Quando o Decreto Presidencial n.º 7.567, de 15/9/2011, aumentou o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para carros importados no Brasil, à exceção de México e do Mercado Comum do Sul (Mercosul), o velho debate sobre o protecionismo voltou à tona mais uma vez. O alvo do Decreto à época eram principalmente os carros produzidos em países asiáticos, em um contexto de aprofundamento geral das políticas industriais de cunho nacionalista. Daí em diante, por conta do progressivo quadro de deterioração fiscal e instabilidade política, a controvérsia acerca da proteção comercial voltou à penumbra. Entretanto, chama atenção a recorrência desse debate, o que merece alguma reflexão, principalmente porque a discussão se baseia muitas vezes em evidência empírica frágil, quando não dogmática, principalmente no Brasil. Diante de tanta polêmica, vale perguntar mais uma vez: quais são os benefícios e custos de uma política comercial protecionista?
Os modelos teóricos do mainstream apontam as perdas decorrentes da proteção por conta de preços mais altos para consumidores, ainda que algumas firmas nacionais e empregos sejam salvos e que as receitas do Governo aumentem no curto prazo. Existem evidências dessas perdas de acordo com a historiografia econômica: Douglas Irwin (2005) estimou as perdas provocadas pelo embargo comercial realizado pelos Estados Unidos contra produtos britânicos entre 1807 e 1809.[1] Estudo de Bernhofen e Brown (2005) afirmou que a rápida e involuntária abertura comercial nipônica, por conta da chegada da armada estadunidense, teria gerado um ganho entre 5,4% e 9,1% no Produto Interno Bruto (PIB).[2] O historiador econômico Jeffrey Williamson (2011) concorda com a regra geral de que há ganhos estáticos do livre comércio no curto prazo, em termos agregados.[3] A ideia de que vantagens comparativas no comércio internacional geram mais ganhos do que perdas, como concluem modelos tradicionais à la David Ricardo ou Heckscher-Ohlin, não está em xeque para o autor. O ponto da discórdia é outro.
O mesmo Williamson (2011) mostra que o problema está no longo prazo, ao tentar responder a seguinte pergunta: quais são os efeitos do livre comércio ou da proteção sobre o crescimento? A questão do crescimento é distinta da análise de ganhos de comércio, em que se comparam o antes e o depois da abertura comercial. Sobre esse tema, Williamson apresenta as respostas da pesquisa mais recente. O autor levanta três possíveis efeitos do livre comércio e da especialização produtiva que poderiam ser deletérios para países que buscam o caminho do crescimento no longo prazo: (a) a “doença holandesa”, (b) a volatilidade dos preços das commodities e (c) a maldição dos recursos naturais. Talvez esses três efeitos pudessem justificar uma política protecionista de alteração de preços relativos a fim de provocar mudanças na estrutura produtiva. Porém, mesmo que se reconheça a importância desses três fatores, a proteção só faria sentido se as “falhas de governo” fossem menores que as “falhas de mercado”, tais como transbordamentos ou imperfeições do mercado de capitais. A possibilidade de “falhas de governo”, que poderiam explicar os casos de fracasso da proteção, talvez seja a principal motivação por trás da agenda de pesquisa em economia política da proteção.
Além da questão teórica, há o problema empírico: não se sabe em que condições a proteção funciona. Na Economia, ainda há uma série de dificuldades empíricas em algumas áreas de estudo, o que abre espaço para polêmicas. Alguns afirmam que a proteção de indústrias nascentes é importante instrumento para a industrialização: a tradição é longa, remontando ao founding father Alexander Hamilton e ao idealizador da Zollverein, Friedrich List. Esses autores inspiraram a Comissão Econômica Para a América Latina (CEPAL) em meados do século XX, assim como autores contemporâneos, a exemplo de Ha-Joon Chang. Outros, como Douglas Irwin (2001)[4] e John Nye (2007)[5], tentaram mostrar como certos países como Estados Unidos e Inglaterra teriam crescido apesar da proteção no século XIX. Em relação ao século XX, a comparação entre América Latina e Leste Asiático é recorrente, uma vez que as duas regiões adotaram políticas comerciais ativas. O primeiro caso parece ter deixado a desejar, apesar de alguns países, como Brasil e México, terem alcançado nível avançado de industrialização, enquanto países do Leste Asiático tiveram mais sucesso em suas intervenções.[6] Entretanto, a despeito de haver aspectos em comum, não se deve esquecer que a estratégia oriental de promoção das exportações, com políticas educacionais de alto nível, foi distinta das políticas latino-americanas.
Parte da resposta para as evidências ambivalentes está possivelmente na política e não na economia. Como já mencionado anteriormente, se as falhas de governo forem maiores do que a falha de mercado, seja por imperícia, seja por desinformação ou captura, é possível explicar ao menos parte dos fracassos. Isso abre espaço para o programa de pesquisa em Economia Política. Resenha de Renato Colistete e Jarbas Menezes (2004) classifica essa literatura em duas linhas de investigação: a Economia Política “histórica” e a Economia Política “positiva”.[7] A primeira escola é representada pelos sucessores de Alexander Gerschenkron, historiador econômico de Harvard em meados do século XX. Essa linha de pesquisa destaca que a fragilidade política dos governos aumenta os incentivos destes para proteger certos grupos, enquanto crises econômicas podem ensejar aumento da demanda por proteção.[8] Já a escola “positiva” desenvolve modelos formais, cujas origens remontam ao modelo de competição eleitoral de Downs (1957). Nessa linha, o trabalho de Grossman e Helpman (1994) talvez seja o mais influente na pesquisa acerca da Economia Política da proteção. Os autores apresentam um modelo em que lobbies fazem contribuições em função de políticas comerciais, uma espécie de “proteção à venda”.
O debate dicotômico entre proteger ou liberalizar tende a deixar a área “cinzenta” de lado: talvez a questão seja quanto e como se protege. Santiago Macario (1964)[9], economista da própria CEPAL, já chamara atenção aos excessos do protecionismo indiscriminado na região, muito antes dos market critics — como Anne Krueger[10], Bela Balassa[11] e Jadgish Bhagwati[12] —, que fizeram apreciações contundentes contra as políticas comerciais de países em desenvolvimento a partir da década de 70. Conforme Macario (1964), a tarifa média efetiva para setores industriais na América Latina era de 165%, um evidente excesso mesmo aos padrões da época. Colistete (2010) destaca este ponto: é possível que a proteção indiscriminada tenha gerado economias quase autárquicas e sem estímulos para atingir altos níveis de produtividade, salvo exceções em alguns setores. O autor reconhece, todavia, que as crises da década de 70 dificultam a avaliação das políticas do período. De qualquer forma, nessa área “cinzenta”, explicações baseadas em Economia Política talvez sejam ainda mais importantes.[13]
O caso da indústria automobilística brasileira é um excelente exemplo dos dilemas da política comercial. O setor ainda não é competitivo e é sustentado por políticas de proteção há mais de meio século, mas sua importância na cadeia produtiva e na absorção de mão de obra está longe de ser desprezível. Há muito a indústria automobilística deixou de ser “nascente”, o que compromete a defesa de sua proteção em termos de crescimento de longo prazo. Por outro lado, as consequências sociais imediatas decorrentes de um fim repentino da proteção poderiam ser desastrosas em termos de desemprego no setor e em suas ramificações — o conhecido teorema de Stolper-Samuelson aponta os riscos da abertura comercial em termos de perdas para certos segmentos da economia, ainda que a liberalização continue gerando ganhos líquidos como um todo, sob a hipótese de pleno emprego. A questão é como “desarmar a bomba sem derrubar o edifício inteiro”, principalmente levando em conta o expressivo poder político das montadoras e dos sindicatos de trabalhadores da categoria, além da necessidade de se pensar em políticas compensatórias. Em relação a isso, há trabalhos pouco otimistas que estimam os efeitos de ajustes do mercado de trabalho decorrentes da inserção comercial dos EUA nas últimas décadas, como, por exemplo, o de Autor (2014).[14] É difícil acreditar que não haveria problemas semelhantes no Brasil, e as soluções não são tão simples.
A despeito dos avanços na pesquisa, soluções mais definitivas ao debate parecem estar distantes. Os problemas práticos em se testarem quantitativamente proposições sobre o assunto não são os únicos entraves. Mensurar com precisão os efeitos de determinadas políticas comerciais pode ajudar, mas não resolve as contendas. As discordâncias na área não envolvem apenas considerações de natureza utilitarista, em que apenas custos e benefícios econômicos são levados em conta. Questões de princípio sobre os limites da ação do governo ou dos agentes privados na economia e na sociedade estão no cerne da discussão e transcendem avaliações tradicionais de custo-benefício, adquirindo, às vezes, caráter quase doutrinário. Portanto, os avanços feitos na pesquisa sobre proteção comercial podem ajudar a subsidiar debates, mas dificilmente resolverão as disputas — de fundo político e moral — entre seus mais ardentes defensores e detratores. Não há como escapar da discussão moral na Economia, mas isso se torna um problema quando a postura prevalente é do tipo “fiat justitia, pereat mundus”[15].
[1] IRWIN, D. The welfare costs of autarky: evidence from the Jeffersonian embargo, 1807-1809. Review of International Economics, v. 30, p. 345-358, 2005.
[2] BERNHOFEN, D.; BROWN, J. An empirical assessment of the comparative advantage gains from trade: evidence from Japan. American Economic Review, v. 95, p. 208-225, 2005.
[3] WILLIAMSON, J. Trade and poverty: when the third world fell behind. Cambridge, MA: MIT, 2011.
[4] IRWIN, D. Tariffs and growth in late nineteenth-century America. The World Economy, v. 24, n. 1, p. 15-30, 2001.
[5] NYE, J. War, wine, and taxes: the political economy of Anglo-French trade, 1689-1900. Princeton: Princeton University, 2007.
[6] FEENSTRA, R.; TAYLOR, A. International economics. 3 ed. New York: Worth, 2014.
[7] COLISTETE, R.; MENEZES, J. D. Modelos de proteção comercial – uma resenha. Revista de Economia Política, v. 24, n. 2, 2004.
[8] SIMONS, B. Who adjusts? Domestic sources of foreign economic policy during the interwar years. Princeton: Princeton University, 1994.
[9] MACARIO, S. Protectionism and industrialization in Latin America. Economic Bulletin for Latin America, v. 9, p. 75-83, 1964.
[10] KRUEGER, A. Liberalization attempts and consequences. Cambridge: Cambridge University, 1978.
[11] BALASSA, B. Development strategies in semi-industrial economies. Baltimore: Johns Hopkins University, 1982.
[12] BHAGWATI, J. Protectionism. Cambridge: Cambridge University, 1988.
[13] COLISTETE, R. Revisiting import-substitution industrialization in post-war Brazil. Munich: University Library of Munich, 2010. (MPRA Paper, n. 24665).
[14] AUTOR, D. et al. Trade adjustment: worker level evidence. Quarterly Journal of Economics, v. 129, n. 4, p. 1799-1860, 2014.
[15] “Faça-se a justiça, mesmo que o mundo pereça”.