Migração internacional contemporânea: principais processos

A migração sempre fez parte das sociedades humanas. A mobilidade e a capacidade de adaptação a distintos ambientes são marcas registradas da nossa história evolutiva. A International Organization for Migration, da Organização das Nações Unidas (ONU)[1], estima haver em torno de um bilhão de migrantes no mundo, cerca de 230 milhões vivendo fora dos seus países de origem (migrantes internacionais). Mais de 10% da população dos países desenvolvidos é estrangeira, proporção de 1,6% nos países periféricos. Em números absolutos, são 135 milhões de migrantes internacionais vivendo em países desenvolvidos e 95 milhões em países periféricos.

O aumento das desigualdades entre países ricos e pobres durante o século XX, a evolução nas tecnologias de transporte e a globalização sugerem que migrações internacionais estariam expandindo-se rapidamente. Ainda que isso tenha ocorrido em termos absolutos, a proporção de migrantes internacionais em relação à população mundial é baixa e tem aumentado pouco, de 2,9% para 3,2% entre 1990 e 2013, segundo dados da ONU[2]. São limitantes os custos e as barreiras associados à migração (financeiros, de informação, culturais e sociais) e as políticas restritivas dos Estados Nacionais, que aumentam esses custos e diminuem os benefícios potenciais (restringindo o acesso à vida econômica e social). A complexidade dos movimentos, porém, é crescente; podendo-se definir, aqui, quatro grandes processos: uma pressão migratória dos países em desenvolvimento para países desenvolvidos (migração Sul-Norte); a maior mobilidade de uma elite global entre países desenvolvidos e redes globais, fruto do enriquecimento e da complexidade produtiva nessas sociedades (Norte-Norte); a mobilidade entre países em desenvolvimento (Sul-Sul); e, por fim, a consolidação e o aumento no número de refugiados.

A migração do Sul para o Norte global é determinada, em grande parte, pela maior renda e pela condição de vida proporcionada nos países desenvolvidos. A possibilidade de ganhar para além da subsistência, em moedas fortes, permite ao migrante enviar dinheiro para a família no país de origem, ou acumular para investir no retorno. Estudar ou ter experiência de trabalho em um país desenvolvido também tende a aumentar as possibilidades de sucesso em um eventual retorno ao país de origem. O número de migrantes que fez esse caminho passou de 40 milhões em 1990 para 74 milhões em 2010, abarcando 35% de todos migrantes.

Há também a expansão da mobilidade de uma elite global, em grande parte entre países desenvolvidos. A globalização é voltada ao movimento de capitais e mercadorias, e não à circulação de trabalhadores entre Estados Nacionais; ainda assim, estudantes e profissionais altamente qualificados ou com elevados recursos financeiros enfrentam menos restrições e têm alta mobilidade. A maior parte desses movimentos é percebida na migração Norte-Norte, entre países desenvolvidos, cujo estoque aumentou de 42 milhões para 53 milhões entre 1990 e 2010. O Norte global abrange 17% da população mundial, mas é origem de 31% dos migrantes internacionais (80% desses vivendo em outro país desenvolvido). Apesar de predominantemente ligado às nações ricas, países de renda média, como China, Índia, México e Brasil, têm setores econômicos e sociais inseridos nessas redes.

As migrações Sul-Sul até recentemente respondiam pela maior parte dos movimentos humanos, mas perderam importância relativa, sendo 40% da população migrante em 1990 e 34% em 2010[3]. São também as mais difíceis de definir, pois envolvem a maior variedade de determinantes e características. Percebem-se migrações econômicas de países pobres para países de renda média; migrações motivadas por setores e nichos específicos; uma série de migrações circulares e sazonais; uma mobilidade relativamente “horizontal” entre países próximos; migrações motivadas por questões étnicas e religiosas, instabilidades econômica e política e, mesmo, por conflitos civis e militares; dentre outras.

Um quarto processo de destaque é a expansão do número de refugiados. Os centros urbanos, cada vez mais populosos, tornam-se o foco dos conflitos militares, e o aumento do poder bélico faz crescer a mortalidade e a destruição. Na África e no Oriente Médio, Estados divididos em grupos religiosos e étnicos rivais sediam disputas com objetivo frequente de subjugar, expulsar ou exterminar os adversários, motivando a migração forçada. O Oriente Médio, alvo de disputas geopolíticas e invasões externas nas últimas décadas, é origem de grande parte dos atuais conflitos e, consequentemente, dos refugiados. A ONU estimou existirem 16,7 milhões de refugiados internacionais no final de 2013 (7,2% dos migrantes) e 33 milhões de refugiados internos, números maiores hoje, após o agravamento das crises síria e iraquiana. Países em desenvolvimento abrigam 86% dos refugiados, e cerca de 50% vivem em campos da ONU; 40% são crianças, e quase a totalidade tem poucos ou nenhum direito social e político[4]. A dificuldade de retorno e de concessão de asilo faz com que dois terços dos atuais refugiados estejam, há mais de cinco anos, nessa situação.

Conectada a todos esses movimentos migratórios, há uma transformação estrutural da organização territorial das sociedades em proporções inéditas: um processo de urbanização iniciado na Europa Ocidental, ainda no século XVIII, e que determina a maior parte dos deslocamentos humanos contemporâneos. Em 2009, uma publicação da UN-Habitat[5] estimou que, a cada semana, cerca de três milhões de pessoas migram de áreas rurais para urbanas no mundo, a maioria sem sair de seu país. Países desenvolvidos e América Latina já possuem altas taxas de urbanização, mas, na maior parte da Ásia e da África, o processo é relativamente recente e ocorre em alta velocidade. De 1950 a 2013, a população urbana passou de 30% para 54% da população mundial; estima-se que deve chegar a quase 70% em 2050. Um a cada oito habitantes de áreas urbanas vive em uma das 28 cidades com mais de 10 milhões de habitantes. Entre os migrantes internacionais, a concentração em grandes cidades é ainda maior: segundo o relatório da ONU sobre migrações internacionais de 2015, 20% dos migrantes internacionais vivem em uma das 19 metrópoles cuja população ultrapassa um milhão de estrangeiros (nove cidades na América do Norte, três na Europa, três no Oriente Médio, duas no Sudeste Asiático e duas na Austrália).

A natureza dos processos migratórios também vem mudando qualitativamente. Migrações temporárias e circulares aumentam com o avanço nas tecnologias de transporte, ainda que grande parte da humanidade não tenha condições de se apropriar delas. A internet e outras tecnologias de comunicação aumentam a capacidade do migrante de se informar sobre o país de destino, assim como permitem manter laços com o local de origem. Avanços nas tecnologias de monitoramento e controle podem dificultar a migração irregular, aumentando o poder dos Estados em fazer política migratória. O envelhecimento das populações nos países desenvolvidos e de renda média pode ser fator de pressão para aliviar restrições. O aquecimento global, a elevação dos mares, a deterioração de solos e rios, os desastres ambientais e eventos climáticos e sísmicos extremos podem gerar importantes movimentos humanos nas próximas décadas, potencializados pelo aumento do número de habitantes de áreas de risco, resultante da disputa por espaços urbanos escassos.

O desenvolvimento das forças produtivas e o avanço tecnológico devem seguir engendrando aumento na complexidade e no volume dos movimentos populacionais, mas os Estados Nacionais tendem a manter ou expandir sua capacidade de limitá-los conforme seus interesses. Ampliar o diálogo e construir uma política coordenada internacionalmente para lidar com as migrações tornam-se, nesse cenário, ações essenciais para garantir o respeito às liberdades e aos direitos de grande parte da população mundial.


[1]  NAÇÕES UNIDAS (ONU). International Migration Report 2013. New York, 2013. Disponível em: . Acesso em: jan. 2016.

[2]  NAÇÕES UNIDAS (ONU). International Migration Report 2013. New York, 2013. Disponível em: . Acesso em: jan. 2016.

[3]  NAÇÕES UNIDAS (ONU). Migrants by origin and destination: the role of South-South migration. Population Facts, New York, n. 2012/3, June 2012. Disponível em: . Acesso em: jan. 2016.

[4]  INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR MIGRATION. Global Migration Trends: an overview. Geneva, 2014. Disponível em: . Acesso em: jan. 2016.

[5]  UNITED NATIONS HUMAN SETTLEMENTS PROGRAMME. State of the World’s Cities 2008/2009: harmonious cities. London; Sterling, VA: Earthscan, 2009. Disponível em: . Acesso em: jan. 2016.