O rompimento de Trump com o Acordo de Paris: impactos políticos nos Estados Unidos

No dia 1.º de junho de 2017, o Presidente Donald Trump anunciou oficialmente a decisão de os Estados Unidos se retirarem unilateralmente do Acordo de Paris. Essa retirada representou a materialização de sua promessa de campanha e teve como base a avaliação negativa sobre o impacto do Acordo para a economia do País. Para Trump, “o Acordo de Paris fragilizaria nossa economia, enfraqueceria nossa soberania, impondo riscos legais inaceitáveis e nos colocaria em desvantagem permanente em relação a outros países do mundo.” Segundo ele, os custos impostos pelo Acordo são muito altos: “bilhões de dólares que deveriam ser investidos aqui na América serão enviados para os mesmos países que tiraram nossas fábricas e nossos empregos.”

A postura do Presidente norte-americano relaciona-se também com uma visão muito particular dos acordos internacionais operados em escala global. Para ele, a lógica de competição dos países, uns contra os outros, é que deve orientar a política internacional dos Estados Unidos, e não a concertação em torno de objetivos comuns. Por isso, Trump considera inaceitável que “[…] sob o acordo, a China vai poder aumentar suas emissões por mais 13 anos, nós não. A Índia faz sua participação depender de receber bilhões de dólares em ajuda dos países desenvolvidos […]. O Acordo de Paris é muito injusto para os Estados Unidos.”

A decisão do Presidente, no entanto, está longe de constituir um consenso no País. Em realidade, a retirada dos Estados Unidos do acordo climático ampliou a controvérsia pública em torno do Governo e gerou um conjunto de reações vindas dos mais variados setores da sociedade norte-americana. Ambientalistas, cientistas, movimentos sociais e mesmo setores empresariais desencadearam intensas mobilizações críticas a Trump e em defesa do cumprimento do Acordo. A controvérsia pública é mais um elemento que afeta a popularidade do Governo, que, em julho de 2017, tinha a aprovação de apenas 36% dos eleitores.

Ao lado de Trump, agrupa-se o poderoso lobby da indústria de combustíveis fósseis, comandado pelas grandes companhias de petróleo e mineração, como a ExxonMobil, a British Petroleum (BP), a Shell, a Chevron e a Koch Industries. Apenas no âmbito do congresso nacional, esse lobby vem investindo, em média, mais de US$ 130 milhões por ano. Esse setor constitui a principal base de apoio a Trump em relação aos temas ambientais, e o âmbito de sua intervenção vai além dessa atividade de lobby legal no âmbito institucional do Congresso. Os irmãos Koch, donos da Koch Industries (um dos maiores grupos privados do País), possuem também uma forte intervenção política no âmbito do Partido Republicano. A intervenção por meio do apoio e financiamento de candidatos alinhados com agenda ultraconservadora dos irmãos vem alterando a correlação de forças internas no partido e teve um impacto decisivo nas eleições do ano passado. Segundo o New York Times, o orçamento dos irmãos Koch para as eleições foi na ordem de US$ 899 milhões.

Do outro lado, as posições negacionistas de Trump em relação à questão climática são combatidas por uma ampla coalizão de movimentos sociais e ambientalistas. Esses movimentos já eram muito ativos antes mesmo da eleição presidencial. Em 2016, o Governo norte-americano suspendeu a construção de um oleoduto em terras indígenas, o Dakota Pipeline. Essa decisão foi uma demonstração concreta da pressão dos movimentos sobre a administração Obama em relação aos temas ambientais. Mais do que isso, no Governo democrata, o enfrentamento da questão climática fazia parte também de uma estratégia de desenvolvimento e recuperação econômica que se baseava justamente em uma transição de matriz energética e de estrutura industrial baseada nas energias renováveis e na inovação tecnológica voltada para a sustentabilidade.

A força dos movimentos sociais ambientalistas tem-se manifestado em grandes mobilizações. No dia 19 de abril, a coalizão People’s Climate Movement realizou a People’s Climate March, que reuniu mais de 200 mil pessoas em Washington D.C., e foi acompanhada, no mesmo dia, por manifestações em outras 370 cidades do País. O People’s Climate Movement é organizado por uma coalizão de 50 entidades e movimentos, que abarca ambientalistas, sindicatos de trabalhadores, pacifistas, movimentos culturais e raciais, religiosos e políticos. O comitê organizador articula-se com uma rede de mais de 500 organizações locais e nacionais distribuídas por todos os Estados Unidos. Essa marcha não foi a primeira, e sim mais um passo de um movimento que já tem uma larga história nos Estados Unidos. Em setembro de 2014, durante a Cúpula do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU) em Nova Iorque, a coalizão mobilizou 400 mil pessoas em uma marcha na cidade.

As forças políticas por trás das mobilizações têm sua origem nos movimentos antiglobalização, que encontraram no tema das mudanças climáticas um espaço de convergência entre os movimentos ambientalistas e os movimentos de luta por justiça social. Esses movimentos tiveram experiências de lutas que remontam às manifestações antiglobalização de Seattle na virada do século e foram construindo uma agenda conjunta. Um dos marcos desse processo de convergência foi o Fórum Social dos Estados Unidos em 2010, e a primeira expressão mais massiva desse período foi o movimento Occupy Wall Street, que sacudiu o País em 2011. Desse processo surgiram grandes coalizões de entidades voltadas para a luta contra as mudanças climáticas, em um espectro que vai da luta específica contra o aquecimento global, como a 350.org ao escopo mais amplo, como a Climate Justice Alliance, que vincula a luta ambiental com a luta por mudanças sociais mais amplas.

Para além das resistências relacionadas aos movimentos sociais ambientalistas, a decisão de Trump foi capaz de desencadear uma mobilização de outros setores sociais e políticos relevantes. A comunidade científica, a oposição do Partido Democrata e até mesmo setores empresariais relevantes alinham-se hoje à luta contra a mudança da postura dos Estados Unidos em relação às mudanças climáticas. Esses novos atores articulam-se, atualmente, em torno do movimento We Are Still In, lançado no mesmo dia em que Trump formalizou a retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris. Esse movimento, cujo manifesto de lançamento conta com 2.200 assinaturas de cientistas, políticos, artistas e empresários, que afirmam representar “mais de 127 milhões de americanos e US$ 6,2 trilhões da economia americana” postula que “na ausência de uma liderança de Washington, estados, cidades, universidades, empresas e investidores, representando uma considerável percentagem da economia americana, vai buscar atingir ambiciosos objetivos climáticos, trabalhando juntos para realizar ações efetivas e assegurar que os Estados Unidos se mantenham como um líder global na redução de emissões”.

Os números são impressionantes. São 228 prefeitos, incluindo os de cidades como Nova Iorque, Chicago, Atlanta, Boston, Houston, São Francisco e Washington, e nove governadores: os dos Estados da Califórnia, do Havaí, de Connecticut, de Nova Iorque, da Carolina do Norte, de Rhode Island, de Oregon, da Virgínia e de Washington. Somam-se ao manifesto 318 reitores e diretores de instituições de ensino superiores, entre elas, as prestigiosas Universidade da Califórnia, Universidade do Estado de Nova Iorque e Columbia, mais de 1.600 empresas de todos os setores, como as gigantes Google, IBM, Adidas, Lego, Lyft, Amazon, Microsoft, Erickson, BASF, Tesla, Nike, além de um grande número de pequenas e médias empresas comprometidas com a agenda da sustentabilidade.

Outra iniciativa importante nesse campo chama-se America’s Pledge, movimento lançado pelo Governador da Califórnia, Jerry Brown, junto com o bilionário Michael Bloomberg. Brown, um político democrata que se situa à esquerda no campo político norte-americano, foi pioneiro das políticas ambientais. Desde o início dos anos 70, em sua primeira gestão de governo, implementou uma política de desenvolvimento que buscava atingir o crescimento econômico tendo a sustentabilidade ambiental como vetor orientador das políticas. Sua articulação com Bloomberg, que além de empresário da mídia é também um expoente do Partido Republicano (foi prefeito de Nova Iorque), demonstra que o apelo da sustentabilidade atravessa o espectro político.

A iniciativa America’s Pledge também tem como objetivo estabelecer um compromisso de governos estaduais, locais e de empresas para o cumprimento das metas do Acordo de Paris, independente da retirada do Governo Federal. Isso é possível dada a natureza federativa do sistema político norte-americano, onde os estados e governos locais têm uma incidência forte na decisão e implementação de políticas públicas. Esse alinhamento de governos e empresas, em sintonia com as demandas dos movimentos sociais, contribui para reduzir o impacto da decisão de Trump em se retirar do acordo.

O conflito em torno do Acordo de Paris é também a expressão de uma cisão dos setores empresariais norte-americanos. De um lado, as forças tradicionais e conservadoras da indústria do petróleo e do carvão e, de outro, um conjunto de setores econômicos com uma destacada participação de empresas de maior intensidade tecnológica, mas acompanhadas de todo um amplo contingente de pequenas e médias empresas de outros setores. A indústria automobilística aparentemente busca manter uma equidistância, sem se alinhar abertamente com o lobby do combustível fóssil, mas também evitando se engajar no movimento em defesa do acordo.

Mais do que uma disputa interssetorial entre ramos econômicos distintos, essa polarização em torno do tema das mudanças climáticas é a expressão de um processo mais amplo e global. As intensas mudanças tecnológicas vividas pelo capitalismo contemporâneo abrem caminho para um conflito estrutural entre os setores industriais remanescentes da segunda revolução industrial, em decadência, e os novos setores dinâmicos, cujos interesses e necessidades não são convergentes com as demandas dos setores tradicionais.

Os resultados dessa disputa em torno do Acordo de Paris ainda são pouco previsíveis. A retirada dos Estados Unidos não abalou o consenso internacional construído até agora, e, aparentemente, pouco vai alterar a situação. Internamente, o Governo Trump, ainda que tenha poder para eliminar os avanços de políticas industriais e energéticas construídas durante a administração Obama, vai seguramente enfrentar resistências políticas e institucionais significativas. Porém, independente de qual das duas orientações, vai prevalecer, um resultado que já se apresenta de uma forma muito concreta: o desgaste político ainda maior da administração Trump. O conflito em torno do Acordo de Paris criou um campo de ação comum para movimentos sociais e ambientalistas, forças políticas progressistas e setores empresariais, que, seguramente, vai ter um impacto significativo no cenário político norte-americano.