Texto sob autoria de: Cecilia Rutkoski Hoff

Cecilia Rutkoski Hoff

Pesquisadora em Economia da FEE. Economics Researcher at the FEE.

A Petrobras ainda importa para a economia brasileira

Maior empresa brasileira e uma das gigantes do petróleo mundial, a Petrobras transitou, nos últimos anos, de uma posição de fiadora do futuro do País para a de representante destacada do conjunto de expectativas frustradas que acompanhou o fim do ciclo de crescimento econômico alcançado no período 2004-10. A descoberta das imensas reservas do Pré-Sal, em uma conjuntura de valorização dos preços do petróleo em nível internacional, trouxe consigo a perspectiva de um futuro próspero, em que prevaleceriam a autonomia energética, os superávits no balanço de pagamentos, o desenvolvimento industrial e tecnológico e a redução das desigualdades regionais. Como empresa de capital majoritariamente estatal, a Petrobras assumiria, assim, um papel de liderança no desenvolvimento nacional. Hoje, o “pêndulo” mudou de lado, e as expectativas são mais modestas, pessimistas às vezes. A conjuntura de euforia da primeira década dos anos 2000 propiciou a consecução de projetos que, à luz do cenário atual, se revelaram irrealistas quanto aos prazos, custos e premissas de longo prazo. Tal fenômeno, em conjunto com a queda do preço do petróleo, com a adoção de uma política de preços controvertida e com os escândalos de corrupção, conduziu a Petrobras a uma situação de fragilidade financeira que, entre muitas consequências, contribui para que se forme uma percepção minorada sobre a sua importância para o País. Apesar da crise, a Petrobras ainda importa, tanto em termos econômicos quanto estratégicos, para o desenvolvimento brasileiro.

O investimento conduzido pela Petrobras representa uma parcela importante do investimento nacional. Corresponde, atualmente, a mais de 50,0% da parcela da formação bruta de capital fixo (FBCF) do Governo Central e das empresas estatais, que se ampliou a partir de 2008, não pela redução dos demais investimentos do Governo, mas pelo crescimento de ambos como proporção do produto nacional (Gráfico 1). Entre 2008 e 2014, o investimento da Petrobras passou a representar, em média, 7,2% da FBCF total brasileira, contra 4,5% entre 2002 e 2007 (Gráfico 2). Quando se exclui a construção civil residencial, que responde por aproximadamente 20,0% da FBCF no País, o investimento conduzido pela petroleira passa a representar cerca de 9,0% do total do investimento nacional em construção de edifícios e estruturas não residenciais, máquinas e equipamentos e produtos de propriedade intelectual.

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O crescimento dos investimentos na exploração de petróleo e gás tem-se revelado no dinamismo de alguns indicadores, entre os quais, a produção da indústria extrativa. Conforme o Gráfico 3, cujos índices foram construídos com base em dezembro de 2002, percebe-se que, desse período até junho de 2016, a produção física da indústria extrativa acumulou um crescimento de cerca de 50,0%, enquanto a indústria de transformação expandiu-se em menos de 10,0%. É verdade que parte desse crescimento pode ser atribuído ao incremento da extração de minério de ferro, atividade também favorecida pela elevação dos preços verificada até meados de 2012. Tal reconhecimento não diminui, contudo, a importância da atividade de extração de petróleo e gás para o desempenho do setor, que responde pela maior parcela da indústria extrativa (65,0% contra 30,0% do minério de ferro).

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A partir de meados dos anos 90, a produção nacional de petróleo e gás ingressou em uma trajetória de crescimento acelerado (Gráfico 4). Atualmente, a produção de petróleo encontra-se em 2.500 mil barris/dia, o que representa um crescimento de 98,0% desde o início dos anos 2000, enquanto a de gás natural está em 600 mil barris/dia, um incremento de 165,0% no mesmo período. Ao mesmo tempo, a parcela do petróleo que é processada nas refinarias nacionais evoluiu de 80,0% em 2010 para 88,0% em 2016. Desde o início dos anos 2000, o volume de petróleo processado nas refinarias nacionais aumentou em cerca de 20,0%, uma expansão importante, ainda que não proporcional ao aumento da produção. Finalmente, a ampliação da produção de petróleo e gás tem favorecido as contas externas brasileiras, mesmo que de forma não exclusiva, visto que tanto a recessão quanto a redução dos preços no mercado internacional também têm contribuído para a ampliação do superávit comercial. Refletindo a conjunção desses três fenômenos, o déficit na balança comercial de combustíveis reduziu-se de US$ 14,6 bilhões em 2014 para US$ 5,4 bilhões em 2015 e US$ 0,9 bilhão no acumulado do primeiro quadrimestre de 2016.

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Apesar de ainda repousar sobre uma base produtiva sólida, a Petrobras vem enfrentando evidentes dificuldades na conjuntura atual, sobretudo no que se refere à sua saúde financeira. As novas perspectivas, relativamente modestas, para a evolução da demanda mundial a conduziram a um reescalonamento do plano de crescimento da produção, bem como à adoção de premissas mais realistas para o comportamento futuro de variáveis como a taxa de câmbio e os preços. No Plano de Negócios de junho de 2015, lançado ainda na presidência de Ademir Bendine, estimou-se que a produção de petróleo deve alcançar 2.800 mil barris/dia até 2020, uma redução importante em relação à previsão do plano anterior, de 4.200 mil barris/dia. Não se trata, contudo, de um movimento exclusivo da Petrobras. Observa-se uma tendência ampla de moderação no ritmo de crescimento da produção. No novo plano, as previsões de crescimento da produção mundial são de 1 milhão de barris/dia por ano, até 2020, enquanto, no plano anterior, eram de 1,6 milhão de barris/dia para o mesmo período.

A conjunção de um cenário que envolve a assunção de perspectivas mais moderadas para a produção e para os preços com os excessos cometidos no passado recente e, sobretudo, com o elevado montante de investimentos necessários à exploração do Pré-Sal ampliou o grau de alavancagem da empresa e os seus custos de financiamento. Tal fragilidade induziu a elaboração de um plano de venda de ativos e a revisão dos investimentos, que visam tanto à redução do endividamento quanto à concentração de esforços e recursos na exploração do Pré-Sal. No que diz respeito aos desinvestimentos, na revisão de janeiro de 2016 do Plano de Negócios, a Petrobras esperava desfazer-se de ativos no montante de US$ 15,1 bilhões entre 2015 e 2016 (tendo alcançado apenas US$ 0,7 bilhão em 2015) e de US$ 42,6 bilhões entre 2017 e 2018. Tal medida contribuiria para a redução da dívida líquida da empresa, que supera os US$ 100,0 bilhões. Quanto aos investimentos, estimou-se que seriam da ordem de US$ 98,4 bilhões entre 2015 e 2019 (uma redução de US$ 32 bilhões em relação ao plano anterior), com foco nas atividades de produção e exploração. Convertendo-se à taxa de câmbio atual, de cerca R$ 3,3/US$, esse montante equivaleria a uma média anual de investimentos da ordem de R$ 80,0 bilhões, pouco superior à média de 2011-15 (R$ 72,0 bilhões).

Assim, a tendência é que a parcela da Petrobras no investimento nacional continue a se reduzir, enquanto, em termos de sua composição, amplia-se a participação das atividades de exploração e produção, em detrimento das demais, como, por exemplo, a capacidade de refino, que vinha crescendo nos últimos anos. Com a nova presidência da empresa, mais ajustes são esperados. A expectativa, porém, é de que as linhas gerais, de redução da alavancagem, de concentração dos investimentos no Pré-Sal e de moderação nas projeções, sejam mantidas. Apesar da redução, ao que parece estrutural, dos preços do petróleo no mercado internacional, há indicativos de que o patamar atual ainda seja suficiente para viabilizar a exploração do Pré-Sal. Na eventualidade de uma nova rodada de queda dos preços, essa estratégia também estaria em xeque.

O novo cenário para os preços do petróleo, para além da indução de uma revisão estratégica nos investimentos, pôs em questão também a política de preços que vem sendo tradicionalmente conduzida pela Petrobras. A política consiste em evitar a transferência imediata das oscilações no exterior para o mercado interno, o que se justifica pela intenção de reduzir a volatilidade e a indexação dos preços domésticos. Nessa estratégia, os repasses são conduzidos apenas quando as mudanças, no patamar internacional dos preços do petróleo, revelam-se duradouras. Tal definição compreende, de todo modo, algum grau de subjetividade. Em 2012-14, face à manutenção de um nível elevado de preços no mercado internacional, a contenção dos repasses parece ter sido estendida por tempo demasiado (Gráfico 5). Por outro lado, em 2015-16, a política que mantém os preços dos combustíveis elevados no mercado interno, mesmo diante da redução dos preços no mercado internacional, parece complementar a estratégia de desafogo financeiro — ainda que de forma não explícita —, atuando tanto no sentido de compensar as perdas com a política de preços anterior, que já estão quase zeradas, quanto na ampliação dos recursos em caixa no curto prazo.

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O duplo caráter da Petrobras, ao mesmo tempo companhia de capital aberto e estatal, impõe o desafio do equilíbrio e da conciliação de estratégias de mercado e de Estado. A revisão do modelo de exploração do Pré-Sal, que libera a empresa da obrigatoriedade de operar todos os campos dessas reservas e, ao mesmo tempo, preserva a sua preferência para aqueles considerados estratégicos, pode atender a esses requisitos, desde que, e isso é importante, a prerrogativa seja de fato exercida. Insuflado pela conjuntura favorável, o retorno de alguns projetos parece, de fato, ter sido superestimado. Nesse contexto, o exercício compulsório da liderança na exploração de todos os campos, além de onerar excessivamente a empresa, poderia reduzir o ritmo de crescimento dos investimentos. Fenômeno semelhante pode ser aferido na política de conteúdo nacional. Mesmo tratando-se de um instrumento amplamente utilizado pelos países produtores de petróleo para estimular a industrialização e o emparelhamento tecnológico, traz a possibilidade de perda de competitividade em um cenário de margens de lucro mais estreitas.

Entretanto, se a adesão a projetos ambiciosos embute, na atual conjuntura, riscos não negligenciáveis, a renúncia completa à utilização do petróleo como recurso estratégico também não desponta como solução. Como estatal, a Petrobras ainda cumpre o papel de estimular os projetos que, ajustados ao cenário de preços mais baixos, atendam aos interesses do País. Tal tarefa transcende a manutenção da liderança na exploração dos recursos mais robustos. Envolve, também, o direcionamento do conhecimento e do capital acumulados pela empresa ao atendimento de interesses mais amplos, entre os quais o estímulo à produção de energias renováveis, a geração de inovações e a redução das desigualdades regionais.

A política externa brasileira em xeque

O aparente isolamento do Brasil face à emergência recente de mega-acordos comerciais e a adoção, nos últimos anos, de medidas com vistas a ampliar o adensamento industrial e tecnológico — como as previstas no Inovarauto ou a mudança do regime de exploração do Pré-Sal — reacenderam, no País, o velho debate sobre as vantagens e as desvantagens da proteção. Segundo a teoria econômica convencional, a liberalização do comércio, ao contribuir para a valorização das vantagens comparativas oriundas da dotação natural de recursos dos países, tenderia a induzir a sociedade mundial a uma divisão do trabalho mais propícia à ampliação dos ganhos de produtividade e renda no longo prazo, a despeito de possíveis perdas setoriais no curto prazo.  As abordagens alternativas, de outro lado, apresentam uma série de argumentos que justificam a intervenção, como a proteção à indústria nascente — sob a hipótese de que as vantagens comparativas podem ser “criadas” através de processos deliberados de industrialização —, a distribuição de renda, a segurança nacional, a segurança alimentar, além dos diversos problemas que podem resultar da especialização de um país na produção de produtos primários.

Mesmo que se reconheça a necessidade de regulação do comércio internacional por parte dos governos nacionais, pelas razões descritas acima e outras mais, como, por exemplo, o dumping e o comércio desleal, a teoria econômica também aponta o risco de que eventuais distorções alocativas, decorrentes da intervenção dos governos no funcionamento dos mercados, gerem custos excessivos para a sociedade. Na terminologia convencional, aponta-se o risco de que as “falhas de governo” acabem por se tornar maiores do que as “falhas de mercado”, as quais se busca corrigir. Em seu artigo, Thomas Kang apresenta o debate acadêmico recente sobre os benefícios e os custos da proteção comercial, assumindo que, no campo da política econômica, esse debate muitas vezes toma proporções dogmáticas e parece não ter fim. Conforme Kang, a questão central aparentemente não está em proteger ou não proteger, mas em “quanto e como se protege”.

A Organização Mundial do Comércio (OMC) foi criada com o objetivo de supervisionar e coordenar a adoção de medidas de liberalização do comércio internacional. Desde 1995, a Organização substituiu o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT, em inglês), que emergiu do conjunto de instituições internacionais criadas no pós-guerra, a partir dos Acordos de Bretton-Woods. O GATT visava estimular o livre comércio de forma multilateral, arbitrando as diferenças entre os países nos processos de liberalização, com o objetivo de evitar a repetição da escalada de protecionismo verificada no período entreguerras. Tal tarefa, agora conduzida pela OMC, tem-se revelado complexa, na medida em que envolve uma série de assimetrias entre os países, ainda mais evidentes após a crise do subprime, nos EUA. Não surpreende, portanto, que as rodadas de negociações multilaterais conduzidas pela OMC avancem com dificuldades. A Rodada de Doha, iniciada em 2001 e sem perspectiva de terminar, evidencia esse fenômeno.

Em paralelo às negociações conduzidas via OMC, os acordos regionais de comércio, denominados Acordos Preferenciais de Comércio (APCs), têm ganhado cada vez mais importância. Desse processo, surgiram, recentemente, dois mega-acordos comerciais: o Trans-Pacific Partnership (TPP), envolvendo 12 países da Ásia e das Américas; e o Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP), envolvendo os EUA e a União Europeia. Tais acordos transcendem os processos de redução tarifária, envolvendo questões mais amplas, como as barreiras não tarifárias, a criação de mecanismos supranacionais de resolução de litígios, os direitos à propriedade intelectual, normas trabalhistas, manipulações cambiais, compras governamentais, meio ambiente, etc. Ou seja, esses mega-acordos inauguram um novo marco regulatório para o comércio internacional. Em seu artigo, Robson Valdez aborda os APCs em perspectiva histórica, destacando a onda de regionalismo que começou com a Comunidade Europeia e o North American Free Trade Agreement (NAFTA) e que culminou, nos últimos anos, no TTIP e no TPP.

Para o bem ou para o mal, os APCs, e, sobretudo, os dois últimos mega-acordos, têm colocado a estratégia de inserção externa da economia brasileira em xeque. A política externa brasileira sempre privilegiou as negociações multilaterais no âmbito da OMC. Tal estratégia se justificou, até o momento, pelo entendimento de que a negociação em bloco permite um maior poder de barganha aos países em desenvolvimento, relativamente fechados e com grandes e cobiçados mercados internos, como, por exemplo, o Brasil e a Índia. Porém, as negociações multilaterais vêm sendo esvaziadas pelos países desenvolvidos, em privilégio dos mega-acordos. Em seu texto, Beky Moron de Macadar explora os desafios que esses mega-acordos impõem para a política externa brasileira. Na prática, o País tende a enfrentar tarifas mais elevadas do que os seus concorrentes nos mercados dos EUA e da União Europeia, ao mesmo tempo em que pode assistir à erosão das preferências comerciais com as Américas do Sul e Central. Por outro lado, uma eventual adesão do Brasil como membro se daria com “espaço escasso para negociar os seus interesses”. Para Macadar, apesar dos desafios, que não são poucos, os mega-acordos representam uma oportunidade para que o País reveja a sua estratégia e adote medidas que possam contribuir para o aumento da sua produtividade.

Ainda sobre os desafios que os mega-acordos impõem ao Brasil, Tomás Amaral Torezani busca, em seu texto, avaliar os seus potenciais efeitos sobre os setores da economia brasileira, seja em termos de desvio de comércio, seja quanto à possibilidade de erosão de acessos preferenciais alcançados em negociações anteriores. Para Torezani, podem ocorrer desvios de comércio de produtos primários do Brasil para a Ásia, em favor de concorrentes como EUA, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Também podem ocorrer desvios nos mercados brasileiros de bens manufaturados nos EUA e na América do Sul. Em termos de crescimento econômico, os efeitos podem não ser significativos, haja vista que o Brasil ainda é um país relativamente fechado. Porém, tais movimentos podem reforçar o processo de desindustrialização brasileiro, afetando, sobretudo, a indústria automobilística. Para o autor, a emergência dos mega-acordos e a não participação do Brasil tendem a reforçar a característica brasileira de exportador de commodities, assim como os laços com a China, dois outsiders.

O entrevistado desta edição é o Prof. Jorge Arbache, da Universidade de Brasília (UNB). A entrevista aborda não apenas os desafios que os mega-acordos representam para o Brasil, como também algumas questões mais amplas por trás desses acordos, com destaque para a crescente integração dos mercados de serviços, sua área de pesquisa mais recente.

Boa leitura.

Os nexos econômicos entre o Mercosul e o Rio Grande do Sul

A localização meridional do Rio Grande do Sul, por muitos considerada “excêntrica”, devido à distância em relação aos grandes centros consumidores do País, ganha contornos de centralidade quando se trata do Mercosul. Afinal, a fronteira aberta com o Uruguai e a Argentina confere ao Estado uma posição privilegiada para o estabelecimento de conexões produtivas e comerciais entre os países do bloco e o Brasil. Inicialmente entendido como ameaça à economia gaúcha, dadas as similaridades produtivas com os países vizinhos — principalmente quanto à importância do agronegócio —, o Mercosul logo se constituiu em um atrativo para a realização de investimentos no Rio Grande do Sul. Da safra de investimentos realizados nesse contexto, destacam-se os feitos no setor automotivo, cuja divisão do trabalho no âmbito regional envolveu complementaridades e interdependência entre as produções realizadas no Brasil e na Argentina, e no setor de máquinas e equipamentos para a agricultura, cuja localização no Estado mostrou-se estratégica para o atendimento dos países vizinhos e da demanda crescente do centro-oeste brasileiro. O Mercosul representou, de início, uma oportunidade estratégica para a transformação da estrutura produtiva do Estado.

[…] a integração com os países do sul do continente começa a revelar-se capaz de alterar até mesmo as características maiores da economia gaúcha. Com efeito, o estado começa a abandonar a sua posição historicamente periférica (no contexto brasileiro) para assumir uma posição central, no âmbito da economia integrada. Refletindo e ao mesmo tempo materializando a mutação em curso começam a ser tomadas decisões de investimento concebidas e dimensionadas em função do Mercosul.[1]

Passados mais de 25 anos da sua criação, o Mercosul ainda importa estrategicamente para a economia gaúcha, embora as expectativas e as oportunidades quanto ao futuro do bloco se mostrem menos promissoras.

A economia gaúcha é mais aberta ao Mercosul do que a média nacional, seja devido às complementaridades produtivas construídas, seja em virtude da maior participação das importações, cuja porta de entrada é o Estado e cujo destino, muitas vezes, é o centro do País. Na média do período 1991-2014, as vendas para o Mercosul representaram 14,0% das exportações gaúchas e 11,2% das exportações brasileiras. Por outro lado, as importações do Mercosul representaram, na mesma base de comparação, 32,5% das compras externas gaúchas e 9,8% das brasileiras (Gráfico 1).

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Quando se comparam as exportações gaúchas para o Mercosul com as destinadas a outras regiões, também fica evidente a sua relevância para o Estado (Gráfico 2). Ao longo de praticamente todo o período 1991-2014, o Mercosul foi o terceiro maior destino das exportações gaúchas. A participação média do valor exportado só foi superada pela União Europeia (22,8%) e pelos Estados Unidos (19,9%). Contudo, a relevância de ambos na pauta exportadora do Rio Grande do Sul vem reduzindo-se significativamente nos últimos anos.

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Na divisão entre os sócios do bloco, na média do período 1991-2014, 62% do valor exportado voltou-se para a Argentina, 19% para o Paraguai e 18% para o Uruguai. De 1991 a 2009, o valor das exportações do Rio Grande do Sul para o Mercosul cresceu a uma taxa média anual de 15%, enquanto o total das vendas externas do Estado expandiu-se em 9%. No período mais recente, porém, vê-se uma mudança nessa dinâmica: as vendas do Estado para os países-membros retraíram-se 2% no período 2010-14, enquanto o total das exportações do Estado cresceu 4%. Essa mudança reflete, basicamente, a retração de 9% das vendas para a Argentina no período.

A relevância do Mercosul para a economia gaúcha, pelo menos no que tange ao comércio internacional, fica ainda mais evidente quando se desagrega a composição das exportações para o bloco. Analisando-se as exportações gaúchas em um período mais recente (2007-14) e por fator agregado, percebe-se que, enquanto a composição da pauta exportadora do Rio Grande do Sul para o mundo (Gráfico 3) apresenta predominância de produtos básicos (média de 52%), a composição das vendas para o Mercosul (Gráfico 4) tem, nos produtos manufaturados, o maior peso (92%), o que revela um padrão bem contrastante.

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O mesmo padrão pode ser visto quando as exportações gaúchas são classificadas por intensidade tecnológica. A pauta exportadora para o Mercosul apresenta maior peso de produtos de média-alta e média-baixa tecnologias, enquanto outros destinos relevantes das vendas externas do Rio Grande do Sul apresentam maior peso de produtos não industriais e de baixa tecnologia. As exportações de produtos de média-alta e média-baixa tecnologias representaram, em 2014, cerca de 80% das vendas para a Argentina e para o Uruguai. Por outro lado, para os países europeus, mais de 70% das exportações correspondiam a produtos de baixa tecnologia ou não industriais, percentual que superou 90% no caso da China. No caso dos Estados Unidos, a participação dos produtos de média-alta e média-baixa tecnologias foi de 42% no mesmo ano. Contudo, a sua participação na pauta exportadora do Estado vem reduzindo-se com bastante intensidade, conforme pode ser visto no Gráfico 2.

Assim, as exportações gaúchas para o Mercosul são majoritariamente compostas por produtos industrializados com algum grau de tecnologia. A importância de tais produtos revela-se na maior elasticidade-renda da demanda e no alto potencial de crescimento em longo prazo. Esses produtos também costumam ser menos sujeitos à deterioração dos termos de troca, menos suscetíveis a substitutos no mercado internacional e mais demandados por mercados mais dinâmicos. Nesse tocante, o Mercosul apresenta-se como uma exceção à estrutura da pauta de exportação do Rio Grande do Sul, bastante concentrada em produtos de baixo valor agregado. Assim, a proximidade da economia gaúcha à dos países-membros do Mercosul — e a própria existência do bloco — contribui para a diversificação e a qualidade das exportações do Estado, compensando as dificuldades competitivas associadas à exportação de manufaturas para outras regiões.

Quanto às exportações gaúchas por atividades da indústria de transformação (Tabela 1), verifica-se a grande representatividade, na composição das vendas para o Mercosul, de produtos químicos, máquinas e equipamentos e veículos automotores. O Mercosul também é um destino importante para os produtos de outras atividades com menor peso nas exportações gaúchas, como derivados de petróleo, têxteis, produtos metalúrgicos, borracha e plástico e equipamentos de informática e eletrônicos. As exceções — atividades importantes para as exportações do Estado nas quais o Mercosul não apresenta participação relevante — são os produtos alimentícios, os produtos do fumo e couros e calçados. Quanto à participação das exportações na produção, nota-se que os setores de químicos e de têxteis destinam grande parte da sua produção para o Mercosul. Nos demais, há maior participação do mercado brasileiro e das exportações para outros países e blocos.

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Conforme visto, os últimos anos foram marcados por dificuldades nas relações comerciais e produtivas do bloco, para as quais contribuíram, sobremaneira, os problemas econômicos enfrentados pela Argentina. Tais dificuldades não decorrem apenas da desaceleração do ritmo de crescimento e da inflação alta naquele país, que inevitavelmente impactam sua demanda por importações. Refletem, sobretudo, a escassez de divisas diante do acesso ainda precário do País aos fluxos de financiamento externo, uma herança da crise enfrentada desde o fim da conversibilidade, no início dos anos 2000.  Mais recentemente, o cenário de escassez de divisas na Argentina agravou-se, devido ao arrefecimento do preço da soja no mercado mundial. Em termos conjunturais, a crise do país vizinho tem afetado o desempenho das exportações gaúchas seja em função da desaceleração da demanda por importações, seja porque tem induzido, mesmo que temporariamente, a adoção de controles na concessão de licenças de importação e o estabelecimento de cotas.

Por outro lado, a Argentina também vem adotando medidas estruturais voltadas à superação da escassez de divisas no longo prazo. Essas envolvem a reedição da política de substituição de importações — já evidente no setor de máquinas agrícolas, haja vista a “[…] passagem do país vizinho de principal cliente externo a concorrente nos mercados sul-americanos e africanos”[2] — e o aumento das parcerias com a China, para o financiamento de projetos de infraestrutura, em troca de uma maior abertura do seu mercado de manufaturados. Como resultado, observa-se o aumento do market share chinês nas importações de manufaturados da Argentina e a maior propensão do Brasil em aderir a acordos bilaterais de comércio, movimentos que têm colocado os principais avanços econômicos da constituição do bloco em xeque. Considerando-se que uma parte relevante da indústria estabelecida no Rio Grande do Sul visa ocupar uma posição estratégica e central para o atendimento simultâneo dos mercados do Brasil e do Mercosul, as dificuldades do bloco resultam, também, na perda desse importante diferencial competitivo para a atração de in

[1]  CASTRO, A. B. Notas para uma estratégia. In: RIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Coordenação e Planejamento (SEPLAG). Projeto RS 2010: realizando o futuro. Porto Alegre, 1998. p. 10.

[2] FEIX, R.; DE GASPERI, E. Argentina substitui importações de máquinas agrícolas. Carta de Conjuntura FEE, Porto Alegre, .v. 23, n. 12, p. 1, dez. 2014