Os economistas usualmente tomam a propensão a importar como um parâmetro universal, independente da categoria de demanda final. Não obstante, essa hipótese simplificadora não se sustenta empiricamente. No caso da economia gaúcha, assim como no da brasileira, a propensão a importar, do investimento em capital fixo, é mais elevada do que a propensão a importar, das exportações, na exata medida em que o investimento tende a se associar à inovação e, muitas vezes, a firma inversora não encontra, no mercado local, um fornecedor de equipamento efetivamente equivalente ao modelo que almejamos incorporar à planta. Nesse caso, a importação é impositiva. De outro lado, são raros os casos de importação apenas para reexportar, sem que haja qualquer agregação de valor ao longo do processo produtivo interno.
Como os bens exportados estão baseados em vantagens relativas e/ou absolutas, que apresentam alguma estabilidade no plano da divisão internacional do trabalho, estruturam-se cadeias produtivas em torno deles, que se desdobram em sistemas de grande integração interna e baixo vazamento para o exterior. Nos termos de nossa discussão, isso significa dizer que, dada a estrutura produtiva da economia gaúcha, para exportar, importa-se pouco, seja em termos imediatos (o próprio bem exportado), seja em termos mediatos (os insumos necessários à produção do bem que será exportado).
Esses fatos são evidenciados mesmo em uma análise relativamente superficial da Matriz de Insumo-Produto do Rio Grande do Sul (MIP-RS) de 2008, que apresenta as origens dos recursos e os destinos da produção estadual.[1] De acordo com a Fundação de Economia e Estatística (FEE), o valor das exportações (X) para outros países e o da Formação Bruta de Capital Fixo (FBKF) foram muito próximos no ano de 2008: pouco mais de R$ 36 e 34 bilhões respectivamente. Não obstante, as importações diretamente associadas à FBKF quase totalizaram R$ 12 bilhões (mais de um terço do total), enquanto as importações para exportação não passaram de R$ 17 milhões.
Imaginemos uma elevação de demanda final da ordem de R$ 1 bilhão na economia gaúcha, ainda que essa elevação se dê ou na FBKF ou em exportações para o exterior, e que ela se distribua proporcionalmente à estrutura dessas duas categorias de demanda em 2008. Tal como podemos observar na tabela, os multiplicadores da MIP-RS para o Valor Bruto da Produção (VBP), Valor Adicionado Bruto (VAB), salário e emprego dessas duas categorias de demanda são muito distintos, sendo sempre superiores para as exportações do que para a FBKF.
Comparação do impacto da variação autônoma de R$ 1 bilhão na demanda
DEMANDA |
EXPORTAÇÕES |
FBKF |
Valor Bruto da Produção (R$) | 1.644,83 | 928,83 |
Valor Adicionado Bruto (R$) | 559,10 | 438,25 |
Rendimento do trabalho (R$) | 202,99 | 154,04 |
Rendimento misto (R$) | 104,19 | 97,59 |
Excedente (R$) | 242,38 | 181,63 |
Emprego (unidades) | 26.968 | 18.755 |
Importação Direta (R$) | 17,07 | 343,72 |
Importação Consumo Intermediário (R$) | 399,03 | 209,99 |
FONTE DOS DADOS BRUTOS: SÁ, R. de (Org.). Matriz de Insumo-Produto do Rio Grande do Sul: 2008. Porto Alegre: FEE, 2014. Disponível em: < http://www.fee.rs.gov.br/indicadores/matriz-insumo-produto-rs-miprs/mip-rs-2008/>. Acesso em: maio 2015.
Os vazamentos na FBKF, ou seja, a parte do impulso inicial de demanda que acaba sendo direcionada para importações, são tão elevados que sequer podemos falar com rigor em multiplicação do valor investido: mesmo levando em consideração os impactos indiretos da demanda de investimento, o VBP crescerá abaixo da variação de demanda inicial. Diferentemente, a demanda por exportações é multiplicada por 1,644, ou seja, ao impulso inicial da demanda segue-se o aumento da produção dos vários segmentos do agronegócio, da indústria e dos serviços integrados à produção para a exportação.
Como as cadeias exportadoras são mais empregadoras e relativamente mais democráticas no plano distributivo, fazendo-se presentes em praticamente todas as regiões do Estado, elas geram uma ampliação de renda e de emprego significativamente maior, e isso que nem computamos o chamado “efeito-renda”. Esse efeito é aquele que advém do aumento da demanda de bens de consumo derivada da expansão da renda — salários, rendimentos mistos (tais como dos agricultores familiares, microempresários, etc.) e lucros empresariais — apropriada pelos agentes econômicos em função da expansão da demanda autônoma inicial. Tal como observamos na tabela, o impacto de X é maior que o impacto de FBKF também nesses componentes, o que nos leva mais uma vez a mesma conclusão: no Rio Grande do Sul, as exportações são o componente de demanda autônoma com maior potencial para a dinamização da renda e do emprego. No curto e no médio prazo, parece claro que a estratégia de maior eficácia para a mobilização da economia do Estado é o apoio ao crescimento e à modernização de suas exportações.
[1] FONTE DOS DADOS BRUTOS: SÁ, R. de (Org.). Matriz de Insumo-Produto do Rio Grande do Sul: 2008. Porto Alegre: FEE, 2014. Disponível em: <http://www.fee.rs.gov.br/indicadores/matriz-insumo-produto-rs-miprs/mip-rs-2008/>. Acesso em: maio 2015.