Editorial

A ascensão econômica da China tem dominado a agenda de analistas e pesquisadores há muitas décadas. De fato, ao longo desse período, o País apresentou taxas de crescimento espetaculares, impulsionando extraordinariamente seu comércio exterior e seus investimentos diretos. Mais recentemente, ainda que suas taxas tenham apresentado uma redução em relação ao ciclo anterior, a China permanece como a potência que mais expande sua influência econômica, à exceção da Índia, suscitando novas análises sobre seus desafios e estratégias.

Desde que promoveu uma abertura diplomático-econômica, ainda nos anos 70, Pequim vem apresentando inúmeras transformações em termos de comércio e investimentos. Inicialmente, enquanto recebia investimentos dos EUA, do Japão e da Europa Ocidental, para diversificar seu parque industrial, sua pauta exportadora era predominantemente primária — sobretudo de petróleo. Com o passar dos anos, porém, os chineses tornaram-se os principais exportadores mundiais, vendendo manufaturados, cujo valor agregado não para de crescer. Concomitantemente, sua necessidade de produtos primários os converteu nos maiores importadores de commodities, como minério de ferro, grão de soja e petróleo. Essa realidade está consubstanciada nas relações comerciais com o Brasil e, mais especificamente, com o Rio Grande do Sul, cuja parceria com a China se pauta pela venda de commodities e pela compra de manufaturados.

Neste número da revista Panorama Internacional, portanto, abordaremos algumas questões que permeiam os dilemas da emergência chinesa e suas relações com o Brasil e o Rio Grande do Sul. Para tanto, são elencados artigos que versam sobre as recentes mudanças políticas na China, alguns aspectos de sua política externa, sua política de inovação tecnológica e a agricultura chinesa. Não pretendemos, porém, exaurir o debate sobre os temas escolhidos para essa edição e reconhecemos a relevância de outros tópicos que, por ventura, ficaram à margem da discussão. Ainda assim, acreditamos que a edição poderá contribuir para o debate sobre a ascensão chinesa, elucidando questões que, em linhas gerais, deslindam o comportamento estratégico de Pequim.

No texto de Tarson Núñes, observamos que, dada a hegemonia do Partido Comunista Chinês na política do País, é preciso olhar para o Estado para entendermos a dinâmica da economia chinesa. Dessa forma, nota-se uma tentativa de adaptação ao novo cenário internacional, após a crise de 2008, com o intuito de harmonizar as questões socioeconômicas à conjuntura. Assim, em suas resoluções oficiais, o governo chinês já afirmou seu compromisso em promover a transição de um modelo de crescimento baseado em exportações para um com ênfase no mercado interno, de modo a proporcionar bem-estar à nova classe média. Com esse fito, assevera-se a necessidade de melhorias nas relações de trabalho e na temática ambiental — abandonando a estratégia de fomentar o crescimento a qualquer custo — e se formaliza a ambição de qualificar tecnologicamente o País e aumentar a produtividade da economia.

Em seguida, na análise de Sérgio Leusin Jr., constatamos que a agricultura é outra área em que a China passa por importantes mudanças. Com efeito, embora o País tenha-se tornado um grande importador de alimentos, sua produção agrícola, principalmente de arroz, fumo, trigo, milho e soja, ainda é extensa. Todavia, como o êxodo rural ainda é um fenômeno social recorrente, o Governo tem procurado maneiras de elevar a produtividade agrícola de maneira ecologicamente sustentável, para frear o fluxo demográfico em direção aos centros urbanos. Ademais, Leusin Jr. destaca que os subsídios governamentais são um elemento crucial da agricultura chinesa, já que o Governo se compromete a comprar uma parcela da produção e estabelece preços mínimos, causando distorções no comércio mundial de alimentos — fato já notificado à Organização Mundial do Comércio (OMC) pelos Estados Unidos.

Posteriormente, no texto de Iván Tartaruga, são estudados os incentivos para o desenvolvimento tecnológico na China, que tem chamado a atenção dos estudiosos nos últimos anos. De fato, sobretudo desde 2008, os investimentos em pesquisa e desenvolvimento foram multiplicados, deixando a China só atrás dos EUA nesse aspecto. Tartaruga pondera que, apesar disso, o montante investido não garante, por si só, uma geração maior de inovações, embora os chineses tenham buscado conectar essas políticas com as suas necessidades socioeconômicas de três formas: (a) fomentando a inovação inclusiva, focada nos extratos de baixa renda; (b) organizando polos de inovação em algumas províncias; (c) priorizando tecnologias “limpas” ou “verdes”. Tartaruga ressalva que, ainda assim, a falta de um ambiente de negócios competitivo favorável às inovações pode atravancar o avanço chinês nessa área.

A análise de Robson Valdez, finalmente, trata das relações político-econômicas entre a China e o Brasil e entre aquela e o Rio Grande do Sul. Em sua visão, nosso país e nosso estado encontram-se em uma encruzilhada, na medida em que o relacionamento com a China não parece estar pautado por benefícios mútuos que colaborariam para o seu desenvolvimento. À já referida assimetria comercial, fruto da primarização da pauta exportadora brasileira, soma-se a voracidade chinesa pela aquisição de setores-chave das economias nacional e estadual. Em vez de promover o avanço do País, os investimentos chineses parecem estar atendendo exclusivamente os interesses de Pequim, em um contexto em que os governos brasileiro e gaúcho alçaram a estabilidade fiscal à condição de tema prioritário. Assim, para saldar obstáculos de curto prazo, abrem mão de mecanismos e instrumentos que fomentam o crescimento econômico e efetivam políticas públicas de longo prazo, comprometendo a soberania nacional.

O entrevistado desta edição é Carlos Aguiar de Medeiros, Doutor em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professor associado do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Medeiros atua, sobretudo, nos temas de desenvolvimento, desemprego, tecnologia, crescimento, industrialização, Estado, mercados, padrões monetários, balança de pagamentos e inserção internacional.

Boa leitura!