.

Ao se considerar OPTE mundial do energético em destaque, no caso o carvão, a China representa 42,4% do total. Por outro lado, as energias renováveis — eólica e solar — da China participam com 32,7%, as dos Estados Unidos, com 18,2%, as da OCDE com 59,1% e as do Brasil, com 1,5%.

Considerando-se a estrutura desses países para a oferta primária total de energia, para 2014, dividida em fósseis — petróleo, carvão e gás natural — e em renováveis — biodiesel, solar e eólica e hidráulica, tem-se (a) para fósseis: 86,0% (China), 82,6% (Estados Unidos), 56,4% (Brasil) e 77,0% (OCDE); (b) para renováveis: 10,9% (China), 5,8% (Estados Unidos), 34,6% (Brasil), e 6,9% (OCDE), o que dá uma nítida vantagem para a matriz energética brasileira em relação às emissões de CO2.  Essa “fotografia” de 2014 mostra um mundo nitidamente dos fósseis, não obstante os esforços tecnológicos a favor da energia renovável.

 As emissões de CO2 a partir da matriz energética de China, Estados Unidos, Brasil e Rio Grande do Sul

A Figura 3 mostra as emissões de CO2 mediante algumas variáveis utilizadas para indicar a comparação entre países ou blocos de países, no caso, China, Estados Unidos e Brasil, revelando, para o ano de 2014, a expressiva quantidade de CO2 emitida tanto pela China como pelos Estados Unidos: 9,1 e 5,2 bilhões de toneladas respectivamente. Enquanto, para o Brasil, tem-se 0,5, resultado derivado da estrutura de suas matrizes energéticas em fósseis e renováveis, como foi visto no item anterior, e da magnitude de suas economias. Outro indicador que me parece importante é a relação das emissões de CO2 por unidade de poder de paridade de compra do Produto Interno Bruto (PIB) em dólares de 2005. Por outras palavras, uma unidade de PIB gera 0,54 kg de CO2 para a China, 0,32 kg para os Estados Unidos e 0,16 kg de para o Brasil.

A matriz energética mundial é baseada na energia fóssil (o que é válido também para os países selecionados), não obstante o crescimento recente e vertiginoso da energia eólica, solar e dos biocombustíveis. A literatura especializada, em suas projeções para 2050, diz que os fósseis continuarão a crescer a taxas mais baixas que a das renováveis, embora com perda relativa na estrutura da matriz energética. Os fósseis continuarão a produzir impactos ambientais crescentes, a menos que acordos, como a COP 21, e um progresso tecnológico, com custo competitivo, venham a frear essa tendência.

 Ponto de mutação

Independentemente da posição dos cientistas que divergem em seus diagnósticos, se a ideia do combate ao aquecimento global seguir adiante, ela será agente catalizador de uma grande batalha entre dois “reinos”, o dos fósseis (petróleo, gás, carvão, etc.) e o das energias renováveis (hídrica, bioenergia, eólica, solar, etc.). Nessa batalha, o “novo rei”, se vencer, inaugurará uma nova era, cuja base resultaria de dois vetores: o da tecnologia e de seus custos competitivos. Por outro lado, a matriz energética daí resultante propagar-se-ia de forma descentralizada e passaria a ocupar um grande papel, já na transição. Trata-se de uma revolução do modo de produção, que seria totalmente redesenhado, e a sociedade humana poderia dar um salto qualitativo sem precedentes. As concentrações de poder cederiam lugar à atomização da oferta, mas os poderosos do “velho reino”, juntamente com a indústria bélica, farão de tudo para se apresentar em dueto.


 

[1] Os Estados Unidos estão se retirando da COP 21, o que pode comprometer os resultados da Convenção, haja vista a transferência dos países ricos para garantir o financiamento inicial a partir de sua nova presidência, o que pode ser atenuado pelos estados federados, devido à força de suas Constituições, que são mais abrangentes do que a Constituição da União, que tem amplitude residual e legisla sobre o que os estados não legislam.

[2] Exergia é o trabalho máximo que pode ser obtido através do processo mais adequado de um sistema que se encontre em um estado inicial até que atinja o estado final, caracterizado pelo equilíbrio termodinâmico com o ambiente. Essa grandeza pode ser definida também como potencial máximo de trabalho de uma substância ou trabalho mínimo para fazer o sistema sair do estado morto. As exergias potencial e cinética são iguais às energias potencial e cinética, mas são matematicamente diferentes tanto química quanto fisicamente.

[3] Esse valor do baixo rendimento da China aqui apresentado, além do vetor carvão e da sua estrutura matricial, pode ser devida à introdução do conceito de exergia, mesmo assim procurei contornar o problema usando dados da International Energy Agency (IEA).

Inovações tecnológicas na China: lições e perspectivas

Nos últimos anos, o mundo vem testemunhando modificações significativas na distribuição da produção de inovações tecnológicas. Até pouco tempo atrás, o desenvolvimento das inovações mais importantes estava concentrado nos países da conhecida Tríade (EUA-Canadá, União Europeia (UE) e Japão). Entretanto, outros países vêm aparecendo no cenário mundial das inovações, e alguns dos principais estão no grupo do BRICS — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul —, com forte destaque para os chineses. A China tem realizado importantes esforços em termos de investimentos e de políticas de ciência e tecnologia (C&T), o que se pretende mostrar aqui, apontando possíveis lições para países como o Brasil, mas, também, apresentando os desafios próprios de um processo de mudança tecnológica em andamento que pode ter repercussões de alcance mundial.

Desde 1978, a China vem desenvolvendo uma série de reformas de grande impacto na área de C&T que tem melhorado tanto a educação superior como as atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) no País, principalmente através dos Planos Quinquenais do Governo Central. Contudo, essa estratégia de desenvolvimento científico e tecnológico sofreu uma mudança importante após 2008, no sentido de um maior domínio tecnológico do País. Com a eclosão, nesse ano, da crise financeira global, o invejável crescimento econômico da China, traduzido em altas e constantes taxas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), sofreu um revés que impactou negativamente sua economia, baseada numa industrialização centrada, basicamente, na adaptação e na imitação de tecnologias tradicionais dos países desenvolvidos. Pressionados por essa situação adversa, a resposta dos chineses foi a construção de infraestruturas próprias de inovação e a melhoria da competitividade das instituições de pesquisa do País. Assim, a inovação na China está tendo um papel cada vez mais proeminente em sua economia, e o caminho da inovação está sendo percorrido através de P&D e de parcerias internacionais promovidas pelas empresas chinesas.

Nesse contexto de mudanças profundas, a China apostou, e segue apostando, em duas iniciativas no campo das políticas de desenvolvimento da C&T: o Plano Quinquenal (2011-15) e o Plano Nacional (2006-20). O Plano Quinquenal aportou um montante de US$ 1,7 trilhão em vários setores estratégicos em termos tecnológicos, entre os quais energia renovável, biotecnologia, tecnologias eficientes e ecológicas, carros elétricos e nova geração de Tecnologia da Informação (TI). Já o Plano Nacional, de médio e longo prazos, visa enfrentar o que talvez seja o maior desafio chinês, que é melhorar a capacidade de inovação do seu setor de negócios (empresarial).

Apesar dos desafios, é evidente o ótimo desempenho da China em termos de investimentos em C&T no seu próprio território. Observa-se um espantoso crescimento das despesas em P&D, em que a China passou de um pouco mais de US$ 41 bilhões de investimentos no ano de 2000 para mais de US$ 344 bilhões em 2014, um acréscimo de oito vezes no período (Figura 1). Nesse quesito, ao observar os últimos anos, a China só fica atrás dos Estados Unidos e já ultrapassou o conjunto de gastos da União Europeia (28 países). Além disso, mantendo-se constantes as tendências de crescimento de investimentos da China e dos EUA, os chineses devem ultrapassar os norte-americanos por volta de 2019 (projeção da Organização Para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE)).1 Destacam-se, igualmente, a constância e a velocidade do crescimento dos investimentos da China em comparação aos dos outros países desenvolvidos e ao do conjunto da UE.

Ressalta-se também o percentual desse tipo de gasto em relação ao PIB do País, apesar de não ser o maior entre os países analisados (Figura 2). Efetivamente, essa relação tem aumentado de forma mais robusta na China, enquanto as outras nações pareceram hesitar, principalmente no quinquênio 2008-12. Os chineses alcançaram o percentual de 2% em 2013, continuando o aumento no ano seguinte, abaixo da média dos países da OCDE (composta pelo Japão, EUA, muitos europeus e outras nações desenvolvidas), porém superior à média da UE. Embora os chineses tenham uma relação P&D/PIB inferior à meta de 3% fixada para a UE (por meio da Estratégia de Lisboa, da Comissão Europeia, e do plano Europa 2020), não se deve descartar a possibilidade de eles alcançarem essa taxa nos próximos anos.

Apesar desse quadro geral positivo, é importante enfatizar o que os especialistas nos estudos de inovação e suas políticas não cansam de lembrar: que somente o aumento das despesas em P&D não garante uma maior geração de inovações, em especial as mais radicais. Por isso é primordial analisar, também, alguns atributos das políticas de C&T chinesas que mostram uma estratégia ao mesmo tempo ambiciosa e visionária no campo das inovações, bem como as dificuldades inerentes a esse processo. Em primeiro lugar, essas políticas têm como um dos seus principais marcos orientadores o enfrentamento dos mais sérios desafios sociais chineses por meio das inovações, como, por exemplo, a segurança alimentar, a saúde pública, o envelhecimento e a prevenção de desastres. Ademais, a China vem impulsionando processos de inovação inclusiva no seu território, que são inovações para e/ou (produzidas) por estratos da população de baixa renda. Aqui se podem ressaltar o Programa Spark para a promoção do desenvolvimento agropecuário e rural, através do acesso a novas tecnologias e o respectivo treinamento, e o Programa de C&T para o Bem-estar Público para o fomento à comercialização de tecnologias que possam beneficiar o desenvolvimento social, ambos dirigidos pelo Ministério da C&T. Tais políticas de inclusão podem ter um enorme impacto na economia e na sociedade chinesas, no sentido do surgimento de um grande contingente de consumidores e de profissionais cada vez mais qualificados (e interessados em inovar).

Em segundo lugar, está a organização da uma geografia da inovação dentro da China. Já se podem contemplar, no território chinês, novos polos de inovação, alguns de nível mundial. Entre os principais, estão as cidades, e suas respectivas províncias, de Guangdong, Beijing e Shanghai, que concentram em torno de 73% das patentes do País. Esse fato deixa clara a questão da concentração chinesa da capacidade científica e tecnológica, que se torna um problema à luz de uma importante pesquisa de geógrafos econômicos da London School of Economics.2 O estudo mostra que a distribuição da inovação na China é comandada pelas forças das aglomerações (população, especialização produtiva e infraestrutura). No entanto, em vez de gerarem a difusão de tecnologias (que seria positivo), essas regiões mais desenvolvidas acabam provocando efeitos negativos no desenvolvimento de outras.

A terceira e última característica a destacar é a aposta da China no desenvolvimento de tecnologias na revolução “verde” (ou limpa) — grande mudança tecnológica que é prevista para as próximas décadas por alguns especialistas em estudos de inovação. A principal área de tecnologia “verde” favorecida pela China é a das energias renováveis (solar, eólica, etc.), o que é comprovado pelos altos investimentos nessa área, um dos maiores em nível mundial (Gráfico 1). Desde 2014, a China é o país que mais gasta em P&D para esse tipo de energias — somente em 2015, foram dispendidos mais de US$ 100 bilhões (quase 36% de todo o investimento mundial). Além do mais, outros importantes países no desenvolvimento dessas tecnologias — como Alemanha, Finlândia, França, Dinamarca e Noruega — vêm investindo também, porém em menor intensidade do que os chineses, enquanto os Estados Unidos e o Reino Unido vêm mostrando uma atitude hesitante nesses investimentos. Vale ressaltar que a China, para além dos investimentos, vem adotando uma visão semelhante à da Alemanha, que entende a transformação tecnológica “verde” não somente em termos tecnológicos, mas, também, como uma mudança na economia e na sociedade — produção e estilo de vida “verdes” —, orientação essa que estabelece a sustentabilidade (controle da poluição e do desperdício) como vantagem competitiva.

Entretanto, muito provavelmente a China não consiga realizar uma revolução tecnológica “verde” sozinha, sobretudo numa realidade mundial cada vez mais globalizada. E isso é preocupante num contexto de crise mundial, ainda persistente, em que os Estados Unidos continuam vacilantes em P&D para as tecnologias limpas, e a Zona do Euro está dirigindo sua atenção para as políticas de austeridade econômica e não para as soluções reais, como poderia ser o caminho das inovações nas tecnologias verdes. Aqui não se pode deixar de lado o Brasil, cuja importância fica evidente no Gráfico 1, que exibe os investimentos estratégicos em energias renováveis, e na sua participação no BRICS, em especial com a possibilidade da China como parceiro preferencial, o que depende dos próximos passos da política econômica e tecnológica brasileira.

Para finalizar, duas questões ficam no ar em relação ao papel da China numa provável revolução tecnológica em andamento. A primeira está relacionada ao problema da falta de um ambiente de negócios competitivo favorável às inovações, como apresentado anteriormente. Alguns especialistas apontam que um dos principais pilares desse problema está na ausência de capital de risco, e, consequentemente, o ambiente de negócios é pouco favorável para startups inovadoras (empresas emergentes em nichos específicos de mercado). Tal problemática tem sua origem no predomínio de empresas estatais pouco interessadas em inovar e, consequentemente, na ausência de competição entre empresas, o que impede o surgimento de um ambiente de pressão para inovar. Contudo essa análise está em parte equivocada, porque o papel do Estado é subestimado, como infelizmente é correntemente comum ver na área empresarial e na opinião pública em geral. Uma parcela importante de pesquisadores em inovações tem demostrado a importância do Estado como promotor, direto e indireto, das principais inovações no mundo, com especial destaque para o exemplo dos Estados Unidos, onde as grandes revoluções tecnológicas (como da microinformática) ocorreram na convergência do Estado com o setor privado, e não com o capital de risco privado como grande incentivador das inovações. Uma discussão bem fundamentada sobre esse tema encontra-se no livro intitulado O estado empreendedor: desmascarando o mito do setor público vs. setor privado, da economista ítalo-americana Mariana Mazzucato, publicado no Brasil em 2014.

A possível solução para esse problema está na realização de mudanças nas instituições e nas organizações chinesas no sentido de torná-las mais flexíveis, o que inevitavelmente passa pelo caminho da descentralização, pelo qual o governo chinês ainda não mostrou sinais de seguir. Essa situação conduz à segunda questão, relacionada ao papel tecnológico da China no mundo. A história das mudanças tecnológicas no mundo tem mostrado que as revoluções tecnológicas, muito frequentemente, acontecem e são reforçadas por algum grau de inclusão social e econômica da população de suas respectivas regiões de influência (aumento do mercado consumidor, maior qualificação da mão de obra, etc.). Nesse sentido, a China tem dado mostras de seguir esse caminho por meio da promoção das inovações inclusivas, ou seja, aquelas inovações voltadas aos estratos da população de baixa renda e/ou desenvolvidas por esses mesmos estratos. Portanto, esse é mais um motivo para termos um olhar atento nesse país asiático que, em breve, assumirá a dianteira no tabuleiro tecnológico mundial.


1Conforme o último OECD Science, Technology and Industry Outlook 2014, relatório bianual da OCDE sobre as principais tendências nos campos da ciência, da tecnologia e da inovação no mundo.

2 CRESCENZI, R.; RODRÍGUEZ-POSE, A.; STORPER, M. The territorial dynamics of innovation in China and India. Journal of Economic Geography, v. 12, n. 5, p. 1055-1085, 2012.

A indústria naval e offshore e o polo de Rio Grande: balanço e perspectivas

A indústria naval e offshore é uma indústria complexa que engloba um conjunto de atividades encadeadas em um período prolongado de tempo para o planejamento (engenharia e contratação) e para a montagem de um produto final de elevado valor agregado. Historicamente, por objetivos militares ou civis, a indústria naval possui uma internacionalização relativamente baixa, onde coexistem, hierarquicamente, grande diversidade de estruturas nacionais, distintas formas de organização da concorrência e variados portes de empresas.

Apesar de poder ser considerada madura em termos tecnológicos, a indústria naval e offshore tem sido objeto de contínua evolução em processos de produção nas últimas décadas. Grande parte dessas transformações está associada à busca de ganhos de produtividade relacionados à evolução das estruturas para corte e para pré-tratamento de chapas, à montagem de blocos, ao transporte de carga, à crescente automatização de diversas dessas etapas e à ampliação da infraestrutura dos estaleiros, cada vez maior e mais racionalizada (galpões, diques, logística para a movimentação e para o controle interno ao estaleiro, automação, etc.). O cumprimento dos prazos de entrega e a qualidade do produto final configuram vantagens competitivas importantes para os estaleiros-líderes e reforçam a importância das inovações no processo produtivo[1].

O investimento competitivo no setor naval e offshore — construção de estaleiros, desenvolvimento de empresas de engenharia e construção e de fornecedores locais — exige capital elevado, com longo prazo de maturação, bem como uma demanda relativamente estável por um prazo longo. Além da amortização do investimento e da acumulação de capital, necessárias para uma indústria tipicamente cíclica e associada ao comércio e à produção mundial, essa continuidade é importante para a cumulatividade do aprendizado tecnológico, tanto em termos de processos internos aos estaleiros quanto em relação à gestão da cadeia produtiva.

Entre os principais produtores mundiais, a superação de barreiras à entrada no setor foi realizada com ampla e diversificada política de estímulos, de planejamento e de atuação produtiva estatal, e também pelo aproveitamento, em um período inicial, de diferenciais de custo de matéria-prima, como o aço e a mão de obra (barata e qualificada). Essas políticas públicas possibilitaram a entrada desses países no setor e o desenvolvimento de players nacionais, estimulando a geração de elevado valor agregado em um setor com amplo encadeamento produtivo e tecnológico. Além dos benefícios macroeconômicos e do desenvolvimento tecnológico nos diversos estágios da cadeia de produção, deve-se destacar também a capacidade de o setor naval introduzir competitividade nos setores infraestruturais, como o de transporte e o de energia. Esses setores, ao mesmo tempo em que criam incentivos horizontais, beneficiando vários segmentos através da possibilidade de maior organização na estrutura de transporte, também possibilitam vantagens competitivas específicas que potencializam outras estratégias de acumulação, como a da indústria offshore de países produtores de petróleo.

O contexto histórico da indústria naval pode ser apresentado através das alternâncias de liderança ao longo das décadas, com os Estados Unidos e a Europa sendo ultrapassados pelo Japão no século XX, a Coreia do Sul superando o Japão entre 1980 e 1990, e a China aproximando-se da liderança da Coreia nos anos 2000. De forma geral, a utilização de mão de obra barata combina-se, historicamente, com as políticas de direcionamento de encomendas nacionais (petrolíferas, armadores e marinha), financiamento público e promoção de empresas locais em todos os países-líderes. Essas mesmas características podem ser encontradas em outros casos, como o da indústria naval de Cingapura, o da Noruega — líderes em segmento offshore — e o dos emergentes Vietnã e Índia.

Na primeira década dos anos 2000, que foi extremamente vigorosa para a indústria naval no mundo todo, os dois principais vetores que podem ser destacados como centrais para a expansão do investimento desse período foram o cenário positivo para a demanda de embarcações e o fortalecimento de políticas nacionais de desenvolvimento da indústria naval em um conjunto maior de países, facilitada especialmente pelo próprio aquecimento do mercado e pelo redirecionamento geográfico da demanda. Nesse contexto, o crescimento do comércio, do valor dos fretes, dos preços do petróleo e da participação dos países em desenvolvimento na atividade, com destaque para a China, impulsionaram a demanda por embarcações em todo o mundo[2].

No Brasil, esse movimento de evolução da indústria petrolífera permitiu importantes avanços no volume de investimentos e na modernização da indústria nacional de equipamentos de produção offshore. As transformações recentes da indústria naval, bem como as suas limitações, estão associadas diretamente ao volume e ao perfil dos investimentos da Petrobras e à sua evolução ao longo dos últimos anos, especialmente quando comparados com os de décadas precedentes. As transformações institucionais e a política industrial do setor de petróleo e gás brasileiro também cumpriram papel decisivo nessa evolução. Dessa forma, os anos 2000, no Brasil, caracterizaram-se pelo vigoroso processo de ascensão dos investimentos em exploração e produção (E&P), pelo maior direcionamento da demanda para o parque fornecedor nacional e pela progressiva estruturação de políticas e de instituições voltadas para o crescimento e para a competitividade da produção nacional offshore. Desde o início desse período, a sinalização de um maior direcionamento de encomendas ao País foi acompanhada pela realização de contratos com os estaleiros nacionais. Esse processo, no caso da indústria offshore, apresentou também a ampliação do conteúdo local nas rodadas de licitação da Agência Nacional do Petróleo (ANP) como importante elemento transformador da estrutura produtiva nacional.

Tal cenário foi responsável por um movimento de recuperação da capacidade produtiva da indústria naval offshore brasileira, que se deu em paralelo à retomada das encomendas de petroleiros (e, em menor medida, de navios de carga e porta-contêineres), estimulada pelo Programa de Modernização e Expansão da Frota (Promef) da Petrobras. Essa expansão da demanda esteve no centro da transformação da estrutura produtiva, que passou por uma recuperação de estruturas ociosas e, posteriormente, iniciou uma etapa de ampliação e de consolidação, com a emergência de novos players e estaleiros. Ao longo dessa segunda etapa, com início no final da primeira década dos anos 2000, não apenas se apresentam aprimoramentos importantes em termos de modernização e de capacitação dos players locais, como também surgiram novos desafios. Dentre eles, o próprio crescimento acelerado do setor e a necessidade de execução de grandes empreendimentos a prazos estreitos.

Além do processo de recuperação da indústria naval, uma importante inovação que emergiu dessa retomada foi o surgimento dos novos estaleiros, planejados e construídos a partir de encomendas da Petrobras. O estaleiro de Rio Grande é um exemplo importante da indústria offshore. Seu sucesso motivou posterior adensamento industrial em seu entorno, ainda em estágio inicial, além da consolidada desconcentração industrial naval e offshore brasileira. O polo naval e offshore de Rio Grande e seu entorno são compostos pelos estaleiros Rio Grande — ERG 1 e ERG 2, Honório Bicalho e Estaleiros do Brasil — e sua cadeia de fornecedores constitui um dos principais atores na retomada da indústria naval no País.

Além da ampliação da capacidade produtiva, a resposta sobre o nível de emprego foi expressiva. Considerando-se apenas as atividades de construção de embarcações e de estruturas flutuantes em Rio Grande, o volume de emprego direto na fabricação de plataformas passou de uma média de 111 empregos entre 2006 e 2009 para 7.479 em 2014 (Gráfico 1).

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Como resultado dessa expansão, a participação das atividades de fabricação de outros equipamentos de transporte no total do Valor Bruto da Produção (VBP) da indústria de transformação do Estado passou de 0,8% em 2007 para aproximadamente 2% em 2014. Dentro desse setor, a construção de embarcações detém a maior participação, passando de 0,7% do total do VBP da indústria de transformação gaúcha em 2007 para aproximadamente 1,7% em 2014 (Gráfico 2).

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A participação de Rio Grande no total do VBP da atividade de fabricação de outros equipamentos de transporte do RS, obtido a partir do valor das saídas fiscais dos municípios, passou de 21,3% em 2010 para 95,1% em 2013. Com isso, essa atividade passou de 7,4% do total do faturamento da indústria de transformação do município em 2010 para 62,2% em 2013, evidenciando a importância do polo naval para o município e para a indústria gaúcha (Gráfico 3).

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Desde 2014, no entanto, o segmento como um todo e o polo naval e offshore de Rio Grande especificamente entraram em crise. A queda do preço do petróleo a partir da metade desse ano fez com que a demanda mundial por embarcações e estruturas flutuantes fosse reduzida. No País, o avanço das investigações envolvendo a Petrobras produziu retardos nos pagamentos e nas decisões de investimento e expansão da produção, que inviabilizaram e dificultaram as operações de empresas do setor. As consequências dessa crise foram o redimensionamento das encomendas e de seus preços e a redução do emprego no setor. Até o final de 2015, ante o pico de pessoal empregado observado em 2013-14, a queda no emprego direto do setor de construção de embarcações no Brasil foi de 9.850 empregos, sendo 1.730 em Rio Grande (Gráfico 4). Contudo, se considerados os impactos ao longo da cadeia produtiva, a retração do volume de emprego é muito maior.

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Além da queda do emprego industrial, os impactos da crise do setor repercutem em toda a economia, pois o País possui um sistema de inovação para a produção petrolífera que é altamente competitivo em algumas áreas. A continuidade desse domínio tecnológico em atividades altamente intensivas em conhecimento por um grupo de empresas brasileiras possibilitaria encurtar a distância com os países que hoje estão na fronteira da tecnologia. Esse fato mostra o impacto da Petrobras na economia brasileira. Nesse sentido, é importante retomar o aprofundamento do desenvolvimento tecnológico e o domínio de conhecimentos relacionados ao setor naval e à cadeia de petróleo e gás, cujo alcance não se restringe apenas à indústria do petróleo, mas repercute em outras áreas da economia. Com o estabelecimento do novo governo em maio de 2016, as perspectivas do setor, no País, e do polo naval de Rio Grande dependerão das condições dos preços internacionais do petróleo, dos rumos da política industrial e do papel que será exercido pela Petrobras nesse processo.


[1] RODRIGUES, F. H.; RUAS, J. A. G. Sistema produtivo 07: perspectivas do investimento em mecânica. Campinas: UNICAMP, 2009. Projeto perspectivas do investimento no Brasil. Bloco: produção. Sistema produtivo: mecânica. Documento setorial: naval. Disponível em: . Acesso em: 08 jul. 2016.

[2] Para maiores detalhes, ver a AGÊNCIA BRASILEIRA DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL (ABDI). Relatório de acompanhamento setorial: equipamentos de produção de petróleo offshore (Epo): estrutura do setor e perspectivas para o Brasil. Campinas, 2012. Disponível em: < http://www.abdi.com.br/Estudo/000%20-%20neit_EPO_01.pdf >. Acesso em: 08 jul. 2016.

Os países em desenvolvimento no radar comercial do RS: o caso das máquinas agrícolas

Ao se projetar a inserção econômica do Rio Grande do Sul, tende-se a destacar os principais destinos de exportação — Argentina, China e Estados Unidos, não necessariamente nessa ordem — e os principais itens exportados: complexo da soja, carnes (sobretudo suínos e frangos), químicos e tabaco. Ainda que seja desejável ampliar ou manter os fluxos econômicos do Estado para esses países e nesses setores, convém explorar as oportunidades oferecidas pelos mercados com considerável potencial de crescimento econômico para as próximas décadas. Trata-se dos países em desenvolvimento ou emergentes, sobretudo os localizados no sul da Ásia e na África Subsaariana.

Na atualidade, os países emergentes já compõem a maioria dos destinos, em termos de valor, das exportações gaúchas, seguindo a tendência do próprio Brasil, conforme se observa no Gráfico 1. Em 2014, segundo dados divulgados pela Fundação de Economia e Estatística (FEE), somando-se os quatro parceiros do Brasil nos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) com os países latino-americanos, obtém-se mais da metade de todas as exportações do Estado (as proporções são, respectivamente, 27,2% e 23,8%). Ao se acrescentarem outros países emergentes da África, da Ásia e do Oriente Médio, essa proporção certamente se amplia. Os países do núcleo desenvolvido — América do Norte (9,2%), Europa (16,8%) e Japão (1,22%) — permanecem relevantes, mas sua proporção reduziu-se nas últimas duas décadas.

Participação de países e grupos de países nas exportações gaúchas — 2003-14

É complicado caracterizar o comércio com os países emergentes de forma geral, uma vez que há diferenças em cada região geográfica analisada. Enquanto o comércio com os países do leste da Ásia (China, Coreia do Sul, Índia e Vietnã) tem apresentado uma pauta amplamente dominada pela soja e por seus derivados, no que tange à África e aos países vizinhos do Brasil, as exportações são mais diversificadas. No comércio com a Argentina, por exemplo, apesar das flutuações e das restrições recentes, destacam-se itens de médio e alto valor agregado, como máquinas agrícolas, automóveis, insumos industriais e produtos químicos. Com os países africanos e do Oriente Médio, destacam-se, além da soja, produtos de outros setores, como o caso de carnes em geral para Angola (cerca de US$ 108 milhões em 2014, ou quase 54% do total exportado para esse país), tabaco para Indonésia (47% da pauta para o País), e arroz para Cuba (45% da pauta), de acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC).

A análise do período recente, no entanto, não deve obscurecer o enorme potencial de intensificação da corrente comercial para parte considerável dos países emergentes. As expectativas de ampliação das fronteiras agrícolas na América Latina e na África, por exemplo, colocam, simultaneamente, oportunidades e desafios para a inserção do Rio Grande do Sul na economia global. Ao mesmo tempo em que os países latino-americanos e africanos competem diretamente na produção e na exportação, como na de soja e milho, a ampliação das atividades agrícolas nessas regiões pode ir ao encontro dos interesses do setor de máquinas e equipamentos do Estado, logrando, oportunamente, a assinatura de negócios significativos com alguns países daquela região. Essa questão é particularmente importante em um contexto de reprimarização da pauta exportadora observada no período recente.

Atualmente, os países africanos e latino-americanos compram 92% das exportações gaúchas de máquinas agrícolas, conforme pode ser observado no Gráfico 2. Esse dado torna-se ainda mais significativo quando se tem em mente que esse índice atingia 72% em 2005. Esse processo acompanha um movimento geral da política comercial brasileira na última década, que enfatizou a inserção econômica em mercados emergentes. No tocante às máquinas agrícolas, essa estratégia permite que o Rio Grande do Sul tenha demanda para os setores industriais que têm enfrentado muitos obstáculos para competir no mercado externo. Isso porque, por excelência, as economias da América Latina e da África, salvo poucas exceções, são marcadas pelo predomínio do setor agrícola, viabilizando a retomada da indústria na pauta de exportações gaúchas.

Composição do valor total das exportações de máquinas agrícolas do Rio Grande do Sul — 2003-14

Na África, Etiópia, Chade, Moçambique e Ruanda estão entre os 10 países que mais cresceram economicamente no século XXI. Esses, diferentemente de Angola e Nigéria, não são ricos em recursos minerais e avançaram em função de seu desenvolvimento agrícola. Dado seu estágio inicial de desenvolvimento, esses países carecem de máquinas para a expansão de sua produção agrícola, o que abre espaço para a economia gaúcha. De fato, em 2013, o Governo brasileiro assinou um acordo para financiar exportações de equipamentos agrícolas para a África através do Programa de Financiamento às Exportações (Proex). Essa medida insere-se no Programa Mais Alimentos Internacional, cujo intuito é fomentar o desenvolvimento da agricultura africana. Por fim, a linha de crédito que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) oferece para as exportações de produtos não agrícolas também pode ser aproveitada pela indústria gaúcha interessada em exportar para a África.

Ademais, entre os latino-americanos, realçamos Bolívia e Paraguai, cujo Produto Interno Bruto (PIB) vem expandindo-se a passos largos, com base, respectivamente, na ampliação da agricultura familiar e no progresso da cultura da soja. Esse fenômeno já é sentido pela indústria gaúcha, que tem vendido cada vez mais para produtores bolivianos e paraguaios. Neste último caso, frisa-se que a grande presença de brasileiros (muitos dos quais nascidos no Rio Grande do Sul) radicados no Paraguai possibilita o fortalecimento de laços entre a produção rural do País e o setor gaúcho de máquinas agrícolas. Além disso, também é digno de nota o aumento das exportações para a Venezuela, a despeito da aguda crise econômica que assola o País, movimento que muito provavelmente está relacionado ao ingresso de Caracas no Mercado Comum do Sul (Mercosul), uma demanda antiga de grupos industriais brasileiros. Uma exceção a essa regra é representada pela Argentina, cuja política comercial protecionista, intensificada a partir de 2009, provocou redução de pouco mais da metade das vendas entre 2007 e 2013.

A promoção econômica e comercial no plano externo, diferentemente do caso das relações políticas e diplomáticas, não é atribuição exclusiva da esfera federal. Estados e municípios podem – e devem – promover, no estrangeiro, os setores econômicos locais. De fato, na prática internacional, tem sido observada uma intensificação das atividades externas de autoridades subnacionais na economia global, funcionando, na maior parte das vezes, como um complemento aos esforços dos respectivos corpos diplomáticos oficiais, ou como elos entre os últimos e a comunidade empresarial. A construção de laços econômicos do Rio Grande do Sul com países e regiões que historicamente tiveram participação bastante limitada no radar comercial serve aos interesses da sociedade gaúcha e reforça a política externa brasileira voltada à diversificação de parcerias.