O longo acordo de comércio e investimentos Mercosul-União Europeia

Em março deste ano, aconteceu a XXVII Rodada de Negociação Mercado Comum do Sul-União Europeia (Mercosul-UE) em Buenos Aires, na Argentina. Em que pesem os altos e baixos vividos por esse bloco econômico sul-americano, o Mercosul, desde sua criação, em dezembro de 1991, consolidou-se como um dos principais eixos da política externa do País e mercado para produtos e serviços brasileiros. Atualmente, conforme o Quadro 1, as propostas e os acordos comerciais do Brasil estão vinculados a ele. Além da própria relação do Brasil com o bloco, a efetivação de um acordo comercial transatlântico envolvendo Mercosul e União Europeia consolida-se como a mais ambiciosa proposta de livre-comércio para o Brasil.

Após duas décadas da assinatura do Acordo-Quadro de Cooperação Mercosul-União Europeia, em 15 de dezembro de 1995, os dois blocos econômicos regionais ainda não conseguiram superar seus respectivos constrangimentos e entraves, de forma a levar à efetiva celebração de um acordo de livre-comércio. Assinado na data referida, o Acordo entrou somente em vigor em julho de 1999.1 Segundo o documento, o tratado buscava preparar as respectivas regiões para o estabelecimento das condições para a criação de uma associação inter-regional envolvendo os domínios comercial, econômico e de cooperação.

Na seara comercial, o Acordo prevê o fomento e a diversificação das trocas comerciais, com o objetivo de preparar as regiões para uma liberalização progressiva que leve à criação de uma área de livre-comércio entre as partes, considerando questões sensíveis e em conformidade com a Organização Mundial do Comércio (OMC). Ainda segundo o documento, a cooperação na área comercial se dará sem a exclusão de qualquer setor, abrangendo especialmente: (a) acesso ao mercado, liberalização comercial (obstáculos tarifários e não tarifários) e regras comerciais, tais como práticas restritivas de concorrência, regras de origem, salvaguardas, regimes aduaneiros especiais, entre outras; (b) relações comerciais das partes com terceiros países; (c) compatibilidade da liberalização comercial com as normas do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), da OMC; (d) identificação de produtos sensíveis e de produtos prioritários para as partes; (e) cooperação e intercâmbio de informações, em matéria de serviços, no âmbito das competências respectivas.

Nos campos econômico e de cooperação, o Acordo prevê esforços com vistas ao incremento das relações comercias. Nesse sentido, a cooperação se dá no âmbito empresarial, na promoção dos investimentos em matéria de energia, transporte, proteção ao meio ambiente, telecomunicações e tecnologias da informação, além de cooperação nas áreas científicas e tecnológicas. Por fim, a cooperação institucional prevê esforços nas áreas de comunicação, informação, cultura, educação e combate ao tráfico de drogas.

Desde a assinatura do Acordo-Quadro, em 1995, até a sua entrada em vigor, em 1999, as relações entre blocos econômicos passou por um processo de distanciamento. Nesse contexto, pode-se citar um maior interesse do Mercosul em consolidar-se como uma união aduaneira e incrementar a integração produtiva de alguns setores das economias dos países do bloco. Adicionalmente, deve-se ressaltar o protagonismo de todo o processo de negociação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) dentro da agenda internacional do Brasil e dos demais países do Mercosul. Na outra margem do Atlântico, a União Europeia estava em processo de expansão rumo ao leste e buscava o estabelecimento de medidas macroeconômicas para a futura implementação da moeda única do bloco (CARVALHO; LEITE, 2013).2

Os diálogos são retomados na reunião da Cúpula América Latina, Caribe e União Europeia, em junho de 1999, no Rio de Janeiro. É a partir desse momento que as negociações começam a se estruturar em comitês e subcomitês, assim como em diversos grupos de trabalho. Em 2000, no âmbito do Comitê de Negociações Birregionais, foram estabelecidos grupos de trabalho para analisar os temas pertinentes a bens, acesso a mercados, procedimentos alfandegários, investimentos, serviços, fluxos de capital, propriedade intelectual, compras governamentais, etc.

A Cúpula aconteceu também em Madri (2002), Guadalajara (2004), Viena (2006), Lima (2008) e, novamente, em Madri (2010). No decorrer de todas essas reuniões, os momentos de maior avanço nas negociações se deram nos anos de 2001 e 2004. No primeiro momento, a União Europeia apresentou uma proposta para o comércio de bens, serviços e compras governamentais (CARVALHO; LEITE, 2013). Em 2004, os dois lados apresentaram propostas de liberalização comercial, com abrangência de até 90% dos bens e serviços em diversos setores, com exceções e ressalvas pertinentes ao setor agrícola. Os debates foram retomados, novamente, na Cúpula de Madri, em 2010. Nessa ocasião, foi instituído um plano de ação para as atividades do período 2010-12 (CARVALHO; LEITE, 2013). É interessante notar que, assim como se deu com as negociações envolvendo Estados Unidos e União Europeia, estabeleceu-se, nesse biênio, um fórum não governamental para a discussão dos temas pertinentes à criação de uma área de livre-comércio entre a América Latina e a União Europeia: a Fundação União Europeia-América Latina-Caribe. Destaca-se que é no âmbito dessas reuniões de grupos de interesses organizados da sociedade civil que se busca o consenso em torno de propostas que possam ser contempladas nas negociações comerciais.

Em 26 de janeiro de 2013, ocorreu a Reunião Ministerial Mercosul- União Europeia no Chile. Nesse encontro, havia-se estabelecido um prazo para que os blocos preparassem suas respectivas propostas para um efetivo acordo de livre-comércio. Em 2013, deu-se início ao processo de convergência de ofertas nacionais no âmbito do Mercosul, com vistas à consolidação de uma oferta conjunta do bloco, que foi, finalmente, anunciada em 2014, no Comunicado da Cúpula de Caracas. A troca efetiva das ofertas deveria ocorrer no último trimestre de 2015, como acordado durante a Reunião Ministerial Mercosul-UE, realizada em Bruxelas, em junho daquele mesmo ano. Após o consentimento do Conselho da UE para a continuidade das negociações (novembro de 2015), as trocas, finalmente, se concretizaram no dia 11 de maio do ano seguinte, na capital belga. Essas negociações trataram de comércio de bens, compras governamentais, investimentos e serviços. Em junho de 2016, os negociadores-chefes dos dois blocos reuniram-se em Montevidéu, no Uruguai, para debater questões técnicas pertinentes às ofertas do Acordo. Cinco meses mais tarde, em outubro, aconteceu, em Bruxelas, a primeira reunião após a troca de oferta de acesso aos mercados (BRASIL, 2017).3

Por fim, em março de 2017, ocorreu a XXVII Rodada de Negociação Mercosul-União Europeia em Buenos Aires, Argentina.4 As negociações dos grupos de trabalho abrangeram: comércio de bens, regras de origem, facilitação comercial e aduaneira, barreiras técnicas ao comércio, medidas sanitárias e fitossanitárias, instrumentos de defesa comercial, subsídios, solução de controvérsias, serviços, compras governamentais, propriedade intelectual, comércio e desenvolvimento sustentável, pequenas e médias empresas e assuntos institucionais.

O peso do mercado doméstico como variável determinante do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e a consolidação não só do Mercosul como também da América Latina e do Caribe como áreas estratégicas para a inserção comercial do Brasil podem ser percebidos como um desafio aos interesses do País no âmbito dessas negociações. O Gráfico 1 evidencia que, ao longo dos últimos anos, essas regiões consolidaram-se como mercados relevantes para o comércio exterior brasileiro. Nos últimos 16 anos, a União Europeia tem-se destacado como o principal destino das exportações do Brasil, seguida pela China. Os Estados Unidos, que, até 2009, eram o segundo destino das exportações brasileiras, perderam o posto para o gigante asiático e para o Mercosul, que se manteve na terceira posição até 2014. A América Latina e o Caribe, excluindo o Mercosul, importantes mercados de produtos manufaturados brasileiros, são um potencial alvo da estratégia comercial do bloco europeu, que pode valer-se de sua inserção na região via acordo de comércio e investimentos com o Mercosul.

Ainda que, isoladamente, a corrente de comércio dos membros do Mercosul pareça inexpressiva, com exceção do Brasil, os dados agregados do bloco sul-americano chamam atenção. De acordo com a Tabela 1, em 2015, o Brasil representou 69,91% da corrente de comércio do bloco com a União Europeia. A Argentina era a segunda economia. No mesmo ano, o Mercosul respondeu por US$ 54,47 bilhões em valor das exportações do bloco europeu. Desse total, US$ 38,3 bilhões tiveram o Brasil como destino.

Na comparação com os demais destinos das exportações da União Europeia, ainda para o ano de 2015, o Mercosul consolidou-se como a 8.ª corrente de comércio e 7.º mercado exportador do bloco europeu. Já o Brasil registrou a 12.ª corrente de comércio do bloco, o 15.º mercado exportador e o 11.º fornecedor de importados. A Tabela 2 evidencia, acima de tudo, a característica do comércio triangular em nível global envolvendo União Europeia, Estados Unidos e Ásia (com destaque para China e Japão). Adicionalmente, os dados ilustram a força comercial da União Europeia e dimensionam os desafios do Mercosul em relação às negociações com os europeus.

O que se infere de todo esse longo processo de negociação para o estabelecimento de uma área de livre-comércio e investimentos entre o Mercosul e a União Europeia parece ser o fato de que algum acordo nesse sentido será celebrado. Observa-se que, mesmo com todas as crises políticas e econômicas nas duas margens do Atlântico, as negociações avançam em seu ritmo próprio. Vale ressaltar que, ainda que o acordo venha a ser firmado, as tratativas estabelecem diversos calendários para a adaptação às conformidades dos mais variados setores econômicos, visando à efetivação plena do acordo entre as partes. As expectativas do Mercosul e da União Europeia são de que seja possível assinar um acordo entre as partes em 2018. Contudo, faz-se necessário ressaltar que a estabilidade, ou a sua ausência (na política e na economia), é uma variável determinante na dinâmica dessas negociações.


1 Acordo-quadro inter-regional de cooperação entre a comunidade europeia e os seus estados-membros e o Mercosul e os seus estados-partes. Disponível em: <http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/multilaterais/acordo-quadro-inter-regional-de-cooperacao-entre-a-comunidade-europeia-e-os-seus-estados-membros-e-o-mercosul-e-os-seus-estados-partes/>. Acesso em: 10 maio 2017.

2CARVALHO, F. A. T; LEITE, A. C. C. Acordo de associação inter-regional Mercosul-União Europeia: entraves à aprovação e perspectivas futuras. Século XXI, Porto Alegre, v. 4, n. 2, jul./dez. 2013. Disponível em:. Acesso em: 25 abr. 2017.

3BRASIL. Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. Negociações internacionais Mercosul/União Europeia. 2017. Disponível em: . Acesso em: 5 maio 2017.

4O conteúdo dos temas tratado nessa última rodada de negociação está disponível em: <http://trade.ec.europa.eu/doclib/docs/2017/april/tradoc_155477.pdf>. Acesso em: 5 maio 2017.