Em fevereiro de 2012, na Espanha, foi convertida em lei a proposta de reforma trabalhista encabeçada pelo governo de Mariano Rajoy, do Partido Popular (PP). Esse projeto se situa em um quadro maior de movimentos de flexibilização do mercado de trabalho, como no México, no Chile, na Argentina e, destacadamente, no Brasil, de modo que não pode ser considerado sui generis. Já passados mais de cinco anos desde sua ratificação, faz-se mister uma avaliação sobre seus resultados, a fim de que se possam traçar paralelos com o processo em vigor em nosso País.
Em síntese, a reforma visava à facilitação das demissões e das contratações em caráter parcial ou temporário. Dessa forma, foram reduzidas as obrigações legais das empresas que desligassem seus funcionários e foram simplificados os processos de admissão de novos empregados. A justificativa oficial era que, em um contexto de crise, essas mudanças permitiriam que a flexibilidade externa das empresas (i.e., demissões) se tornasse flexibilidade interna (i.e., reduções salariais), o que suavizaria seus efeitos negativos e possibilitaria uma recuperação mais célere.
À primeira vista, os dados parecem indicar um quadro ambíguo: aumento concomitante da criação de empregos e da precarização das relações de trabalho. De fato, ao final de 2016, em comparação com o último trimestre de 2011, o número de ocupados cresceu 350.000 e o de assalariados foi ampliado em 250.000. Assim, a taxa de desemprego caiu de um patamar de 24,8% para 18,5%, o que tem sido saudado pelos entusiastas das atualizações na legislação. Por outro lado, avançou a contratação de funcionários temporários e de trabalhadores de meio período, fazendo com que o salário médio anual seja, atualmente, 800 euros menor do que o de 2011.
Cabe aos analistas, então, averiguar se é possível atribuir uma relação direta de causalidade entre a reforma e a geração de empregos. Assim, vemos que, a despeito das informações positivas em relação à criação de vagas, é preciso ressalvar que a análise do período em que a reforma esteve em vigor mostra um cenário dúbio: embora a taxa de desemprego tenha, com efeito, caído desde 2011, observa-se que seu nível subiu até a metade de 2014 — trajetória que só se inverteu com a retomada do crescimento econômico nesse ano, ou seja, os trimestres imediatamente posteriores à reforma sinalizam um quadro contrário às expectativas de seus defensores. Como a correlação entre o crescimento econômico e a criação de empregos é consagrada na literatura especializada, permanece incerto, ainda que plausível, afirmar que a diminuição da taxa de desemprego tenha sido causada pela reforma trabalhista.
Dessa forma, uma leitura atenta dos dados que temos à disposição sinaliza que a propalada relação direta entre a flexibilização das leis trabalhistas e a geração de empregos não é conspícua. No caso espanhol, ao menos, o vínculo entre os dois processos só se deu após a ocorrência de um fenômeno oposto ao previsto, indicando que o efeito de geração de empregos pode ser decorrente de um terceiro fator, independente da reforma — o que fundamenta a dúvida sobre se não teria ocorrido um crescimento igual ou similar mesmo sem essas mudanças. Essa constatação é especialmente relevante para o Brasil, na medida em que os efeitos da reforma trabalhista recentemente sancionada por Michel Temer serão observados nos próximos meses.
Por outro lado, as externalidades negativas proporcionadas pela mudança na legislação parecem estar inextricavelmente conectadas à reforma em si: a precarização do trabalho, o aumento dos contratos parciais e intermitentes e a redução salarial imediata eram os objetivos declarados de quem propunha a lei. De fato, os empregos de meio período cresceram 1,8 p.p. ao ano entre 2011 e 2016, situando-se em 15,3%, ao passo que a taxa de contratos temporários involuntários elevou-se 5,2 p.p., firmando-se em 60,5%. Finalmente, a reforma também proporcionou um aumento do número de “falsos autônomos”, empregados que são obrigados por suas empresas a trabalhar por conta própria (pejotização). Em relação ao total de autônomos, esse grupo representava 62,9% em 2011 e passou a corresponder a 67,1% em 2016, confirmando a tendência de piora das condições de proteção ao emprego.
Além de alertarem para a necessidade de redução de encargos salariais para transformar a flexibilidade externa em flexibilidade interna, os defensores da reforma também alegavam que esse processo favoreceria as empresas espanholas em termos de competitividade internacional, uma vez que a diminuição desses custos elevaria seus lucros. No tocante a esse ponto, impera salientar que esses benefícios só ocorrerão se houver uma recuperação da economia mundial, de modo que os importadores aumentem sua demanda por produtos espanhóis.
Nessas circunstâncias, vemos que, para os trabalhadores espanhóis, os benefícios da reforma trabalhista parecem, na melhor das hipóteses, ambíguos, na medida em que a geração de empregos não necessariamente está vinculada à alteração na legislação. Em contraposição, os prejuízos são cristalinos, pois essas mudanças encetaram precarizações nas relações de trabalho e nas contrações salariais.