Em 2016, o Mercado Comum do Sul (Mercosul) celebra 25 anos de existência, em meio a incertezas e críticas no Brasil e, inclusive, especulações sobre sua extinção. Como razões para essa visão pessimista, têm sido apontadas, em primeiro lugar, a ineficácia do bloco em promover a aproximação econômica entre os países; em segundo, a persistência de prejuízos para o Brasil; e, por fim, as dificuldades impostas pela sua estrutura na condução de negociações com outros países ou blocos.
Ainda que as críticas ao Mercosul sejam pertinentes, vale ressaltar que a integração deve ser analisada de forma mais ampla, considerando não apenas as questões comerciais. Apesar de altamente relevante, o comércio não é o único objeto da integração regional, a qual envolve, também, segurança, cultura e educação. Ademais, o bloco tem avançado a velocidades diferentes em cada setor, de forma semelhante a outros mecanismos de integração regional, inclusive a União Europeia (UE).
Em relação à primeira crítica, afirma-se que o bloco não tem sido exitoso em promover a integração entre as economias dos países-membros e salienta-se a recente diminuição proporcional de comércio entre eles. A principal razão parece ser a postura protecionista do Governo argentino. De fato, tanto para o caso do Brasil como para o do Rio Grande do Sul, os países do Mercosul reduziram significativamente sua participação nos últimos anos, devido ao excepcional desempenho das exportações para a China.
No entanto, é bastante forçoso afirmar que o Mercosul foi ineficaz ou tem perdido sua relevância, especialmente quando se abre a série histórica dos dados. Embora compartilhem uma fronteira de mais de 1.200km, Brasil e Argentina, até a década de 90, careciam de cooperação econômica relevante e duradoura. Durante décadas, os principais parceiros comerciais do Brasil foram os Estados Unidos e a Alemanha Ocidental. Ademais, a dinâmica das relações bilaterais sempre foi marcada por iniciativas de cooperação efêmeras e pela persistência da lógica de rivalidade entre brasileiros e argentinos.
Com base nos dados do gráfico, observa-se que o comércio bilateral entre Brasil e Argentina atingiu níveis históricos após a criação do Mercosul, em 1991, demostrando os efeitos comerciais da integração regional. Além disso, pode-se notar um momento de alta comercial no início dos anos 60, que foi subsequentemente descontinuado. A criação da Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), iniciativa tripartite entre Brasil, Argentina e México, explica esse movimento. No entanto, com o desinteresse dos Governos na manutenção do projeto, o comércio regional retrocedeu a padrões anteriores, o que serve de alerta para quem visa à dissolução do Mercosul.
O Mercosul foi responsável pela consolidação dos esforços de aproximação multisetorial do Brasil com a Argentina, iniciados ainda no final da ditadura civil-militar brasileira. De fato, houve momentos de maior otimismo, como no início da década de 90, quando da formalização do bloco, e outras fases mais críticas, como na desvalorização do real, em 1999, que desapontou profundamente os demais membros e, pouco depois, quando a Argentina passou por uma grave crise econômica e social. A recente estagnação em termos de valor dos fluxos comerciais certamente causa apreensões, mas cabe ressaltar que a imposição de cotas de importações aos produtos brasileiros por parte do Governo argentino é uma medida de defesa comercial em acordo com as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), no caso de surto de importações que comprometam determinado setor da economia ou seu balanço de pagamentos, se comprovados os nexos causais.
Para além do comércio, foram estabelecidos, de forma gradual, canais institucionais para a implementação de projetos de cooperação nas áreas de política, educação, cultura, segurança, entre outras. Além disso, a instituição da cláusula democrática, prevista no Protocolo de Ushuaia (1998), e, mais recentemente, a criação do Parlamento do Mercosul denotam o comprometimento político dos Governos com os valores e as instituições democráticas, além de aproximar os cidadãos de forma mais efetiva. Apesar de o prazo para a eleição de parlamentares via voto direto ter sido prorrogado para 2020, o Paraguai já realizou duas eleições (2008 e 2012).
Em relação ao tema dos custos, os “mercopessimistas” asseveram que o Brasil é o mais prejudicado no bloco. Entretanto, cabe observar que, em outros casos de formação de coalizões regionais, os Estados mais poderosos (seja em termos econômicos, seja em termos políticos ou militares) são os proponentes de iniciativas de integração regional, como no caso do condomínio franco-alemão na União Europeia, da Rússia na União Eurasiana, dos Estados Unidos no Acordo Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA) e da China nas negociações da Parceria Econômica Abrangente do Leste Asiático. Em todos esses casos, os Estados maiores concedem algumas vantagens mais tangíveis ou imediatas aos parceiros menores, de forma a ampliar a atratividade da participação no bloco em questão. Por exemplo, na Comunidade Europeia e no Mercosul, a sede dos mecanismos de integração é fora do território do Estado-motor: Bruxelas (Bélgica) e Montevidéu (Uruguai), respectivamente, cumprem essa função.
A concessão de vantagens ou concessões pontuais aos países menores em um processo de integração econômica é geralmente explicada pelo fato de as economias desses países, em muitos casos, carecerem do grau de competitividade das empresas dos países maiores, as quais normalmente operam em uma escala bem maior e conseguem explorar oportunidades mais rapidamente do que suas congêneres. Outro argumento bastante explorado por políticos e negociadores uruguaios e paraguaios é que seus países são mais suscetíveis a sofrer desvio de comércio com a imposição de tarifa externa comum. Segundo essa visão, os países menores tendem a ser mais prejudicados, por terem economias mais dependentes do comércio exterior.
Justamente por entrarem como sócios menores, os Estados mais frágeis sob o ponto de vista econômico, populacional ou territorial precisam contar com benefícios tangíveis e imediatos para fazer valer sua participação no projeto de integração regional. No caso do Mercosul, observa-se que os principais ganhos políticos só poderiam ser obtidos pelo Brasil, o único que pode se alçar à condição de player global. Se exitoso o processo de integração, as empresas brasileiras seriam as mais favorecidas, o Brasil seria uma potência global e seria seu o assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Logo, é de se esperar que o principal interessado no Mercosul tenha disposição para arcar com os seus custos, com vistas a suavizar as assimetrias regionais e promover o crescimento econômico intrabloco. Não é razoável imaginar que uruguaios, paraguaios, venezuelanos e argentinos queiram pertencer a um grupo vertebrado pelo Brasil sem obter vantagens materiais em contrapartida.
Um terceiro conjunto de críticas sustenta que o Mercosul tem dificultado a negociação de acordos comerciais com outros países ou blocos, em virtude da suposta baixa disposição de alguns membros em adensar as relações com outros países. Nessa perspectiva, o Brasil deveria abandonar seus compromissos regionais e conduzir sozinho as negociações com a União Europeia e com os Estados Unidos. Contudo, nesse caso, apresenta-se um dilema complexo, ainda que comum, nas relações internacionais. De fato, é possível concordar que um eventual acordo entre o Brasil e a União Europeia seja mais abrangente em termos de conteúdo, mas é também provável que seus termos sejam mais desiguais do que os de um acordo entre blocos. O poder de barganha tende a ser maior quando os seus atores preferem agir em conjunto a negociar separadamente, mas é também provável que o acordo final apresente um escopo temático mais limitado.
Dessa forma, os 25 anos do Mercosul devem ser avaliados concomitantemente sob a ótica política e econômica, observando suas sinergias. Analisar isoladamente suas dimensões é encará-lo como uma estratégia individualizada de cada membro em um jogo de soma zero. Ainda que a dimensão econômica do Mercosul acabe consolidando-se como termômetro do sucesso do bloco devido à facilidade de se mensurarem volumes e valores de seus fluxos comerciais, é imperativo ressaltar que todo acordo econômico é precedido de algum tipo de entendimento político, para mitigar as divergências inerentes ao processo de integração. Por esse motivo, a dimensão política da integração no Mercosul assume um papel relevante. À medida que suas instituições se consolidam como fóruns de integração e solução de conflitos nas mais variadas áreas de seus respectivos governos, criam-se oportunidades tanto para reduzir os custos como para aumentar os ganhos da integração entre seus países-membros.