Texto sob autoria de: Clarissa Black

Clarissa Black

Economista, Pesquisadora da FEE

O preço da soja nos últimos 10 anos

Os países exportadores de soja, como o Brasil, e o Estado do Rio Grande do Sul beneficiaram-se da valorização do preço do grão no mercado internacional nos últimos anos. Apesar de a apreciação cambial ter acompanhado a alta de preços em dólar no período 2006-11 — a qual prejudicou outros setores exportadores, em especial o manufatureiro —, o preço da soja, quando convertido em moeda doméstica, elevou-se, conforme Gráfico 1:

Preço da soja por tonelada métrica — jan./06-maio/15

A elevação dos preços teve um impacto positivo na renda interna, mesmo que os formuladores de políticas e os produtores internos não tenham influência na determinação do preço da soja. Assim sendo, se o preço é determinado exogenamente, torna-se pertinente o estudo de seu movimento no mercado internacional, assim como o apontamento dos possíveis eventos que estejam colocando em marcha a sua trajetória.

Para isso, primeiramente, é preciso ressaltar o contexto no qual se enquadra a valorização da soja nos últimos anos. Na segunda metade de 2006, a soja — assim como as demais commodities agrícolas — inseriu-se em uma trajetória de crescimento dos preços internacionais desses produtos, que já vinha sendo puxada por metais e combustíveis desde, pelo menos, meados de 2003.

Esse boom recente dos preços de commodities é singular em termos de abrangência de produtos, duração e magnitude dos movimentos, de acordo com a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) e o Banco Mundial. Esse foi o boom mais intenso e extenso desde o século anterior, e o único que envolveu simultaneamente os três grupos de commodities: agrícolas, metálicas e combustíveis.

Nesse ínterim, insere-se o comportamento do preço da soja. Conforme os dados do Fundo Monetário Internacional, o preço, em dólares, da oleaginosa multiplicou-se por 2,65 entre abril de 2006 e julho de 2008, sendo este último o ápice do preço até então. Logo após, desvalorizou-se bruscamente em meio à crise financeira mundial, com origem no mercado de subprime, nos Estados Unidos.

Para muitos, esse seria o fim do boom de preços, seguindo a típica dinâmica boom-bust. No entanto, apesar dessa forte queda, os preços iniciaram um movimento de recuperação logo em seguida, mesmo antes de a economia mundial dar os primeiros sinais de retomada da atividade econômica após a crise que teve como estopim a queda do banco Lehman Brothers.

Dessa forma, não se pode afirmar que a crise financeira de 2008 representou o fim desse movimento de valorização, pois o preço da soja não somente se recuperou da queda como, em agosto de 2012, atingiu uma nova marca histórica, o que representou uma elevação de 12,41% em relação ao pico anterior. Vale ressaltar que, no primeiro semestre de 2012, tanto os preços em dólar quanto a taxa de câmbio R$/US$ elevaram-se, o que permitiu uma performance duplamente positiva do ponto de vista da valorização das exportações da commodity para o Brasil e para o Rio Grande do Sul.

A partir de então, o preço da soja desacelerou, mas manteve-se em uma relativa estabilidade até 2014. A partir do último trimestre desse ano, emergiu uma tendência mais evidente de depreciação do preço internacional. Apesar dessa redução de valor, ainda se mantém em um patamar superior em relação aos anos iniciais de crescimento — o preço da soja em dólar, em março de 2015, é ainda 72,14% superior ao de abril de 2006. Ademais, o câmbio teve um papel importante para evitar uma queda mais acelerada nos preços em reais (na verdade, houve uma recuperação do preço em reais desde o último trimestre de 2014, conforme o Gráfico 1).

A causa geralmente apontada como determinante exclusivo para os movimentos do preço internacional da soja é a demanda chinesa. Para o período de valorização, ou seja, de 2006 até o momento anterior à crise internacional de 2008, o crescimento chinês e a sua demanda, principalmente da produção de ração suína, são a explicação simplista usual.

No entanto, segundo alguns estudos do Banco Mundial, o crescimento do consumo médio anual de soja é superior no período que antecede o boom, ou seja, de 1997 a 2002 (5,8% no mundo e 16,1% na China) em comparação com o período do boom 2003-08 (3,3% no mundo e 8,7% na China).

Já no período da crise internacional, também não parece ter sido a demanda chinesa a responsável pela queda abrupta nos preços, tampouco parece coerente atribuir somente a ela a recuperação de preços no período pós-crise.

Frente a isso, a Unctad atribui ao movimento brusco de queda e reversão de preços em 2008-09 a evidência da influência da especulação financeira nos preços, haja vista a redução das posições dos investidores de índice em mercados futuros de commodities ter ocorrido em simultâneo à redução de preços. A retirada das posições em mercados futuros ocorreu face às necessidades de cobrir as perdas financeiras com a crise. Já a retomada das posições ocorreu na sequência da injeção de liquidez do banco central norte-americano.

No período pós-boom da soja, 2013-15, a causa apontada para a desaceleração dos preços é a taxa de crescimento menor do Produto Interno Bruto (PIB) chinês e das suas importações de commodities. De fato, as importações chinesas de soja, em valor, caíram de forma simultânea à queda nos preços das commodities. No entanto, não se pode esquecer que o valor das importações é a multiplicação do quantum importado e dos seus preços. Dessa forma, se o preço cai, o valor das importações também deve cair. Por isso, o indicador mais adequado é a análise das importações em quantum.

Ao se analisar esse indicador, percebe-se que houve uma desaceleração na taxa de crescimento das importações chinesas de soja, em volume, no período pós-boom, mas essa não parece ser a única explicação para esse movimento, pois é preciso ressaltar que o consumo chinês de soja cresce a taxas decrescentes desde antes do início do boom, conforme o Gráfico 2:

Volume e taxa de crescimento das importações chinesas de soja, em quantum — 2000-13

Frente a isso, surge o questionamento de quais seriam os demais possíveis fatores que poderiam impactar o preço da soja. Nesse sentido, podemos apontar a política monetária estadunidense, a especulação financeira e os custos de produção. Dentre os fatores, destacamos o possível impacto do preço do petróleo no preço da soja. Segundo o Banco Mundial, o preço das duas commodities apresenta relação sincrônica a partir do ponto no qual o preço do petróleo atinge a marca entre US$ 50 e US$ 60. Uma explicação para isso pode estar no fato de que o petróleo é o principal componente dos fertilizantes utilizados na produção, ainda de acordo com o Banco Mundial. Já o posicionamento da Food and Agriculture Organization (FAO) tem enfatizado o papel dos biocombustíveis nesse processo.

Por todos esses motivos, não se deve subestimar a complexidade da temática que envolve o estudo dos determinantes do preço da soja. A negligência desses possíveis determinantes pode pegar de surpresa os formuladores de política obstinados pela necessidade de dar uma resposta rápida e simples a um fenômeno que se mostra mais complexo do que se imagina.