Esta edição da revista Panorama Internacional FEE aborda a temática ambiental em âmbito global. Nesse sentido, busca-se discutir os esforços de articulação multilateral que visam à construção de um regime internacional para o enfrentamento dos efeitos adversos decorrentes das mudanças climáticas sobre a vida e os modos de organização das sociedades. Os principais desafios dizem respeito aos dilemas envolvendo a conciliação de agendas atreladas à promoção do crescimento econômico dos países e à preservação do meio ambiente.
Em que pese a repercussão da decisão unilateral dos Estados Unidos se retirarem do Acordo de Paris, os demais países têm dado declarações no sentido de que a comunidade internacional está, em algum grau, comprometida com uma agenda ambiental comum. Entretanto, diante desse cenário, o Brasil tem dado demonstrações que colocam em dúvida seu real alinhamento com os esforços globais na área ambiental. Nessa perspectiva, chama atenção a recente decisão da Justiça Federal brasileira de suspender a ação contra a mineradora Samarco, responsável pelo maior desastre ambiental da história do País. Adicionalmente, no final do mês de agosto, o Governo Federal autorizou, via decreto presidencial, a extinção de uma reserva nacional na Amazônia, a Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), para possibilitar a atividade mineradora em uma área equivalente ao tamanho da Dinamarca.
Na esfera estadual, a situação é alarmante. No que tange à questão hídrica do Estado, a Pesquisadora em Geografia da Fundação de Economia e Estatística (FEE) Mariana Pessoa lembra que: “O Estado coleta apenas 31,2% do esgoto gerado e trata menos de 13%, abrigando, por isso, três dos 10 rios mais poluídos do País: Sinos, Gravataí e Caí — todos localizados na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA), abastecendo mais de 1,5 milhões de pessoas”. Ainda que o peso da agricultura no Produto Interno Bruto (PIB) estadual seja da ordem de 10%, a pesquisadora lembra que o setor utiliza 78% da água disponível no Estado. Faz-se necessário ressaltar que o impacto do uso de agrotóxicos nas lavouras do Estado é devastador para a manutenção dos solos, dos mananciais de água e para todo o ecossistema. Além de reforçar a centralidade da questão hídrica em diversos conflitos interestatais, assim como em políticas para o desenvolvimento das sociedades, a pesquisadora pontua alguns dos principais desafios pertinentes à gestão da água nos âmbitos federal e estadual. Dessa forma, sua discussão passa pela avaliação dos 20 anos da promulgação da Lei n.º 9.433/1997, também conhecida como Lei das Águas, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) e o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
Bruno Jubran, Pesquisador em Relações Internacionais, traça um panorama histórico dos principais debates pertinentes à coordenação multilateral dos países no enfrentamento dos efeitos adversos das mudanças climáticas. Tendo como ponto de partida a Conferência de Estocolmo (1972), passando pela Conferência das Nações Unidas Sobre o Ambiente e o Desenvolvimento (1992), o autor destaca três principais regimes mundiais de acompanhamento e de enfrentamento das mudanças climáticas: a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, em sua sigla em inglês), o Protocolo de Quioto e o Acordo de Paris. À luz da saída unilateral dos Estados Unidos do Acordo de Paris, Jubran também discute as contradições inerentes à complexa conciliação de agendas para o desenvolvimento sustentável envolvendo países com assimetrias econômicas e sociais bastante marcantes.
Dentro dessa perspectiva, o pesquisador Tarson Nuñes avalia especificamente a decisão unilateral de os Estados Unidos se retirarem do Acordo de Paris. Além das impressões pessoais do Presidente Donald Trump sobre o tema das mudanças climáticas, o cientista político discute o impacto do posicionamento do atual Governo norte-americano sobre a opinião pública do País, em relação à temática ambiental em âmbito global. Nesse sentido, o pesquisador destaca a forte divisão entre o lobby das indústrias tradicionais de mineração e de combustíveis fósseis — de apoio à postura do Governo — e os influentes movimentos da sociedade civil e das indústrias intensivas em tecnologia em oposição à retirada do País do Acordo de Paris.
Embora as causas do aquecimento global não sejam um ponto pacífico entre especialistas, o Pesquisador em Economia Jaques Bensussan argumenta que existe um entendimento consolidado de que, de fato, vivemos atualmente em um planeta mais quente e com os níveis de dióxido de carbono (CO2) 30% mais altos do que os do final do século XIX. Assim, com base na definição de campos opostos desse debate, na tradicional indústria de combustíveis fósseis e no emergente setor de energias renováveis, o pesquisador analisa e compara as matrizes energéticas de países que estão no centro dessa discussão: Estados Unidos, China e Brasil.
Como forma de discutir e aprofundar a temática abordada ao longo dos textos, a Panorama Internacional FEE entrevistou a Dra. Catherine Tinker, professora associada da Escola de Diplomacia e Relações Internacionais da Seton Hall University, Nova Jérsei, onde ministra os cursos de Direito Internacional e Direito Internacional Ambiental. Dra. Tintker é fundadora e representante do Tinker Institute on International Law and Organizations (TIILO), na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova Iorque. O TIILO é uma organização não governamental credenciada junto ao Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC, em sua sigla em inglês), que se dedica à pesquisa e à educação nas áreas de direito internacional, políticas e organizações.
É dentro desse cenário de avanços e retrocessos no campo do combate aos efeitos das mudanças climáticas que a Panorama Internacional FEE lança mais uma série de estudos temáticos. Nesta nova edição, celebra-se o segundo aniversário da publicação, que já abordou outras oito temáticas internacionais igualmente relevantes para o Brasil e para o Rio Grande do Sul: exportações, petróleo, 25 anos do Mercosul, fluxos migratórios, Estados Unidos, China, mega-acordos comerciais e o acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia. Dessa forma, e dentro desse espírito de celebração, fica o desejo de vida longa à Panorama Internacional FEE e à Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul.
Boa leitura!